Durante mais de 10 anos, cerca de 200 mil mulheres foram raptadas e inseridas numa rede de escravidão sexual ao serviço do exército japonês. Chamavam-lhes as “mulheres de conforto” mas não passavam de jovens raparigas que, algumas com apenas 11 anos, eram capturadas e colocadas em “estações de serviço” para aumentar a moral dos soldados que ocupavam parte da península coreana e da China. Muitas não sobreviveram. Até agora só existiam fotografias e relatos de sobreviventes, mas um vídeo divulgado pela Coreia do Sul é provavelmente o primeiro registo que há de uma realidade que continua a embaraçar o Japão.

As escravas sexuais dos campos de concentração da II Guerra Mundial

Pelo menos é o que garantem os investigadores da Universidade Estatal de Seul, que divulgaram o vídeo. A investigação foi financiada pelo governo sul-coreano. A questão, com mais de meio século, ainda é um impasse nas relações diplomáticas entre a Coreia do Sul e o Japão.

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O vídeo, filmado por tropas norte-americanas e chinesas em 1944, tem cerca de 18 segundos e mostra sete mulheres alinhadas e a conversar com um militar chinês. As imagens foram captadas no dia em que foram libertadas na província chinesa de Yunnan, que estava ocupada pelo império japonês.

A maioria destas mulheres era natural da península coreana, mas também da China, Indonésia, Filipinas e Taiwan. Até agora, os únicos registos existentes destas mulheres eram fotografias e relatos de sobreviventes, uma vez que o governo japonês evita o assunto.

Estima-se que mais de 200 mil mulheres tenham sido capturadas e transportadas para “estações de conforto”, onde serviam o exército japonês. O objetivo por detrás destas “estações”, criadas pelo governo era de servir as tropas japonesas de forma a aumentar a moral dos soldados e, ao mesmo tempo, evitar violações e a propagação de doenças sexualmente transmissíveis. O resultado foi o aposto. Muitas delas, presas aos valores tradicionais coreanos, não conseguiram voltar a ter relações familiares. Umas porque não sobreviveram, outras por vergonha.

É o caso de Lee Ok-Seon, sul-coreana, que foi presa num destes bordéis. Lee tinha 14 anos quando foi raptada no meio de uma rua na cidade de Busan. Foi então levada para o bordel onde ficou três anos e onde foi violada todos os dias até ao final da guerra. Não imaginou que voltaria a ver um familiar ou a entrar no seu país por mais de seis décadas. Numa entrevista, explica que muitas das jovens com quem partilhava o espaço cometeram suicídio: “Umas afogavam-se, outras enforcavam-se. Eu própria pensei nisso muitas vezes, mas uma coisa é pensar que se preferia estar morta… Outra é realmente fazê-lo”.

Nunca regressou a casa “por vergonha”, diz: “Tinha escrito na minha cara que era uma dessas mulheres, como é que eu era capaz de voltar a olhar a minha mãe nos olhos?” Acabou por conhecer um homem de descendência coreana e casou com ele, adotou os filhos e tratou deles como se fossem seus. Não podia engravidar devido às doenças sexualmente transmissíveis que quase lhe custaram a vida.

Quando em 2000, após a morte do marido, decidiu voltar à Coreia do Sul e contar a sua história soube que os pais já tinham morrido. Contudo, o seu irmão mais novo ainda era vivo. Ajudou-a por uns tempos mas o medo de Lee acabou por se concretizar: “Ele tinha demasiada vergonha de ser irmão de uma ex-mulher-de-conforto”.

Lee tornou-se uma das mais importantes caras e nomes do ativismo em defesa das “mulheres de conforto” — foi a primeira a dar a cara e a contar a sua história e inspirou mais de 250 mulheres e a exigir um pedido formal de desculpas da parte do governo japonês.

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A existência de “mulheres de conforto” foi considerado um crime de guerra e é ainda hoje um dos maiores constrangimentos nas relações diplomáticas entre os dois países. Em 1993, o governo japonês admitiu pela primeira vez que estas mulheres tinham existido. Mas nunca houve uma admissão total da culpa ou um pedido formal de desculpas. E só recentemente estas mulheres receberam apoios financeiros.

O primeiro-ministro Shinzo Abe disse, em 2007, não haver “prova de que estas mulheres tenham sido forçadas” a trabalhar nos bordéis. Acabou por pedir desculpa pela declaração, dias depois. Já em 2013, o governador de Osaka, Toru Hashimoto, explicou numa conferência de imprensa que “estas casas eram necessárias para manter a disciplina dos soldados”.

Para Lee, estas declarações são absurdas: “Não consigo entender como é que alguém consegue dizer algo deste género. Quem se recusa a acreditar no que os japoneses fizeram simplesmente não é um ser humano”.

O primeiro pedido formal de desculpas chegou em 2015, após um acordo bilateral entre os dois países: O Japão desculpou-se formalmente e aceitou pagar cerca de 1 bilião de ienes (cerca de 7 milhões e meio de euros) a um fundo de apoio às vítimas. O valor irrisório não agradou a muitos sul-coreanos e a tensão não se ficou por aí.

Coreia do Sul e Japão chegam a acordo sobre “mulheres de conforto”

O governo sul-coreano acabou por encomendar duas estátuas em homenagem às vítimas, convenientemente colocadas em frente à embaixada e ao consulado do Japão, o que resultou no afastamento do embaixador japonês em janeiro deste ano.

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Estas mulheres continuam a reunir-se à porta da embaixada japonesa em protesto, todas as quartas-feiras, mais de 70 anos depois.

editado por Filomena Martins