Uma vez por ano, João Silva, produtor de ostra no estuário do Sado, recebe sementes provenientes de França. As ostras bebé fazem a viagem de avião, acomodadas aos milhares, numa pequena caixa devidamente acondicionada. “Nesta altura medem em média seis milímetros, são minúsculas”, diz João Silva. Esta é a ostra japonesa, conhecida também como ostra do Pacífico, a espécie Crassostrea gigas.

As sementes de ostra são conseguidas de duas formas: ou criadas em maternidades, ou captadas ao natural, durante a fase de reprodução da ostra adulta: “São colocados coletores, dentro de água, onde se vão hospedar embriões minúsculos de ostra”, explica João Silva. Mas Portugal não possui as condições necessárias para esta prática.

Conseguir sementes de ostra em maternidades “é demasiado dispendioso e não existem apoios por parte das entidades competentes”, desabafa João Silva. Por outro lado, diz Fernando Gonçalves, secretário-geral da Associação Portuguesa de Aquacultores (APA), “em Portugal não conseguimos criar esse tipo de ostra, não temos uma baía fechada onde se possa fazer esta captação natural, como fazem os franceses”.

Muitos dos produtores não têm capacidade financeira para possuírem os seus próprios berçários de ostras e, por isso, dependem de mercados externos para se abastecerem de juvenis e sementes de ostra. Comprar sementes a franceses é a opção mais rentável para este tipo de produção.

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Mas o cenário para este tipo de produtores não é um mar de facilidades. O ciclo de produção é muito longo – em média superior a 12 meses –, e a obtenção de licenças de utilização e de exploração são algumas das dificuldades que as empresas sentem. O acesso a financiamento bancário, fundamental e quase obrigatório para futuros projetos, também não é simples. Este tipo de negócio cria incertezas nas empresas produtoras. É um setor pouco atrativo a futuros e novos investimentos.

Outrora casa de salinas e viveiros de dourada, os produtores de ostra utilizam os antigos viveiros que se encontram no canal da Marateca e Vaia, em pleno rio Sado, para produzirem a ostra recém-chegada de França. O passo seguinte é colocar 200 gramas de sementes de ostra, em sacos “com uma malha muito fina para não saírem para fora”, conta João Silva.

Quando a ostra bebé atinge os 15 milímetros, é colocada em sacos com uma malha mais larga, sob mesas de ferro, onde vai continuar o seu processo de crescimento, ao sabor das marés – ora dentro de água, onde se alimentam de microalgas (mais conhecidas por fitoplâncton), ora fora de água, onde a casca atinge as características desejáveis, sólida e compacta. Esta é a forma mais tradicional de criar ostras em Portugal.

O produtor João Silva explica que as ostras não podem estar apertadas dentro dos sacos, e por isso à medida que vão crescendo vão sendo mudadas de recipiente, a malha vai sendo cada vez mais larga e são cada vez menos por saco. “Se no primeiro metíamos aos milhares, quando chegam ao estado adulto talvez estejam para aí umas 200 em cada saco”, diz.

Todas as marés, de barco ou por terra, visto a área de produção ser extensa, têm de ir ao local de produção. Equipados com roupa adequada, botas de borracha até ao peito e luvas, aproveitam a vazante da maré, para virar o maior número de sacos possível. Numa maré de baixa-mar (que são duas horas), “conseguimos voltar 200 sacos, depois temos voltar no dia seguinte para virar outros tantos, e por aí fora, tem é de ser faseado são muitos sacos”, conta João Silva.

5 mil sacos de ostra

Atualmente, a produção de ostras no estuário do rio Sado é feita por micro e pequenas empresas, muitas delas de cariz familiar. A de João Silva é um bom exemplo. No trabalho do dia-a-dia conta com cinco pessoas a tempo inteiro: “As ostras não precisam de muito manuseamento, estão a crescer, a tarefa diária é ir virando os sacos. Quando é necessário mudar as ostras de saco, “aí é que o trabalho aperta e são necessários mais braços”. Nessa altura, conta João Silva, pode contratar temporariamente mais cinco a oito pessoas.

