O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, pede que se acelerem “rapidamente” os trabalhos de construção da União Bancária europeia, porque o facto de esta estar “em construção” gera uma “esquizofrenia entre quem toma as decisões e quem paga e dá a cara por elas“.
As declarações de Carlos Costa foram proferidas durante uma conferência organizada pela Católica Lisbon School of Business & Economics da Universidade Católica Portuguesa. O governador do Banco de Portugal diz, acerca da União Bancária — o tema desta conferência — que uma introdução demasiado lenta cria um risco de se criarem “ressentimentos” que, no futuro, podem ameaçar a integração europeia de um modo geral. Ou seja, a União Bancária “pode transformar-se num problema, quando devia ser parte da solução“.
Em concreto, Carlos Costa aponta vários riscos associados a este período intercalar — de “construção gradual” — da União Bancária. Talvez o principal risco esteja relacionado com as regras da resolução bancária, que entraram em vigor de forma plena neste início de 2016. Ainda que as regras já tenham entrado em vigor, os Fundos de Resolução nacionais vão continuar a ter um papel determinante nos próprios anos, enquanto passa tempo suficiente para que o Fundo europeu esteja devidamente financiado. Estima-se que só dentro de oito anos isso aconteça, o que permitirá o fim da “compartimentalização” das contribuições para os fundos de resolução nacionais.
Assim, apesar de haver uma autoridade europeia com capacidade de decisão sobre resoluções de bancos num dado país – o Conselho Único de Supervisão – quem fica com a responsabilidade de pagar a operação será ainda (nos próximos anos) o Fundo de Resolução nacional. E, na mesma linha, é às autoridades nacionais — como o Banco de Portugal — que cabe, numa situação de resolução, assegurar os depósitos e o fluxo normal de financiamento à economia.
Carlos Costa diz-se “preocupado” com esta questão. “Há uma assimetria entre os poderes e a responsabilidade de resposta perante esses poderes”, diz o governador do Banco de Portugal — daí que seja “urgente uma clara identificação das responsabilidades“, caso contrário os próprios cidadãos não irão compreender quem é que toma as decisões. E não irão compreender, também, que “as autoridades nacionais não dispõem de margem de manobra” para gerir os problemas doutra maneira, mas estes é que têm de “pagar e dar a cara“.
“Pode ser uma cor qualquer, desde que seja preto”
Carlos Costa diz que a forma como se tomam as decisões na Europa, nesta fase de construção gradual da União Bancária, lhe recorda a famosa citação de Henry Ford quando criou o Modelo T: “O cliente pode escolher uma cor qualquer, desde que seja preto”.
Sem nunca se referir concretamente às situações vividas em Portugal, Carlos Costa diz que “os italianos andam muito irritados pela resolução de quatro bancos, que valem 1% do sistema”. O governador do Banco de Portugal diz que os italianos “se fossem comparados com a nossa experiência… estariam muito mais preocupados”. Costa diz que nem nos EUA foi, algum dia, necessário fazer uma resolução de um banco com mais de 20% do sistema bancário local — uma referência ao BES/Novo Banco.
Mesmo quando houver uma maior clarificação das responsabilidades na resolução bancária europeia, Carlos Costa diz que vê com alguma apreensão a forma prática como as coisas irão acontecer. “Uma resolução exige muita rapidez e muita confidencialidade e tenho receio de que quando a autoridade europeia de resolução tiver de intervir vai ter um problema de rapidez de resposta“.
Carlos Costa pede não só uma reflexão sobre estes riscos e uma aceleração dos trabalhos da União Bancária como, também, dos outros “passos necessários” para assegurar a integração europeia e sem os quais a União Bancária não irá funcionar. O governador do Banco de Portugal pede, assim, um fortalecimento das regras orçamentais e de política económica e, ainda, um sistema de garantia de depósitos comum em toda a zona euro.