A decisão europeia que deu luz verde à intervenção no Banif e à ajuda de Estado foi colegial, ou seja, envolveu todos os comissários europeus e não apenas a comissária da Concorrência que lidera os serviços da poderosa DG Comp, Margrethe Vestager de quem partiu a proposta. É assim com todas as decisões importantes, sobretudo as que dizem respeito a resoluções de bancos, segundo informação recolhida pelo Observador.

Bruxelas e em particular a DG Comp, (a direção-geral da Concorrência) tem estado debaixo de fogo em Portugal por causa da solução aplicada ao Banif, e das restrições que terão empurrado as autoridades portuguesas para uma decisão cara para os contribuintes. A Comissão Europeia, através do gabinete de Jean-Claude Juncker, já prometeu responder à comissão parlamentar de inquérito ao Banif — apesar de na semana passada as perguntas dos deputados portugueses ainda não terem chegado.

A versão de Bruxelas sobre a queda do Banif pode contudo ser reconstituída a partir da decisão publicada na última sexta-feira, depois de ter sido “limpa” de informação confidencial. A cronologia de cartas da DG Comp às autoridades nacionais revela que, desde pelo menos o final de outubro, que Bruxelas alertava Lisboa para o risco de um cenário da resolução do banco.

Em resposta ao último plano de reestruturação entregue em setembro de 2015, e aquele que segundo a ex-ministra das Finanças e a gestão do Banif ia de encontro às exigências europeias, a Comissão manifesta sérias dúvidas de que a proposta dispensasse ajudas de Estado, como defendia então o governo, e pedia mais informação. O plano previa o destaque de ativos de pior qualidade para um veículo, uma operação que exigia reforços de capital, e a venda da parte boa do Banif num processo voluntário. Nesta carta, de 29 de outubro, a DG Comp avisava que a atribuição de mais fundos públicos iria constituir provavelmente uma nova ajuda de Estado.

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Estratégia de resolução apresentada a Bruxelas antes da notícia da TVI

O documento libertado na sexta-feira à tarde revela ainda que o Banco de Portugal, numa carta enviada a 12 de dezembro à Comissão, estava já a considerar a aplicação de medidas de resolução ao Banif, que justificava como necessárias para salvaguardar a estabilidade financeira e minimizar os custos para os depositantes. A estratégia para a resolução terá sido aliás apresentada à DG Comp um dia antes da notícia da TVI que tem sido apontada por responsáveis nacionais como tendo tido um papel determinante no desfecho do Banif.

A comissária da Concorrência, Marghrete Vestager já negou mais do que uma vez ter imposições feitas às autoridades portuguesas sobre o desfecho do Banif, quer ao nível do prazo, quer na escolha do comprador, salientando que a decisão foi das autoridades nacionais. Em resposta por escrito a um eurodeputado português, Vestager foi mais longe na reação, considerando que o papel atribuído à Comissão Europeia (Direção Geral da Concorrência) no processo de resolução do Banif está claramente desvirtuado (misrepresented). Uma nota que é reveladora do desconforto que este caso está a provocar em Bruxelas.

Os responsáveis portugueses que têm desfilado pela comissão de inquérito, insistem nas restrições da Europa que condicionaram fortemente a solução encontrada, afinal a única possível, depois de combinadas as condições de Bruxelas com as condições de Frankfurt, onde está a sede do Banco Central Europeu que até agora tem recusado prestar grandes esclarecimentos, alegando regras de confidencialidade.

As restrições das novas regras europeias

Estas restrições são até certo ponto explicadas pelas novas regras de resolução bancária, pelas quais uma injeção de capitais públicos que venha a ser considerada uma ajuda de estado, obriga à resolução do banco. E foi o que aconteceu no Banif, quando falhou a venda voluntária porque nenhuma das ofertas recebidas dispensava essa ajuda, caindo sob a alçada da nova diretiva para a resolução e recuperação bancária (a DBRR).

A 12 de novembro, a DG Comp foi mais clara, e na carta que Maria Luís Albuquerque considera marcar o “retrocesso” no processo do Banif, apela ao governo português (o segundo executivo liderado por Passos Coelho tinha tomado posse) para desenvolver uma solução completa para o Banif, no mais tardar, até à primeira semana de dezembro caso pretendesse avançar com uma nova ajuda de Estado, o que implicaria como vimos a resolução, até ao final do ano.