É um trabalho muito duro, afirma o produtor. No verão “está muito calor, os sacos pesam muito”, no inverno é o contrário: “Com o frio e humidade temos de estar sempre bem agasalhados com roupas bastante quentes, sempre de luvas porque a ostra corta. No pico do verão ou num inverno rigoroso é um trabalho bastante duro e pesado”, afirma o produtor.

João Silva relembra uma história, antiga, que se conta acerca das ostras, dos bivalves e do marisco em geral: os meses com r e sem r. “As pessoas mais antigas dizem que nos meses sem r não se devem comer mariscos e bivalves”. É o período de reprodução, por esta altura o marisco está mais magro: “Não é que faça mal, mas as ostras podem estar leitosas, estão mais magras é por essa razão que normalmente se diz que não se devem comer durante o verão”, esclarece o produtor. “No inverno é quando estão em melhor forma.”

No entanto, a ciência já conseguiu contornar esta situação: “Os franceses já produzem um tipo de ostra, a que chamam triplóides, é uma ostra que nunca entra em reprodução, a nossa é desse tipo, está gorda o ano todo”, conta João Silva.

Mas o consumo deste alimento em Portugal é residual.

“Não existe um mercado muito grande de ostras, a tendência é para aumentar, mas falta tradição no consumo de bivalve cru”, afirma Mário Pinheiro, responsável da Champanheria, um dos espaços da moda do consumo de ostra em Portugal.

Mário Pinheiro, lembra que ainda estamos muito próximos da cultura árabe, “conhecemos o azeite muito cedo”, aprendemos a confecionar os alimentos por isso, “comer produtos não cozinhados na gastronomia portuguesa não é uma tradição muito comum”. Outra das razões para não se consumirem mais ostras em Portugal, explica Mário Pereira, “é que as pessoas não têm confiança nas entidades que supervisionam e fiscalizam o consumo deste tipo de produtos. Em Portugal, não existe a mesma credibilidade que existe noutros países”.

Não existe um mercado muito grande, é verdade, mas a tendência é para crescer, conta Mário Pereira: “A ostra é uma mais-valia, temos as condições ideais para a produção, felizmente existem cada vez mais produtores, hoje já se olha para a ostra como uma mais-valia em termos de produção nacional”.

Um “tesouro nutricional”

A ostra é um autêntico “tesouro nutricional”, diz o nutricionista Nuno Velho Cabral, que considera a ostra uma excelente opção alimentar. “São uma preciosidade”, explica, “apresentam um baixo valor calórico associado a um excelente teor proteico. As ostras constituem uma excelente opção alimentar para variar o cardápio”. E também ao nível dos micronutrientes são uma boa opção, “destacam-se os seus elevados níveis de Ferro, Zinco, Cobre, Selénio, Iodo, Cálcio, Vitamina D, vitamina B-12 e vitamina A” e ácidos gordos do tipo Ómega 3. Nuno Velho Cabral salienta ainda que a ostra está disponível ao longo de todo o ano.

Panadas, secas, fumadas, fritas, estufadas, em sandwich, em sobremesas, em sopas, são muitas as formas de se consumir a ostra pelo mundo fora. A forma clássica de os franceses, verdadeiros apreciadores de tal iguaria, consumirem ostra é crua, com limão e pimenta. E os portugueses?

“Podem ser servidas com molhos picantes, molhos com maçã verde e gengibre, que retira um bocadinho o sabor intenso, gratinadas, ao vapor, em tempura, risoto, é puxar um bocadinho pela imaginação, existem muitas maneira de confecionar a ostra, as pessoas às vezes ficam maravilhadas”, diz João Silva. No entanto, “o grande apreciador gosta delas simplesmente ao natural, com um sabor intenso a mar”.

Para a Associação de Produtores de Aquacultura (APA), “nos últimos anos o setor da ostra em Setúbal está em crescimento”. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos a 2013 mostram que foram produzidas em Portugal 995 toneladas de ostras, um décimo do que chegou a ser no pico dos anos 60.

