Foram quase sete horas de audição, com um pequeno intervalo, para voltar a ouvir as explicações do governador sobre a resolução ao Banco Espírito Santo (BES). Pela extensão e insistência das perguntas foi uma espécie de segunda comissão parlamentar de inquérito, concentrada num dia, com direito a acusações, indignações e mal entendidos.

Foi Cecília Meireles a notar que muitas das questões já tinham sido debatidas no passado, uma sensação de Dejà Vu sentida por todos os que estavam na sala. Mas afinal o que disse Carlos Costa de novo sobre a supervisão do Banco Espírito Santo?

Alguma vez disse a Ricardo Salgado que ia perder a idoneidade?

Foi o tema forte desta audição, que na verdade juntou duas: uma pedida pelo PCP e outra feita a pedido de Carlos Costa depois de uma reportagem emitida pela SIC, o Assalto ao Castelo, onde foram feitas revelações sobre o processo interno do Banco de Portugal de avaliação à idoneidade do então presidente do BES, considerado por muitos como o homem mais poderoso em Portugal. Um processo que não terá sido tão pacífico.

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A SIC cita um relatório de técnicos do Banco de Portugal que alegadamente defendia a retirada de idoneidade a Ricardo Salgado já no final de 2013, quando foram conhecidas as regularizações de impostos sobre o capital que estava no estrangeiro feitas pelo banqueiro. O perdão fiscal aprovado pelo anterior Governo abrangia eventuais crimes associados a estas operações, razão invocada para o governador explicar porque não pode usar a informação contra Ricardo Salgado.

Carlos Costa desvalorizou o relatório interno do Banco de Portugal, classificando-o como um de vários documentos de trabalho produzidos sobre o tema e garantiu que nunca chegou a ser proposta ao conselho de administração do supervisor o afastamento de Ricardo Salgado.

Desde fevereiro de 2013 que havia “por minha iniciativa um seguimento atento de todas as notícias relacionadas com a área não financeira”. E Carlos Costa garante que há documentos internos a prová-lo.

A nota técnica citada pela SIC é uma das muitas que existem e foi feito exatamente o que era proposto: pedir mais informação, investigar o Grupo Espírito Santo e promover o afastamento compulsivo da família Espírito Santo da administração do banco. Ao longo da audição, Carlos Costa repetiu que não havia segurança jurídica para afastar o presidente do BES e socorreu-se de dois acórdãos que, segundo os deputados foram produzidos ao abrigo de uma lei que já tinha sido mudada.

Mas alguma vez disse a Ricardo Salgado que lhe queria retirar a idoneidade? (pergunta feita com insistência pela deputada do Bloco, Mariana Mortágua).

“Quando se pede a alguém para se afastar de um posto, o que é que acha que estamos a fazer? Se lhe pedi para se afastar, é porque achava que não tinha idoneidade.”

O governador sublinhou ainda que foi recusada idoneidade na renovação de cargos no Grupo BES. “Mas usou a palavra idoneidade? A insistência de Mariana Mortágua, que tem como contexto declarações do antigo banqueiro, feitas à margem do julgamento do recurso da condenação do Banco de Portugal.

Ricardo Salgado diz que teria saído do BES. Era só pedirem

“Quando se diz a alguém para se afastar as consequências práticas são as mesmas. Não estávamos a falar de pombas, estávamos a falar de idoneidade”. E Carlos Costa revela o aviso que fez ao presidente do BES numa reunião no dia 17 de janeiro de 2014. Os atos que pratica fora da área financeira serão avaliados para efeitos de idoneidade na área financeira. E sublinha que avisou a família de que se teria de afastar da gestão do banco, bem como o segundo maior acionista, mas o Crédit Agricole foi “passivo”.

E porque demorou seis meses a afastar Ricardo Salgado? (que só sai em junho depois de realizar com sucesso o aumento de capital que já foi considerado o pior negócio do mundo). Carlos Costa defende a abordagem da persuasão que levou os acionistas a apresentarem um plano de sucessão.

“Um conflito aberto entre supervisor e supervisionado não é bom para a estabilidade financeira.”

Menos polémicas foram outras questões levantadas pela reportagem da SIC, como o alegado ignorar dos avisos do supervisor do Dubai — Carlos Costa diz que houve cooperação, mas a instituição em causa não era supervisionada pelo Banco de Portugal — e o relatório entregue ao supervisor pelo BPI a alertar para a má situação da área não financeira do GES — cuja informação foi incorporada na análise que já estava a ser feita.

