Está escolhido o nono juiz do Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Neil Gorsuch, de 49 anos, vai ocupar o lugar que estava vago desde a morte de Antonin Scalia, em 2016. De ideias conservadoras, Gorsuch deverá repor a tendência republicana no Supremo — mas apenas se for aprovado pelo Senado, um processo que começa agora, e que poderá ser a próxima grande batalha de Donald Trump.

Até aqui, Gorsuch era juiz do Tribunal de Recurso pelo 10º circuito, cargo para o qual foi nomeado em 2006 pelo presidente George W. Bush. Na altura, foi confirmado pelo Senado sem problemas, o que poderá ser um bom indicador para os tempos que se aproximam. Doutorado em direito pela Universidade de Oxford, Gorsuch é um originalista — nome dado aos juízes que defendem uma interpretação mais literal da Constituição americana, tal como foi Antonin Scalia.

Os casos em que teve um papel fundamental são um bom indicador para conhecer as posições deste juiz. Dois exemplos:

  • Recentemente, Gorsuch defendeu organizações religiosas que pediram isenção do chamado contraceptive mandate do Obamacare, uma norma que obrigava as entidades patronais a cobrirem, nos seguros de saúde, pelo menos parte dos custos dos métodos contracetivos utilizados pelos trabalhadores. Algumas organizações religiosas pediram para ficar de fora dessa lei, por motivos religiosos, posição que o juiz Gorsuch partilhou, por ser um defensor da Free Exercise Clause, um artigo da Constituição que impede o Congresso de aprovar leis que ponham em causa o exercício livre das práticas religiosas.
  • Em 2013, Gorsuch esteve no centro da decisão num caso de violência policial em Lafayette, no estado do Colorado. Ryan Wilson, um jovem de 22 anos, morreu depois de ter sido atingido na cabeça com uma arma de taser (usada para imobilizar), enquanto fugia de agentes da polícia, recorda a Newsweek. Na altura, o juiz considerou que não houve uso excessivo da força policial por parte do agente que atingiu o jovem.

Durante a conferência de imprensa em que anunciou o nome de Neil Gorsuch para o cargo, Donald Trump descreveu-o como “o melhor juiz no país para o Supremo Tribunal“, e sublinhou que a nomeação era a manutenção de uma promessa de campanha. “Milhões de eleitores disseram que este era o assunto mais importante para eles quando votaram em mim para presidente. Sou um homem de palavra”, explicou. “As qualificações do juiz Gorsuch estão para lá de qualquer disputa. Só espero que os Democratas e os Republicanos possam juntar-se pelo bem do país”, destacou Donald Trump.

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Um conservador para o desempate

O Supremo Tribunal dos Estados Unidos tinha um lugar vago desde fevereiro de 2016, altura em que o juiz conservador Antonin Scalia morreu subitamente. Composto habitualmente por nove juízes — para que possa haver um desempate –, o Supremo Tribunal ficou reduzido a oito elementos: quatro conservadores e quatro liberais. Ainda assim, entre os quatro conservadores havia um juiz, Anthony Kennedy, que sempre votou ao lado dos liberais em questões fraturantes de costumes, como o casamento homossexual.

Para o lugar vago, Barack Obama nomeou naquela altura o juiz Merrick Garland, um liberal moderado, mas o Senado, maioritariamente republicano, bloqueou a entrada em funções do juiz. Este impasse acabou por se manter até hoje, com a nomeação de Neil Gorsuch para a posição.

O Supremo Tribunal é um órgão muito relevante na política norte-americana, já que é o intérprete, por excelência, da Constituição. Como o Observador já escreveu, aquele órgão tem tido um papel de referência na definição dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nomeadamente no que diz respeito a questões raciais, de liberdade de expressão ou, por exemplo, de direito à interrupção voluntária da gravidez.

Com um juiz conservador no tribunal, o equilíbrio de forças fica agora a pender para o lado Republicano, condição fundamental para implementar grande parte das medidas com que Trump se comprometeu — designadamente em matérias como a imigração, a segurança nacional, o porte de armas, a regulação económica ou os direitos civis.

Está escolhido o juiz. E agora?

A nomeação de Neil Gorsuch não significa a entrada imediata em funções. Aliás, como mostra este gráfico da NBC, o tempo entre a nomeação e a aprovação definitiva pode chegar aos três meses. A lei norte-americana dita que o presidente tem o poder de nomear, entre outros, os juízes do Supremo Tribunal, com “recomendação e consentimento do Senado”. Isto significa que, depois de escolhido por Donald Trump, Neil Gorsuch irá ser ouvido no Senado, que será responsável pela confirmação (ou não) da nomeação.

O primeiro passo será uma audição no Comité Judicial do Senado, que depois vota a aprovação do juiz. Se este comité votar a favor, então o nome de Neil Gorsuch segue para votação entre todos os senadores. Se o Senado aprovar, o novo juiz fica então autorizado a tomar posse e a iniciar as suas funções no Supremo Tribunal.

Apesar de a confirmação exigir apenas uma maioria simples no Senado, os senadores democratas podem recorrer a um mecanismo para tentar impedir a confirmação de Neil Gorsuch — o chamado filibuster. Trata-se de um mecanismo historicamente utilizado para atrasar ou bloquear uma decisão no Senado: como aquele organismo não impõe limite de tempo às intervenções dos senadores, chegou a haver membros do Senado que falavam horas a fio na câmara para conseguir impedir a decisão. Atualmente, o mecanismo funciona de forma menos aborrecida: basta que mais de 40% dos senadores se juntem e avancem para o bloqueio.

Isso pode mesmo acontecer. Em 2013, o Senado mudou as regras e, agora, grande parte das nomeações já não podem ser bloqueadas por este mecanismo. No entanto, essa mudança de normas não afeta as nomeações para o Supremo, pelo que o bloqueio é mesmo possível. Para que aconteça, são necessários no mínimo 41 senadores — o Partido Democrata tem 46. O senador democrata Jeff Merkley, do estado de Oregon, já tinha anunciado que iria tentar bloquear a nomeação, mesmo antes de saber quem era o escolhido.

Entretanto, uma conta no Twitter sobre Neil Gorsuch já partilhou no Twitter um facto pode ajudar a perceber o que vem aí. Dos senadores que aprovaram o juiz em 2006 para o Tribunal de Recurso, 11 democratas e 20 republicanos ainda se mantêm no Senado. Se estes 11 democratas mantiverem a sua posição relativamente a Gorsuch e nenhum republicano votar contra, a nomeação estará, à partida, garantida.

Esta terça-feira, o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, foi questionado sobre a resistência que o juiz escolhido por Trump irá enfrentar no Senado. “Eles [os Democratas] podem não gostar no seu enquadramento político ou filosófico“, afirmou Spicer, citado pela CNN. “Mas se é qualificado para o lugar, então deve ser confirmado“, acrescentou. “Ter um tribunal que não é completamente operacional não é a luta política que devemos ter.”

Atualizado às 2h38 com o tweet da conta Gorsuch Facts.