Miguel Beleza, economista e ex-ministro das Finanças, morreu ao início da noite desta quinta-feira, em casa, vítima de uma paragem cardiorrespiratória. Beleza tinha 67 anos. De acordo com o Correio da Manhã, que começou por avançar a notícia, o ex-governante ainda terá sido assistido em casa pelo INEM, acabando, porém, por morrer. A notícia foi confirmada à Agência Lusa por fonte próxima da família.
Irmão de Leonor Beleza, ex-ministra da Saúde e presidente da Fundação Champalimaud, Beleza ocupou altos cargos durante o período do cavaquismo, tendo sido ministro das Finanças entre 1990 e 1991 e governador do Banco de Portugal entre 1992 e 94.
O presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, foi um dos primeiros a comentar a notícia da morte do economista. Numa mensagem enviada à Agência Lusa, intitulada “50 anos de amizade”, Ferro Rodrigues lamenta a morte do antigo ministro das Finanças, de quem foi colega no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras no final da década de 1960.
Divergimos quando Miguel Beleza era Ministro das Finanças [no XI Governo Constitucional, no inicio da década de 1990] e eu porta-voz do PS para as questões económicas e financeiras, sem nunca deixarmos de ser amigos”, recordou, garantindo que “nunca” irá esquecer “as palavras e atitudes que Miguel Beleza teve”. “E teve-as sempre”, referiu.
Eduardo Ferro Rodrigues lembrou ainda que recentemente recebeu Miguel Beleza na Assembleia da República, com o “amigo comum” Manuel Sebastião [ex-presidente da Autoridade da Concorrência]. À família e amigos de Miguel Beleza, o presidente da Assembleia deixou “os mais profundos sentimentos de dor e solidariedade”.
O ex-ministro das Finanças Luís Campos e Cunha também recordou Miguel Beleza, “um bom amigo” e “uma das pessoas mais inteligentes” que conheceu, lamentando a morte do economista. “Miguel Beleza era um bom amigo, um pouco mais velho do que eu, era das pessoas mais inteligentes que conheci”, disse à Agência Lusa o antigo ministro das Finanças de José Sócrates.
Recordando o “sentido de humor fantástico” de Miguel Beleza, Campos e Cunha disse ter sido “com imensa pena” que soube da notícia da morte do economista. “Por isso, quero apenas deixar esta homenagem a um bom amigo, um bom economista e uma das pessoas mais inteligentes que conheci”, acrescentou.
O economista que podia ter sido físico ou matemático
Luís Miguel Couceiro Pizarro Beleza nasceu a 28 de abril de 1950, em Coimbra, filho de José Júlio Pizarro Beleza e Maria dos Prazeres Lançarote Couceiro da Costa. “No mesmo dia que Salazar, Saddam Hussein e Penélope Cruz”, como fazia questão de lembrar. Tinha três irmãs, todas elas juristas — Leonor, ex-ministra da Saúde e atual presidente da Fundação Champalimaud, Teresa, diretora da Faculdade de Direito da Universidade Nova, e Maria dos Prazeres, juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça –, e ainda um irmão, José Manuel Beleza (conhecido por Zezé Beleza). Era primo afastado de Pinto da Costa e sócio — claro está — do FC Porto.
Apesar de ter estudado Economia — licenciou-se pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras da Universidade Técnica de Lisboa, em 1972 –, ainda ponderou seguir Direito. “O meu pai tinha tido uma carreira de jurista empurrada para a Economia e para as Ciências Político-Económicas. Não tenho a certeza absoluta de ter sido a melhor escolha, e não posso dizer que tenha sido fácil”, admitiu em entrevista a Anabela Mota Ribeiro, em 2010. A sua grande paixão, contudo, sempre foram as matemáticas: “Eu gosto é de matemática, estatística, da teoria da relatividade”, costumava dizer.
“A verdade é que as pessoas sabem pouco sobre aquilo que vão fazer. Interrogo-me se teria tido mais graça ter estudado Física ou Matemática. Mas agora já é tarde”, disse durante a mesma entrevista.
Aos 24 anos, mudou-se para os Estados Unidos da América para tirar um doutoramento, também em Economia, no MIT. Durante a entrevista a Anabela Mota Ribeiro, revelou que a ida para os Estados Unidos — onde conclui o curso em 1979 — aconteceu por mero acaso: “O meu querido amigo Alfredo de Sousa, achou que nós (assistentes dele) devíamos ir estudar para onde fosse. ‘Já que vou tentar uma coisa impossível, toca a tentar a melhor’. Por uma razão que ainda hoje estou para saber, aceitaram-me lá”, contou.
“Era muita gente que tentava entrar. Tive algumas ajudas interessantes, além do Alfredo de Sousa, o Professor Fraústo da Silva, o Engenheiro Cravinho, a quem perguntaram que tal é que eu era. Era apontar o mais para cima possível”, disse a Anabela Mota Ribeiro.
No MIT, teve como professores Alfredo de Sousa e Paul Samuelson, Prémio Nobel da Economia em 1970, e colegas como Ben Bernanke, antigo Presidente da Reserva Federal norte-americana, e Lucas Papademos, ex-vice-presidente do BCE. De volta a Portugal, foi professor na Faculdade de Economia da Universidade Nova — onde era ainda professor associado convidado –, e consultor e diretor da revista de Economia da Universidade Católica Portuguesa.
Era do PSD, mas tinha muitos amigos em todos os partidos. Quando nasceu a filha Leonor, António Guterres terá mesmo sido a primeira pessoa a ligar-lhe a dar-lhe os parabéns. Era, aliás, entre amigos que se sentia melhor. “Gosto de jantar em casa ou em restaurantes. Sozinho é que gosto pouco. Normalmente recebo muita gente em casa”, contou durante uma entrevista.
Um dos homens de confiança de Cavaco
Após o 25 de Abril e durante a reprivatização das empresas expropriadas, foi Miguel Beleza que convidou o empresário António Champalimaud e o banqueiro Ricardo Espírito Santo a regressarem a Portugal.
Um dos homens de confiança de Cavaco Silva, que o nomeou ministro das Finanças, foi ainda governador do Banco de Portugal e administrador de várias empresas. Enquanto responsável pela pasta das Finanças, entre 1990 e 1991, teve quatro secretários de Estado: Manuela Ferreira Leite, no Orçamento, Carlos Tavares, no Tesouro, e José Oliveira Costa, (mais tarde presidente do BPN) e Elias da Costa, que tratou das privatizações. Gostou muito de ser governador, menos de ser ministro: “era muita política e pouca técnica”.
Foi também um dos grandes promotores da criação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (que teve o seu antigo secretário de Estado, Carlos Tavares, como presidente) e colaborou no processo de adesão de Portugal à União Económica e Monetária. Enquanto governador do Banco de Portugal, entre 1992 e 1994, foi responsável por gerir a desvalorização do escudo durante as perturbações cambiais de 1992 a 1993, causada pela agitação dos mercados financeiros. Demitiu-se do cargo por causa de um conflito com o então ministro das Finanças, Jorge Braga de Macedo.
Foi condecorado a 9 de junho de 1995 com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito e, a 28 de junho de 2005, foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. Nunca escondeu a sua surpresa com o colapso do Grupo Espírito Santo e a queda em desgraça do seu presidente, Ricardo Salgado. “Pensei que Salgado estava acima de qualquer suspeita e desiludiu-me”, confessou.
Já afastado da vida pública, contou numa entrevista em Agosto de 2014 que os seus projetos estavam longe da política e da economia ativas. “Espero continuar a dar umas aulas”, dizia. “Quero escrever a minha biografia e dar umas conferências.”