Há livros que nunca saem das prateleiras das livrarias, que nunca deixam de ser lidos e que fazem parte da memória literária de milhares de pessoas. E depois há outros que se perdem entre campas bonitas, enterrados no cemitério da literatura. Para impedir que isso aconteça, a editora Guerra e Paz decidiu criar a coleção “Livros Amarelos”, onde os textos esquecidos ganham uma nova vida, juntos.
Com um design arrojado (e amarelo), cada volume junta dois textos de autores diferentes, unidos por uma análise onde os dois se encontram e relacionam. Os dois primeiros chegam às livrarias já esta quarta-feira (29 de junho) e recuperam O Banqueiro Anarquista, de Fernando Pessoa, que surge unido a A Alma do Homem sob a Égide do Socialismo, de Oscar Wilde, e Portugal, um Povo de Suicidas, do espanhol Miguel de Unamuno, que surge lado a lado com Pessimismo Nacional, do médico Manuel Laranjeira, que se suicidou.
Ao Observador, Manuel Fonseca, editor da Guerra e Paz, explicou que o objetivo dos “Livros Amarelos”, um projeto que considerou “invulgar”, é recuperar textos que, apesar de fazerem parte do “património literário da humanidade”, caíram no esquecimento. “Fazem parte do cemitério. São celebrados, mas deixaram de ser lidos.” Para tal, a editora tentou torná-los “mais apelativos”, estabelecendo ligações entre eles.
“Estamos a tentar dar razões para que voltem a ser apetecíveis, estabelecendo ligações que os tornam mais atuais, mais apelativos aos leitores. Esta é a filosofia-base.”
Essas ligações surgem pelas mãos de paparazzos, como Manuel Fonseca lhes chama, autores que observam como os textos dialogam. “Como se trata de uma situação de cumplicidade entre textos, achamos por bem trazer para os livros a figura do paparazzo, do jornalista cor-de-rosa, criando entre os dois textos um texto contemporâneo, escrito por alguém que os leu e que estabelece ligações entre eles”, explicou o editor.
No caso de O Banqueiro Anarquista e A Alma do Homem sob a Égide do Socialismo, esse papel coube ao próprio Manuel Fonseca. Já em Pessimismo Nacional e Portugal, um Povo Suicida, o paparazzo foi Helder Guégués, o revisor de longa data da Guerra e Paz.
“De um lado temos a ideia de recuperar textos de cemitério onde eles foram lindamente enterrados, e entre eles criar essa ideia de alguém que observa a maneira como dialogam”, frisou Manuel Fonseca.
Amarelo sobre amarelo
Se há coisa que salta à vista nos novos livros da Guerra e Paz, é o amarelo das capas. A ideia partiu do gráfico Ilídio Vasco, responsável pelas capas da coleção de “Grandes Clássicos” da editora, e acabou por ser mais certeira do que ele próprio imaginou. “Durante o estudo que fiz sobre a obra de Oscar Wilde, descobri que uma das revistas que foi essencial para o movimento que ele criou, o estetismo, um dos primeiros passos do modernismo, tinha uma revista chamada The Yellow Book“, contou Manuel Fonseca. “Achamos por bem homenagear essa revista inglesa, apesar de agora os ingleses nos terem abandonado”, disse entre risos.
E amarelo ficou. Mas como a cor por si só não bastava, a editora decidiu acrescentar outras “coisas um bocadinho diferentes”. As três faces do miolo foram pintadas à mão de amarelo, algo que só se costuma fazer “em edições de luxo ou pomposas”. Não sai nada barato, mas Manuel Fonseca garante que “a beleza do gesto vale os custos que ele tem“. Para além disso, as capas foram cortadas, de modo a que se consiga ver as guardas, que são sempre de cores diferentes. Em O Banqueiro Anarquista/A Alma do Homem sob a Égide do Socialismo, por exemplo, são vermelhas, e em Pessimismo Nacional/Portugal, um Povo Suicida verdes.
Aos dois primeiros volumes, irão seguir-se em setembro outros dois. O primeiro irá juntar dois contos que falam sobre animais — A Célebre Rã Saltador do Condado de Calaveras, de Mark Twain, e Rikki-Tikki-Tavi, retirado do Livro da Selva, de Rudyard Kipling –, e o segundo dois textos que falam da procura do sublime e que terá “um caráter um bocadinho controverso”.
“No quarto livro vamos ligar um texto maravilhoso de espiritualidade e erotismo, o Cântico dos Cânticos, do Antigo Testamento, com um texto erótico do francês Pierre Louys, que se chama Manual da Civilidade Destinado às Meninas para Uso nas Escolas“, referiu o editor da Guerra e Paz.
“O objetivo é por em paralelo duas formas de busca do sublime, uma delas pelo lado da espiritualidade e divinação, e a outra pelo lado da quase pornografia, muito próxima do que é a escrita do [Marquê de] Sade.”
Mas os “Livros Amarelos” não vão ficar por aqui. Para o ano que vem, a editora planeia lançar mais seis livros cujos textos de ligação serão escritos por escritores.