Pedro Passos Coelho e Assunção Cristas encerraram este domingo as escolas de formação política do PSD e CDS, num atropelo pouco habitual. As intervenções dos dois líderes do centro-direita estavam inicialmente marcadas para a mesma hora, pelo que a presidente do CDS teve de antecipar em alguns minutos o discurso em Peniche para as atenções mediáticas ficarem centradas apenas em Castelo de Vide. Estava combinado entre os dois ex-parceiros de coligação que Cristas falaria às 12h15 e que Passos começaria às 12h45, mas dez minutos depois de a presidente do CDS ter começado a sua intervenção já Passos afinava a voz em Castelo de Vide.

Mas não é só na forma que a direita deixou de estar alinhada. Os discursos simultâneos dos dois líderes tiveram um tronco comum de críticas aos partidos das esquerdas, que vão buscar dinheiro à classe média para cumprir a sua agenda, mas tiveram também uma diferença de fundo: a atitude que vão adotar nos tempos que se seguem.

Ambos insistem nas críticas à falência do modelo económico do Governo, afinando o argumento de que os números que estão no papel são “desmentidos pela realidade”, mas enquanto Assunção Cristas se mantém fiel à ideia de fazer uma oposição “construtiva” e apresenta propostas concretas em áreas como o investimento, a segurança social e a educação, Passos Coelho opta por recuperar o legado do Governo que liderou para defender a continuação das “reformas que são conhecidas”.

Quais são afinal os interesses do Governo?

Para quem governa o atual executivo? Para os sindicatos e para a agenda da esquerda, e quem paga é a classe média, diz Assução Cristas. A líder do CDS centrou o seu discurso de aquecimento para a rentrée, como ela própria definiu, no ataque cerrado ao PCP, ao Bloco de Esquerda e ao facto de o Governo estar a agir no nome dos seus interesses. Quem sai a ganhar? Os sindicatos. E quem sai prejudicado? A classe média.

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A classe média que não se iluda: quando a esquerda unida vier dizer que só quer tributar os ricos, é ao bolso da classe média que vai buscar o dinheiro”, avisou, dando exemplos concretos da suposta cedência à agenda da esquerda.

Foi o caso da reversão dos contratos nos transportes públicos, apenas para “satisfazer os sindicatos”; o fim dos exames do 4º ano e a diminuição das turmas, apenas para “satisfazer a CGTP”; o aumento de impostos como o IMI, ou dos impostos sobre os combustíveis, apenas para “arranjar dinheiro para as clientelas das esquerdas unidas. “Mas quem é que governa afinal? O governo ou os sindicatos?”, questionou.

O alvo de Pedro Passos Coelho também está bem definido e continua a marcar as intervenções do líder do PSD: os equilíbrios que o PS tem de fazer para garantir o apoio do PCP e BE no Parlamento dão aos sociais-democratas o mote para marcar a diferença entre os que governam para “salvar a pele” e os que pensam no que “é mais importante para a generalidade das pessoas”. Os bons políticos, diz Passos, estão mais preocupados com o interesse comum.

Mas aquilo que o presidente do PSD vê na ação da geringonça é “em tudo diferente” daquilo que considera que devia ser. Preso a uma conciliação permanente de vontades, António Costa está neste momento, aos olhos do PSD, à frente de uma “solução de governo esgotada”.

Passos questiona, ao mesmo tempo, os “interesses” que movem uma maioria parlamentar de várias sensibilidades e teme que as opções “imediatas” voltem a por em causa a estabilidade do país. “Quando, como sociedade, nos descuidamos, pagamos um preço caro. E não queremos voltar a pagar esse preço”, acena o líder do PSD.

O fantasma do resgate e da austeridade

Universidade de Verão 2016/PSD

Passos recusa que o PSD venha a ser responsabilizado caso Portugal tenha de recorrer a um novo resgate financeiro

As sucessivas sugestões de que o país está a caminhar de novo para a beira do precipício financeiro, feitas pelos partidos da oposição, já levaram António Costa acusar Passos Coelho de ser profeta de desgraça. Mas o líder social-democrata não desarma e, este domingo, em Castelo de Vide, voltou a trazer para a agenda o fantasma maior: o risco de um novo resgate financeiro. “Fizemos um esforço enorme para evitar que esse cenário tivesse de se repetir”, lembra Passos.

Em jeito de depoimento para memória futura, o presidente do PSD sublinhou perante os jovens sociais-democratas que não vai aceitar responsabilidades caso a profecia, de facto, se cumpra:

Não venham no futuro aqueles que hoje tomam as decisões vir a responsabilizar pelos resultados os que chamaram a atenção para os erros que estavam a ser cometidos”, disse Passos Coelho.

Certo é que os números da economia têm sido usados como trunfo pela direita. E Cristas voltou a fazer-se valer dessa argumentação. “O que ficava bem no papel da esquerda não tem qualquer efeito na realidade”, disse, sublinhando que para aumentar os salários da função pública e devolver as 35 horas de trabalho “não sobra dinheiro para o investimento público e nem para a ação social”. E se não há investimento nem confiança de nada serve a devolução imediata de rendimentos aos funcionários públicos. O caminho devia ser, por isso, ao contrário: “A reposição imediata dos salários só seria possível com a economia a crescer de forma sustentável”, e não é o que se verifica, diz.

