Agora que estamos numa semana em que tudo parece girar à volta da sétima temporada de “A Guerra dos Tronos”, não estranhe se algum dia ligar a TV ou o computador e vir as histórias abaixo descritas numa série ou filme. Não seria uma novidade, porque já temos agora “Os Americanos”, por exemplo, mas esta poderia ser uma versão moderna do século XXI sobre as estranhas ligações entre os Estados Unidos e a Rússia, potenciadas pela mais recente rábula de bastidores que envolve o filho mais velho de Donald Trump antes das eleições.

A história da personagem principal é a trama de Natalia. Contexto: aos 42 anos, é uma advogada russa proeminente que soma já 300 vitórias na carreira. Divorciada, mãe de uma criança da relação com um ex-ministro russo, relaciona-se com as mais altas esferas de influência.

Pontos fortes desta história, aqui descritos sinteticamente pelo El Mundo: a bolha imobiliária de Moscovo, um advogado assassinado com tacos numa prisão russa, dezenas de órfãos sem pais adotivos, um videoclip com o presidente dos Estados Unidos e um encontro com o filho mais velho de Donald Trump marcado por email.

Formada na Academia Jurídica Estatal de Moscovo, em 1998, trabalhou três anos num departamento estatal antes de criar o seu próprio escritório, a Camerton Consulting, que ainda hoje mantém. É nesta altura que, em termos cénicos, passamos do mundo académico para as terras de pasto nos arredores da capital russa.

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Tinham interesse quase nulo até ao boom económico conseguido por Vladimir Putin. A partir daí, já todos queriam o seu bocado. E foi por causa de um desses terrenos que foi à barra contra a gigante Ikea, num processo que lhe valeu bem mais do que (outra) vitória. “Os anos da máfia passaram, mas casos como este mostram que continuam a existir guerras políticas que podem levar a que percas tudo”, explica ao jornal espanhol um destacado homem de negócios moscovita. O poder da advogada e as ligações a algumas das pessoas mais influentes do país começavam a deixar marca. Natalia começava a ser temida.

Natalia, que ainda vivia em Jimki, já era então uma figura capaz de colocar respeito/medo nos corredores da justiça. Em tribunal, quase interpretava papéis: falava mais alto ou mais baixo, num tom mais grave ou agudo, com mais ou menos gestos consoante a matéria em causa. A isso juntava também a fama de estar bem relacionada com a elite. Uma mistura com tanto de explosivo como de sucesso. “É um tanque. Talvez tenha passado alguns limites quando esteve em Nova Iorque, mas sentiu que podia fazer algo pela Rússia”, descreve o amigo e realizador Andrei Nekrasov, em declarações à The Atlantic Magazine.

Casou-se com Alexander Mitusov, vice-ministro dos Transportes de Moscovo, e criou uma relação profissional com Peter Katsyv, na altura ministro e hoje um oligarca poderoso que construiu centros comerciais naqueles terrenos que Natalia chegou a litigar. É aqui que encontramos a maior escalada na linha de contactos: o marido tem como “superior” Katsyv, que conhece bem Aras Agalarov, que tem ligação com Donald Trump. Os dois últimos são a versão russa e americana de magnatas que subiram a pulso, que têm um gosto extremo pelo entretenimento, que fizeram fortuna com o imobiliário. Yuri Chaika, o procurador-geral russo, é outra pessoa na agenda de contactos de Natalia.

Recuamos no tempo e recuperamos o caso de outro advogado, Sergei Magnitsky. Grande ativista anti-corrupção, falou num desvio de 130 milhões de euros por parte do fisco russo mas, pouco depois, foi ele próprio acusado de fraude fiscal. Foi detido, preso e morreu na cadeia em 2009, alegadamente vítima de graves agressões. No final de 2012, Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos, assinou uma lei a suspender a emenda Jackson-Vanik (a acabar com as restrições comerciais com a Rússia) mas criou a lei Magnitsky, que impôs sanções contra russos suspeitos de violações dos direitos humanos na Rússia. Foi aqui que Natalia começou a ganhar o estatuto de que ainda goza, como reforça também o Washington Post.

Na Rússia, o patriotismo parece ser o melhor cartão de visita. E a advogada é chamada pelo Kremlin para lutar contra essa lei que deixou Putin à beira de um ataque de nervos. Primeira medida a ripostar: cancelamento das adoções de crianças russas por parte de pais norte-americanos. Natalia chegou aos Estados Unidos como uma espécie de pacificadora que queria desbloquear o problema para ambos os lados. “É provavelmente a pessoa mais agressiva que encontrei nos conflitos com a Rússia. É vingativa e cruel”, contou Bill Browder, antigo investidor na Rússia que se cruzou em tribunal com Natalia, ao The New York Times.

Começou a somar vitórias. Primeiro, conseguiu inclinar a balança das conversações para que fosse Washington a ceder. Depois, alcançou o melhor acordo para Denis Katsyv, que estava acusado de branqueamento de capitais no âmbito da investigação Magnitsky: seis milhões de dólares de multa sem admissão de culpa.

Em 2013, quando Donald Trump se deslocou à Rússia para fazer negócios e ser júri do concurso da Miss Universo, o magnata Aras Agalarov é o seu cicerone e amigo mais próximo. O atual presidente dos Estados Unidos até num videoclip do seu filho, Emin, chegou a entrar. Mais tarde, o mesmo Emin ligou ao filho mais velho de Trump para o colocar em contacto com uma advogada do Estado russo. Era Natalia, que depressa negou essa ligação estatal. E aí entronca a história do célebre email a pedir um encontro para passar informação valiosa sobre Hillary Clinton, quando a corrida à Casa Branca estava ao rubro. Horas depois, Trump dizia que tinha muita informação sobre a adversária. Decisivo ou não, esse foi um momento fulcral para a eleição do magnata.

Daí para cá, tem mostrado nas redes sociais o seu apoio a Trump, nomeadamente através das críticas à Marcha das Mulheres em Washington, em janeiro. “O liberalismo é uma desordem mental”, defendeu.

А Вы что об этом думаете? "мое тело – мой выбор"- это все про аборты, гомосексуализм, незаконную миграцию и двух…

Posted by Nataliya Veselnitskaya on Saturday, January 21, 2017

Esta é a história de Natalia Veselnitskaya, que se descreve ao The Guardian como alguém sem influência nenhuma em Moscovo: “Sou uma simples advogada”. E é uma história real.