A produção de ostra em Portugal já foi uma importante atividade na economia local e nacional. Nos anos 60, existia uma exploração intensiva de ostra portuguesa, a Crassostrea angulata, “uma espécie de ostra que era conhecida por ostra portuguesa, les portugaises”, como lembra Fernando Gonçalves, da APA. “Há quem diga que na altura dos Descobrimentos, como os portugueses andavam pela Ásia, trouxeram estas ostras. Não de propósito. No tempo em que as caravelas estavam naquela zona, os juvenis das ostras agarravam-se às caravelas e vieram assim à boleia. Muitas vezes, as caravelas atracavam em Lisboa e em Setúbal. Isto em 1500 e 1600”. Olhando para as duas espécies – portuguesa e japonesa –, Fernando Gonçalves não nota grandes diferenças: “Há quem diga que são a mesma ostra”.

São japonesas, mas crescem no Sado

João Silva tem outra opinião e conta que os franceses preferem, atualmente, a ostra japonesa (Crassostrea gigas) produzida em Portugal: “É mais bonita, o interior é branco, é uma ostra limpa, está cheia”, é um tipo de ostra que é controlada durante toda a produção, enquanto a ostra portuguesa (Crassostrea angulata), da década de 60 “era uma ostra selvagem, era apanhada à mão, muitas vezes estavam coladas umas às outras, eram feias, cada uma tinha a sua forma e tamanho”.

Antes de iniciar este negócio, há quatro anos, João Silva foi a França mostrar a ostra típica dos anos 60 para ver se ainda tinha mercado, mas rapidamente percebeu que não era viável: “O consumidor francês já não a quer”.

No rio Sado, as ostras são criadas em tempo recorde. Ao fim de ano e meio a ostra japonesa vinda de França – onde demoraria no mínimo três anos a ser produzida – atinge os 100 gramas, o peso comercial mais forte de mercado.

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Depois de colhidas são depuradas – processo de filtragem e purificação – embaladas e, por camião, voltam a França. Aqui chegadas, adquirem marca própria e são exportadas para os principais mercados de ostra – Rússia, China ou Dubai. Muitas são consumidas no apreciado e exigente mercado francês.

Hoje, João Silva procura a internacionalização pelos seus próprios meios. Criou com a mesma espécie de ostra japonesa uma marca própria, as “ostras especiais portuguesas”. O seu destino é agora a Espanha, a Irlanda e a Holanda. A restante produção fica para consumo nacional.

As pessoas têm a ideia de que é um produto muito caro, e que só se devem consumir acompanhadas de um bom champanhe, alerta João Silva, mas em banca de praça ou num supermercado, um quilo de ostras pode custar em média oito euros: “Comparativamente com algum tipo de amêijoa é muito mais barata”, afirma.

É um negócio ainda rentável afirma João Silva. “Cada milhão de ostras rende em média 150 mil euros na venda. Depois existem custos associados de investimento, mesas de ferro, sacos, que são custos iniciais que vou amortizando em três anos”. O ano passado conseguiu produzir 80 toneladas, mas alerta que, para o tamanho das suas concessões, tem capacidade para produzir até 200 toneladas. É um objetivo que espera atingir nos próximos anos.

Uma história que a poluição encurtou

Os estuários do Tejo e Sado eram os maiores bancos naturais de produção de ostra da Europa. Foi um setor com uma grande importância comercial. Na zona de Setúbal chegou a dar emprego a mais de 4000 trabalhadores. Mas as ostras começaram a desaparecer do Sado, e Portugal deixou de exportar.

A chegada da indústria pesada às margens do rio – cimenteira, petroquímica, química, construção naval, siderurgia –, e a consequente poluição do meio aquático fragilizaram as defesas desta espécie de ostra. “A partir da década de 70, esses bancos de ostra praticamente desapareceram”, diz Fernando Gonçalves.

A produção anual chegou a atingir as 9000 toneladas/ano. França era o maior destino das exportações nacionais desse tipo de ostra. “Toda a indústria ligada à ostra nos anos 60 era unicamente para a exportação”, relembra João Silva.

A produção de ostra em Portugal sempre foi um negócio familiar, mas com o final anunciado no final dos anos 70, estas famílias tiveram que se dedicar ao negócio do sal, à apanha de isco para a pesca, ou para os viveiros de peixe. Outros converteram-se a outras atividades.

Com os problemas ambientais, os poucos produtores que ficaram no ramo da ostra tiveram de se virar para a ostra japonesa, que tem de ser importada, pois em Portugal não há condições para desenvolver maternidades.

Paulo Castanheiro é aluno de mestrado em Ciências da Comunicação na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

Texto editado por: Rita Ferreira