A dívida é um dos problemas que o CDS mais destaca, uma vez que está a aumentar — o “Governo comprometeu-se com 124,8% e já está em 131,6%” — e não é compensada com o aumento de crescimento económico. O problema? É que com a dívida aumentam também as taxas de juro. E o resultado? Mais impostos e mais austeridade. Também as exportações, o consumo das famílias e o investimento foram passados em revista pela líder do CDS para pintar o cenário negro.

A economia não descola? Resposta de Passos:

Há um ano, eles [leia-se PS, PCP e BE] sabiam como por a economia a crescer muito mais.”

A questão é que a fórmula do Governo — como o próprio António Costa reconhece diz Passos — não está a funcionar como se previa. E “o investimento está a cair a pique”, nessa que tem sido a “principal variável de ajustamento orçamental” do PS.

A quebra faz-se sentir tanto no investimento público como no privado. Mas isso não surpreende Passos. “É muito difícil aos investidores privados arriscarem o seu investimento [num país] governado por ideias comunistas e bloquistas que são anti-mercado”, considera o líder do PSD A solução de governo encontrada por Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa está, por isso “condenada ao fracasso”, continua, para lançar uma nova profecia: “Até podem cá estar quatro anos, mas não conseguirão gerar um grama de expectativa positiva para o futuro”.

Os silêncios da geringonça

CDS-PP: Escola de Quadros 2016 "Ideias com Futuro"

Assunção Cristas aponta o dedo ao silêncio de PCP e BE em relação à ação de vários ministros socialistas

Está definida a estratégia dos partidos da direita para o novo ano político: apontar o dedo aos erros do Governo mas sem largar as contradições e os novos “silêncios ensurdecedores” dos partidos que o apoiam.

Por isso, a líder centrista apurou a mira para o PCP e o Bloco de Esquerda, acusando-os de estarem “calados” e demitidos da missão de “fiscalizar o Governo” perante os erros que vão sendo cometidos. Os que antes punham a cabeça de vários ministros a prémio por “dá cá aquela palha” agora estão “caladinhos, caladinhos”. E os que antes protestavam por o crescimento económico não estar a ter resultados tão bons, agora votam-se ao silêncio.

Os campeões dos pedidos de demissão estão agora caladinhos, não vá alguém interromper a festança da esquerda”, disse Assunção Cristas.

Referia-se aos casos das viagens dos secretários de Estado pagas pela Galp ou do ministro João Soares que ameaçou jornalistas com bofetadas, ou ainda aos dados da execução orçamental, que revelam um crescimento económico menor do que o previsto. “A esquerda não vê, não ouve, não protesta”, disse Cristas, sublinhando que “são todos farinha do mesmo saco”.

Minutos depois, Passos usaria o mesmo argumento ao referir-se aos números do emprego. O líder do PSD até considera “positivo” que a economia esteja a conseguir gerar mais emprego. Mas é preciso olhar ao tipo de emprego que está a ser criado (a “maior parte” será trabalho não remunerado, acentua Passos). E “imaginem o que dizia o BE sobre voluntariado nas associações sem fins lucrativos”, desafiou. “Agora, o que é o emprego não remunerado?”, questionou-se o social-democrata, arrancando um dos aplausos mais fortes da intervenção.

Qual a estratégia a seguir?

É no momento de olhar para a frente que as intervenções dos líderes de PSD e CDS mais de distinguem. Na sua intervenção, Assunção Cristas anunciou desde logo qual vai ser a “marca de água” do partido no próximo ciclo: uma “mudança sensata”, sem “radicalismos” le com propostas concretas.

Nem esperem que ponhamos tudo em causa, que não evoluamos, que não aceitemos a mudança”, disse, antevendo a postura “construtiva” que o CDS vai adotar na discussão que se segue sobre o Orçamento do Estado para 2017.

Diogo Feio, o presidente do Gabinete de Estudos do CDS, já tinha lançado o mote antes de a líder do partido subir ao palco em Peniche: “Continuaremos a apresentar as nossas propostas, votemos contra, não escondemos aquelas que são as nossas ideias”.

As propostas chegaram pela voz de Assunção, que enumerou medidas concretas que o CDS vai dar entrada no Parlamento, ora no âmbito do Orçamento, ora no âmbito da sessão legislativa. O investimento e a baixa do IRC vão ser a bandeira principal do CDS, mantendo também na mira a educação, saúde, natalidade e segurança social.

Uma das novidades, anunciou, vai ser a proposta de criação de um crédito fiscal reforçado para o investimento, para reduzir a taxa de IRC para cerca de 5,5% para as empresas que fizerem investimento produtivo. Além disto, o CDS vai ainda propor benefícios fiscais para quem invista em start-ups, e não vai abdicar da reorganização dos ciclos de ensino escolar.

O PSD joga mais à defesa. Com uma discussão sobre o Orçamento do Estado à porta (a que os sociais-democratas parecem não levar contributos próprios), Passos limita-se a repetir a fórmula antiga, na ideia de que o seu currículo como primeiro-ministro traga os créditos de que precisa para um próximo embate eleitoral com António Costa. O presidente social-democrata quer uma Saúde onde o Estado pague “a horas”, uma Educação exigente e que sirva para qualificar os portugueses para que o país volte a ter uma economia que “gere emprego sustentável”. Como é que isso se consegue? Numa palavra, há que recuperar “as reformas que são conhecidas”.