As fugas de informação que ameaçam o Banco de Portugal

Mas a supervisão prudencial (preventiva) não permita o afastamento do presidente do BES? (Mais uma questão de Mariana Mortágua). “Não sou jurista, mas os juristas que assinaram a nota não propuseram essa leitura. Nunca houve uma proposta ao conselho de administração do Banco de Portugal nesse sentido. E nesta fase da audição, Carlos Costa deixa um lamento indignado:

“É muito fácil fazer aquilo que se está a fazer, é muito fácil promover a destruição de uma instituição com fugas de informação seletivas. É muito perigoso o que estão a fazer”.

Já antes, o governador tinha feito o desabafo: “Quem fez a fuga do documento devia ter incluído o despacho onde se dizia que a investigação” ao antigo banqueiro devia ser aprofundada, o que foi feito. “E devia ter incluído o parecer dos serviços jurídicos” que, segundo Carlos Costa, apontava para necessidade de factos fundamentados para retirar a idoneidade a Ricardo Salgado.

Miguel Tiago confrontou ainda Carlos Costa com tudo o que foi dito (pelo governador) e autorizado ao BES (o aumento de capital) pouco tempo antes da resolução do banco. “Não foram mentiras? O Banco de Portugal está preso à sua missão e a sua missão implica mentir, esconder às pessoas os problemas dos bancos”. O governador contraria:

“Todas as afirmações que eu fiz na data em que as fiz eram factualmente corretas. (…) O que há são circunstâncias que mudam rapidamente e que eu não posso explicar aqui porque estão em segredo de justiça”

Desafio aos deputados: venham consultar os documentos, mas sem telemóveis

Os argumentos não convencem os partidos mais à esquerda. Para João Galamba do PS, são “desculpas esfarrapadas” que pede ao governador que assuma as responsabilidades.

E neste ponto, Carlos Costa lança uma proposta inédita aos deputados:

“Desafio esta câmara a constituir um comité, como existe nos países nórdicos, em que um membro de cada partido vem consultar a documentação, mas sem telefones (ou qualquer instrumento de reprodução), e vão verificar que não temos qualquer questão do ponto de vista da clareza dos assuntos”.

A proposta agrada ao deputado do PSD, Leitão Amaro, que defende a aprovação da iniciativa, para acabar de vez com todas as dúvidas sobre o processo de resolução do BES e sobre a retirada da idoneidade a Ricardo Salgado. O PSD quer aprovar o requerimento durante a audição, mas os partidos à esquerda contestam o timing. Miguel Tiago do PCP lembra que o partido toma as decisões coletivamente.

Miguel Tiago manifesta ainda estranheza pela disponibilidade agora mostrada pelo Banco de Portugal que foi várias vezes interpelado no passado para fornecer documentos específicos que recusou, em nome do sigilo bancário. Carlos Costa afirma que eram documentos de trabalho interno que tinham referências a matérias de reserva pessoal.

Cecília Meireles do CDS vai mais longe no protesto. “Se é verdade que o governador merece respeito”, também sentiu com esta proposta que lhe estavam a faltar ao respeito. “Porque não sugeriu isso em 2014 quando a comissão de inquérito pediu acesso aos documentos?”

Fazer tudo pela estabilidade financeira

E ao fim de cinco horas de audição surge o tema do Montepio Geral, pela iniciativa do deputado do PSD, Carlos Silva. Perante notícias recentes sobre a situação financeira negativa da associação mutualista e a presença da comunicação social, “seria estranho que não falássemos do Montepio”. O que está o Banco de Portugal a fazer?

Carlos Costa começa com a salvaguarda de que não fala sobre entidades concretas, mas acrescenta que a caixa económica cumpre os rácios de capital. “Se não cumprisse, estaríamos a atuar”. O governador, que se refere sempre ao Montepio como caixa económica, realça que a instituição tem um caderno de encargos para cumprir como outros bancos (e que neste caso, pode passar pela mudança de nome). O Banco de Portugal tem a supervisão da caixa económica, mas não do acionista, reconhece. O que acontece com outros bancos. E deixa uma salvaguarda.

“O que lhe posso dizer é que tudo está a ser feito para assegurar a estabilidade do setor financeiro e posso dizer que estamos no bom caminho”.