Quando custa a corrupção aos estados e às economias mundiais? A fatura pode ser calculada a partir dos pagamentos irregulares e subornos feitos em países em desenvolvimento ou desenvolvidos. Mas este será sempre um valor por defeito. Os custos globais a nível económico e social são, provavelmente, mais vastos, uma vez que os subornos constituem apenas uma das faces, ainda que seja a mais visível da corrupção, afirma um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o tema que apresenta ainda estratégias para mitigar o problema.
O documento do FMI cita uma estimativa recente que aponta para um custo anual dos subornos que oscila entre os 1,5 biliões (1,3 biliões de euros) e dois biliões de dólares (1,755 biliões de euros), o que corresponde mais ou menos a 2% do Produto Interno Mundial. Este valor representa quase dez vezes o PIB (produto interno bruto) anual português.
Neste documento, o FMI nota que a corrupção tem um impacto negativo no crescimento, mas reconhece que em termos empíricos é difícil estabelecer uma relação de causa efeito entre a corrupção e o crescimento económico. No entanto, vários estudos que usam medidas de perceção da corrupção concluíram que estes fenómenos prejudicam o crescimento em vários domínios.
Esses domínios correspondem às funções do Estado. Os fenómenos de corrupção interferem com o desempenho destas funções e alimentam a desconfiança do público, ao mesmo tempo que enfraquecem a capacidade dos governos desempenharem essas atividades. E quanto maior é a interferência, maior é a distorção das políticas e mais relevantes são os impactos negativos nos fatores de crescimento económico, como a estabilidade macrofinanceira, o investimento público e privado, a acumulação de capital humano e a produtividade.
Baixa cobrança de impostos = mais corrupção
E uma das áreas onde os efeitos podem ser mais visíveis é na capacidade de cobrança de impostos. Dados recentes compilados pelo FMI para 108 países mostram que existe uma forte correlação entre uma baixa eficiência na cobrança de impostos e elevados níveis de corrupção. Quando as isenções fiscais são entendidas como o resultado de subornos, o público em geral fica menos recetivo a cumprir as obrigações e pagar impostos que são percecionados como injustos.
O relatório cita o caso dos Panama Papers que coloca o foco sobre o mundo secreto das operações financeiras que passam por offshores e o potencial que esse segredo cria para a evasão fiscal e para outras atividades criminosas. A desconfiança e suspeita nas administrações públicas também desencorajam os empreendedores e empresários a investir e lançar novos negócios na economia regulada, alimentando a economia paralela, o que contribui para enfraquecer ainda mais a base de receitas fiscais.
Uma pesquisa recente do FMI, em que colaborou o ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar, sugere que quando a percentagem de cobrança de impostos ultrapassa os 12,75% do Produto Interno Bruto, o PIB real per capita tende a aumentar de forma expressiva.
Outro canal preferencial por onde passa corrupção são os investimentos e contratos do Estado. O FMI cita um estudo de 2013 segundo o qual a corrupção fez aumentar em termos médios o custo dos projetos públicos em 13% em oito países europeus (França, Hungria, Itália, Holanda, Polónia, Roménia, Espanha e Liechtenstein). Os setores de gastos públicos mais permeáveis são os contratos militares e as grandes obras públicas, onde é mais fácil inflacionar os custos da contratação.
O efeito combinado de receitas baixas com o desperdício na despesa pública pode ter como resultado grandes défices orçamentais e acumulação de dívidas públicas. O FMI cita estudos de economistas que permitem sustentar a conclusão de que um país pode ser “apanhado” num ambiente de alta corrupção combinado com uma avultada dívida pública. É uma combinação que pode criar num ciclo vicioso de corrupção e evasão fiscal e conduzir a uma crise de dívida.
O relatório de 2012 da Transparency International, a organização não governamental que elabora o índice de perceção da corrupção, argumenta que a corrupção desempenhou um papel relevante na crise orçamental e de dívida dos países periféricos do euro, um clube que inclui Portugal. Lembra o FMI que alguns destes países sofriam de falhas sérias de controlo das contas públicas e problemas estruturais de ineficiência e irregularidades. O relatório recorda que uma baixa taxa de cumprimento fiscal é apontada como um dos fatores por trás da crise grega.
Uma estratégia para minimizar a corrupção
Uma estratégia que funcione exige uma abordagem integrada e multifacetada. Se, por um lado, é importante atuar sobre a estrutura de incentivos irregulares, designadamente através de uma ameaça credível de penalização, é igualmente importante reconhecer que é necessária uma mudança no comportamento e no sistema de valores básicos da sociedade.
As expectativas devem ser geridas em função do horizonte temporal necessário à execução de várias reformas contra a corrupção. É fácil e rápido mudar a lei, mas é preciso que esse passo seja acompanhado pelo reforço da capacidade das instituições em dar resposta e executarem as regras, o que exige tempo. Mudar as instituições não se faz apenas com regras, mais uma vez é preciso apostar na transformação de comportamentos e valores individuais. É preciso tempo. Alguns países obtêm resultados mais rápidos quando definem metas mensuráveis, como obrigar os responsáveis públicos a divulgar o seu rendimento e património.
As reformas de natureza preventiva podem produzir resultados. Algumas reformas podem-se focar em responder especificamente a problemas existentes, como criar uma comissão anticorrupção. Há outras iniciativas de natureza mais geral que podem ter um efeito preventivo, como as que reforçam a transparência.
Existem desafios significativos em medir a corrupção e o sucesso das estratégias de corrupção. Já foram identificados variáveis e índices que podem ser utilizados, mas continua a ser até certo ponto inevitável uma dependência de indicadores de perceção da corrupção.
A transparência é um pré-requisito. Os países precisam de adotar padrões de transparência financeira e orçamental. Este princípio é especialmente importante nos setores de matérias-primas, em economias que dependem muito de recursos naturais, como petróleo. O FMI refere ainda a importância da transparência ao nível da administração e da propriedade privada e o papel de uma imprensa livre.
O reforço das leis com consequências credíveis. Ou seja, é preciso assegurar que as leis existem para ser cumpridas e que haverá penalização para infratores. Este reforço deve incluir o setor privado. Em alguns casos, é necessário criar instituições especializadas de raiz para substituir as entidades corruptas que existem. É necessário adotar e aplicar um quadro eficaz de prevenção de branqueamento de capitais, em particular no setor financeiro.
O excesso de regulação cria rendas que são desviadas para ultrapassar (via pagamentos) os critérios discricionários dos responsáveis públicos que decidem os processos e deve ser eliminado. Desregulação e simplificação (Portugal, por exemplo, generalizou os licenciamentos online sem contacto direto) são pontos fundamentais numa estratégia eficiente de anticorrupção. Mas é preciso ter um enquadramento institucional para apoiar a transição a partir de mercados monopolistas e controlados pelo Estado.
Um quadro legal claro é indispensável. A existência de um banco central independente com competência técnica adequada é o exemplo apontado. Os governos devem ainda aplicar incentivos corretos aos funcionários públicos: vencimento deve ser o adequado (não demasiado baixo) e o despedimento deve ser a sanção para casos de corrupção.
Por fim, mas não menos importante, as lideranças desempenham um papel crítico. Os líderes devem dar o exemplo pessoal e assegurar que as ações decisivas são tomadas quando é necessário.