Três dias antes, em carta ao Banco de Portugal, a Comissão pedia que fosse realizada uma avaliação à qualidade dos ativos do Banif, o mais depressa possível, com o conhecimento do Mecanismo Único de Resolução, reafirmando que a nova ajuda de Estado, a primeira dada em 2013 ainda estava a ser investigada, desencadearia uma resolução do banco.

Quem impôs o prazo do final do ano? Os responsáveis comunitários têm garantido que não tiveram intervenção na solução encontrada que foi da responsabilidade das autoridades portuguesas. No entanto, é notório que avisaram para as consequências da entrada em vigor das novas regras de resolução em 2016, que impõe duas condições: a autoridade de resolução deixa de ser a nacional (o Banco de Portugal) e passa a ser o mecanismo único de resolução, e partilha de perdas deve incluir obrigacionistas e depositantes acima de 100 mil euros.

E as autoridades nacionais sabiam que as novas regras iam entrar em vigor, em particular o governo de Maria Luís Albuquerque que aprovou a entrada em vigor da diretiva, BRRD (diretiva de recuperação e resolução bancária).

Quando confrontados com essas imposições, e perante as dificuldades em vender a posição do Estado no Banif num regime voluntário e sem novas ajudas públicas, na versão de Bruxelas, terão sido afinal as autoridades portuguesas a decidir que era preferível resolver o problema do banco antes do final do ano, uma vez que a resolução já seria um cenário muito provável. A mesma iniciativa teve a Itália quando resolveu quatro bancos também antes de 2016.

O Banco de Portugal responde a Bruxelas a 26 de novembro, comunicando as medidas que estavam a ser tomadas, desde a análise das situações de risco e o seu impacto no setor, e o pedido à gestão do Banif para apresentar um plano para aumentar o capital. Desde setembro, que se sabia que o banco ia entrar em insuficiência de capital logo no arranque de 2016, por causa das novas imparidades exigidas pelo supervisor português.

Na resposta de 27 de novembro, Bruxelas assinalava que ainda não tinha recebido o plano de reestruturação atualizado, em resposta à recapitalização de 2013 que estava sob investigação aprofundada e queixava-se de não ter sido informada sobre o processo de venda voluntária do Banif, dividido em duas operações: a parte boa e os ativos destacados — processo lançado em novembro — nem das condições desta operação.

A 3 de dezembro, já com o governo socialista em funções, Portugal explica que está a tentar vender o Banif sem recurso a mais ajudas de Estado. No dia 11 de dezembro, ficou acordado como devia prosseguir o processo de venda e as alternativas de resolução, que considerava o 15 de dezembro o prazo para a entrega de ofertas de compra, ainda em regime voluntário. No dia 18, Bruxelas afirma ter sido informada por Portugal de que as propostas de aquisição do Banif envolviam todas ajuda pública, pelo que teria de se avançar com a resolução.

Sabemos pela troca de correspondência que já chegou à comissão de inquérito que os técnicos da DG Comp participaram na avaliação de que as ofertas exigiam ajuda de Estado.

Por que é o comprador tinha de ser um banco com dimensão nacional? Esta foi efetivamente uma exigência da DG Comp que restringiu os candidatos à compra do Banif, já no cenário de resolução. E teria como objetivo assegurar que o banco que abria na segunda-feira era uma instituição confiável, credível e reconhecida para os clientes. E tal não poderia não ficar assegurado se o Banif mantivesse o nome, e passasse a ser controlado por um fundo de investimento. Era importante garantir que havia uma operação viável depois de o banco ter sido classificado em falha e intervencionado. Até porque nos primeiros dias após uma resolução é normal que continue a fuga de depósitos.

Quem decidiu o desconto de 66%? O haircut (corte) fixado para o valor dos ativos que passaram do Banif para o veículo que ficou no Estado, a Oitante, é uma das razões que explica porque saiu tão cara a resolução. Quanto maior a desvalorização, maior a injeção de capital necessária. As autoridades nacionais têm apontado o dedo novamente na direção da DG Comp.

A decisão de Bruxelas, agora divulgada, diz que a informação dada por Portugal não tinha detalhe suficiente para fazer a avaliação dos ativos que foram excluídos da venda ao Santander. Na ausência dessa informação, a Comissão exigiu que fossem usados valores “suficientemente conservadores”, tendo como tal remetido para experiências de casos passados. E remete para a comunicação feita sobre o tratamento de ativos depreciados para o setor bancário.