Terá começado esta quarta-feira, 16 de dezembro de 2015, o fim da era do dinheiro barato. A Reserva Federal dos EUA (Fed) anunciou a primeira subida da taxa de juro de referência, que foi colocada em 0% em 2008 – há precisamente sete anos – e assim se manteve na Grande Recessão e nos últimos anos. Mas a Fed garante que o ciclo de subidas será “gradual”, o que atenua a pressão para que esta decisão pudesse levar a uma subida inadvertida dos juros de mercado também na zona euro ou que possa levar a um colapso nos países emergentes.

A decisão de subir as taxas de juro já era esperada pela vasta maioria dos especialistas. Alguns até previam que ela já chegaria na última reunião da Reserva Federal, em setembro. Nessa altura, o Observador debruçou-se sobre as implicações que essa subida da taxa de juro, quando viesse, teria para a economia global: Fed está prestes a “bater as asas” e subir os juros nos EUA. O mundo aguenta?

A taxa de juro passou para um intervalo de 0,25% a 0,5%, uma primeira tentativa de começar a normalizar a política monetária nos EUA. A decisão foi unânime entre todos os presidentes das várias divisões regionais da Reserva Federal. Outro dado crucial é que a Fed adotou uma atitude cautelosa ao garantir que, daqui para a frente, antecipa uma subida “gradual” da taxa de juro.

Antes desta quarta-feira a taxa de juro da Fed estava num intervalo técnico entre 0% e 0,25% – e a questão crucial será saber quão rapidamente a Fed anunciará novas subidas. Os especialistas têm dito que se pode esperar mais dois a quatro subidas no próximo ano. Mais do que isso será, possivelmente, demasiado brusco e desequilibrar os mercados. Menos do que isso, provavelmente, também não será um bom sinal – será sinal de que a economia perdeu o ímpeto que tem vindo a evidenciar, por alguma razão interna ou externa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Comité acredita que há uma melhoria considerável nas condições do mercado de trabalho este ano, e está razoavelmente confiante de que a inflação irá subir, no médio prazo, para o seu objetivo de 2%. Tendo em conta as perspetivas económicas, e reconhecendo o tempo que as decisões de política monetária levam para afetar as condições económicas, o Comité decidiu aumentar o intervalo da taxa de juro para os fundos federais para 1/4 a 1/2 por cento.

Os especialistas estão a sublinhar uma outra passagem, que espelha a cautela da Reserva Federal enquanto anuncia esta decisão:

“O Comité antecipa que as condições económicas irão evoluir de uma forma que irá carecer de aumentos apenas graduais na taxa de juro. A taxa de juro deverá permanecer, por algum tempo, abaixo dos níveis onde é expectável que se manterão no longo prazo”.

Neste link poderá encontrar o comunicado oficial da Reserva Federal (em inglês).

Que implicações tem esta subida?

A Reserva Federal subiu os juros, mas garantiu que o possível ciclo de subidas daqui para a frente será “gradual“. Este é um ponto crucial para a economia global, porque a Reserva Federal indica que o ciclo de subidas deverá ser lento. Esta garantia significa, por exemplo, que será menor a pressão nos mercados mundiais – incluindo da zona euro – para a subida dos juros nos mercados à boleia da Reserva Federal.

Apesar de esta decisão da Reserva Federal simbolizar o fim da era do dinheiro barato que vivemos na última década, o desafio para os outros bancos centrais – como o Banco Central Europeu – é garantir que a decisão da Fed não irá perturbar os seus próprios objetivos de política monetária. Na zona euro, a taxa de juro está – e estará nos próximos anos – em 0,05% e Mario Draghi reforçou os estímulos há duas semanas, precisamente para evitar um contágio da subida dos juros nos EUA.

A garantia da Reserva Federal de que novas subidas serão “graduais” ajuda a aliviar essa pressão sobre o BCE e sobre a sua intenção de manter as taxas de juro baixas de mercado na zona euro. Mas, na conferência de imprensa de anúncio da decisão, Janet Yellen disse que a evolução “gradual” das taxas de juro dependerá do desempenho da economia e da evolução das expectativas de inflação.

Nos EUA, apesar de a taxa de inflação ainda estar a cerca de um quarto do objetivo de 2%, a Fed estará, finalmente, confiante de que a recuperação económica irá encarregar-se de estimular a inflação. E, assim, o banco central aproveita a oportunidade para limitar os riscos associados a uma política monetária expansionista por demasiado tempo.

Um desses riscos é que a compressão das rendibilidades nos ativos clássicos – como a dívida norte-americana e o dólar – proporcione a tomada excessiva de riscos, canalizando capitais para o investimento noutros ativos mais arriscados e podendo criar bolhas especulativas nos mercados. Outro problema de ter a taxa de juro em 0% durante demasiado tempo é, claro, que não há margem para baixar a taxa de juro se for necessário.

O Banco Central Europeu (BCE) iniciou os estímulos mais tarde do que nos EUA e estes foram reforçados há duas semanas. Mas esta decisão da Reserva Federal dos EUA, o banco central mais poderoso do mundo por controlar o valor do dólar, tem implicações vastíssimas para toda a economia global. O BCE avisou recentemente que se a Fed subir as taxas de juro demasiado rápido, isso levará a instabilidade nos países emergentes – sobretudo aqueles com contas externas desequilibradas e dependentes dos capitais em dólares. Mas a zona euro também não ficará imune.