Guo Guanchagang. O nome até há uma semana pouco ou nada diria à maioria dos portugueses. Mas o fundador do conglomerado privado chinês acumulou sucessos nos negócios da China capitalista e a empresa que controla, a Fosun, foi um dos maiores investidores estrangeiros em Portugal nos anos de 2013 e 2014. Comprou a Fidelidade, a maior seguradora portuguesa, que por sua vez adquiriu a Luz Saúde e 5% da REN e foi o último grupo na corrida à Novo Banco que só não comprou porque não quis melhorar a oferta.
Mas foram negócios como o Club Med, Cirque du Soleil e as propriedades emblemáticas em Nova Iorque e na Europa que colocaram o nome do presidente da Fosun no mapa financeiro global. Apesar destes “feitos”, Guo Guangchang é mais um numa lista que já vai longa de gestores, bilionários e dirigentes chineses caídos. Pelo menos 30 empresas já terão perdido os seus administradores, caídos na batalha do Partido Comunista e do presidente chinês contra a corrupção.
Guo, de 48 anos, começou por ser um bilionário desaparecido. Estava incontactável para a empresa, no meio de rumores não confirmados de que teria sido “apanhado” pelas autoridades no aeroporto de Xangai na quinta-feira pela hora de almoço.
Suspeitas não especificadas sobre envolvimentos em casos de corrupção e o silêncio dos responsáveis da Fosun levaram à suspensão das ações da empresa na bolsa de Hong Kong na sexta-feira. O grupo lá acabou por esclarecer que o presidente estava a “colaborar” com as autoridades judiciais chinesas a propósito de um inquérito não identificado. Apesar disso, Guo continuava a participar nas decisões importantes, garantia a Fosun, que este domingo veio dizer que o seu presidente está em Xangai e que as investigações nas quais está a colaborar deverão incidir sobre “assuntos pessoais” e não sobre a empresa. Só esta manhã o empresário reapareceu, numa reunião do grupo, onde foi recebido com dois minutos de aplausos pelos vários elementos do Fosun.
Incontactáveis na era da comunicação non stop
Guo Guangchang não foi nem o primeiro nem o segundo chinês poderoso e rico a desaparecer nos últimos meses, mas há pelo menos duas coisas que o distinguem dos outros poderosos caídos em desgraça: é o acionista e presidente de um grupo privado que fundou, ou seja, não foi um cargo atribuído pelo Partido Comunista chinês numa empresa pública. Por outro lado, é seguramente o mais famoso e internacional dos milionários chineses.
O desaparecimento do homem que a imprensa descreve como o Warren Buffett chinês, por causa da sua estratégia agressiva de aquisições, gerou uma atenção sem precedentes na imprensa internacional financeira. Nas contas da Securitie Times, citadas pela Bloomberg em novembro, 34 empresas negociadas em bolsas chinesas perderam contacto com os gestores de topo, o que não deixa de causar estranheza na era do sempre contactável dos tablets e smartphones, ou viram os seus dirigentes apanhados em investigações anticorrupção.
A Business Insider lembra dois casos de presidentes e milionários que saíram do radar. Yim Fung, o presidente executivo da Guotai Yunan International, também foi dado como desaparecido apenas duas semanas antes de Guo. E a história repete-se. A empresa, uma das principais financeiras, não o conseguia contactá-lo e teve de o substituir “temporariamente”.
When Lei Heijun, o presidente da Hanenergy, falhou a assembleia geral de aprovação dos resultados da empresa em maio último. O impacto foi catastrófico na cotação que derraparam quase 50% e as ações tiveram de ser suspensas depois de perderem quase 20 mil milhões de dólares. Lei Heijun chegou a ser considerado o homem mais rico da China pela Forbes, depois de ter lançado a empresa de energias renováveis Hanenergy que se destacou nos painéis solares. Pouco depois vieram a público investigações das autoridades da bolsa de Hong-Kong por suspeitas de manipulação de mercado e o caso já foi mesmo comparado ao escândalo da Enron nos Estados Unidos.
A China tem mais de 50 pessoas com fortunas avaliadas em mais de mil milhões de dólares (bilionários). E se a sua rápida ascensão os coloca no radar internacional e nas listas da revista Forbes, também tem um preço que pode revelar-se muito alto, na medida em que se tornam alvos para a “limpeza” promovida pelo presidente Xi Jinping e ochefe da brigada anti-corrupção, Wang Quishan.
A limpeza no maior acionista da EDP
As investigações começaram em 2013 a nível das autoridades locais, mas rapidamente chegaram ao poderoso setor empresarial público chinês e agora aos conglomerados privados. Outra história que teve eco por cá foi a repentina substituição em 2014 do presidente e gestores da China Three Gorges, empresa que é a maior acionista da EDP, com 21,35%. O presidente Cao Guangjing veio várias vezes a Portugal onde participou em eventos públicos e privados da elétrica.
Por trás desta demissão, estiveram suspeitas de nepotismo e procedimentos de contratação duvidosos. A propriedade de vários apartamentos e carros de luxo, mais caros que o permitido pelas regras do Partido Comunista chinês, também pesaram no afastamento. Mas Cao não foi judicialmente acusado.
As ligações inadequadas
Pelo contrário, Wang Zongnan, foi condenado a 18 anos de prisão neste verão por desvio de fundos empresariais quando liderava empresas do Estado. O tribunal chinês considerou que o dono da Fosun, Guo Guangchang, teve ligações inadequadas com o detido, por ter vendido à sua família várias propriedades com um forte desconto em relação ao preço de mercado.
Mas não se sabe se foi esta ligação perigosa que tramou o dono da Fosun. Segundo a Bloomberg, o inquérito que envolve Guo incide sobre outro poderoso caído em desgraça: o antigo vice-presidente da câmara de Xangai. Em novembro foi noticiado que Ai Baojun estava a ser investigado por “violações da disciplina” do Partido Comunista chinês, um eufemismo normalmente usado para corrupção.
O dirigente, que também liderou a zona de comércio livre de Xangai, foi a primeira autoridade de uma das principais cidades chinesas a ser apanhado no âmbito da batalha contra os subornos na administração do país. Informações, avançadas na altura pelo South China Morning Post, indicavam que Baojun era suspeito de crimes económicos.
Num mercado dominado pelo Estado, muitos empresários privados fizeram negócios com gestores públicos para assegurar licenças governamentais, contratos ou financiamento, adianta um especialista em governo das sociedades da Universidade Chinesa de Hong-Kong. “É assim que muitos empresários são apanhados quando está em marcha uma campanha anticorrupção”, realça Zhang Tianyu, à Associated Press.
A malha da luta contra a corrupção saltou também para o setor financeiro, sobretudo depois dos sobressaltos que fizeram tremer a Bolsa de Xangai este verão e que estão sob investigação. Outra empresa com ligações a Portugal apanhada na rede foi a Haitong, sociedade financeira chinesa que comprou o Banco Espírito Santo de Investimentos (BESI). As ações foram recentemente suspensas nas bolsas de Hong-Kong e Xangai por causa de suspeitas de utilização de informação privilegiada. O inquérito está em curso.
O outro “Warren Buffett” chinês foi detido em novembro
Caso venha a ficar detido, o fundador da Fosun não seria sequer o primeiro “Warren Buffett” chinês a ser preso. No início de novembro, e depois de uma perseguição a alta velocidade numa autoestrada, a polícia capturou o líder de um dos principais hedgefunds chineses, a Zexi Investment. Xu Xiang também era comparado a Warren Buffett e estava debaixo do olho das autoridades por causa do colapso das bolsas chinesas. Em causa, uma vez mais, suspeitas de insider trading (informação privilegiada). O gestor, também conhecido como Big Xu, tinha boas relações com altos dirigentes do Estado.
Também ao fundador da Fosun não faltaram relações ao mais alto nível. Guo Guangchang fechou recentemente um acordo com o empresário português Jorge Mendes para desenvolver o futebol e patrocinar a liga chinesa. Um investimento que terá agradado ao fã nº 1 de futebol no país, nada mais do que o secretário-geral do partido, Xi Jinping. A parceria casa bem com a estratégia da Fosun de explorar o mercado do lazer e da felicidade.
Se os inquéritos a suspeitas de corrupção são a explicação mais comum para o desaparecimento e queda em desgraça dos ricos e poderosos na China, há receios de que a campanha de saneamento das autoridades chinesas se transforme numa caça às bruxas. Numa economia em forte travagem e depois dos choques bolsistas que obrigaram as autoridades a desvalorizar a moeda, há quem veja neste zelo judicial uma tentativa de encontrar bodes expiatórios para os problemas económicos que se aproximam. Os novos milionários chineses podem ser o alvo mais conveniente.