3h00 da madrugada em Guam, no Pacífico. Um cão chamado Kurt chamou à atenção do seu treinador, sem ladrar, para a presença de desconhecidos no território. Nesse momento, os norte-americanos (que só contabilizavam derrotas frente ao japoneses no Pacífico) ocuparam os seus postos mesmo a tempo de enfrentar, com sucesso, o inimigo a norte, num ataque surpresa levado a cabo por uma enorme coluna militar que se tinha infiltrado na ilha sem ser detetada.
O ataque foi de tal forma intenso que o confronto direto durou várias horas. Para os americanos não restavam dúvidas: não tivesse sido o alerta de Kurt e os japoneses tinham ocupado a ilha e morto os 250 soldados daquele acampamento. Kurt viria a morrer nessa mesma noite, vítima de uma metralhadora japonesa, mas nasceu uma lenda: a dos cães diabo de Guam.
Em Guam desembarcaram cerca de 36 mil soldados entre 21 de julho e 10 de agosto, com ordens claras para recuperar a ilha. Ao longo de quase três semanas, japoneses e norte-americanos mediram forças num troço de terra com pouco mais de 48 quilómetros de largura e 14 de comprimento. Contudo, os soldados do império não imaginavam que o seu maior inimigo tivesse quatro patas, com olfato e audição apuradas e uma dedicação sem limites. Falamos de 60 cães Dobermann, conhecidos como cães-diabo – que a Marinha norte-americana tinha treinado intensamente para detetar o inimigo, explorar grutas, poços, localizar minas e vigiar os acampamentos. Estes cães seriam a primeira fornada de cães de guerra da Marinha.
Durante 14 semanas foram submetidos a um treino intenso: inicialmente, coube à Polícia treinar os animais, mas os militares chegaram cedo à conclusão de que o treino convencional não servia nem preparava estes cães para o combate. Aprenderam que qualquer movimento deveria ser feito em completo silêncio. Não ladravam, para que o inimigo não descobrisse a sua posição. Mais do que isso, aprenderam a dar sinal, com a cabeça e com as patas, sobre a posição de pessoas estranhas.
Além destes ensinamentos, cada cão era atribuído a um batalhão: os mensageiros, por exemplo, que transportavam munições e material médico. Eram ensinados a suportar o barulho de balas e explosões para que numa situação de combate não entrassem em pânico e fugissem. Acima de tudo, aprenderam a dar a vida pelos treinadores, caso fosse necessário. E assim o fizeram.
Cappy serviu bem a sua patrulha. Ao lado do seu treinador, conduziu uma coluna de militares até que parou para dar sinal com a cabeça da presença de um inimigo escondido. Antes que os militares se conseguissem proteger, ouviu-se um tiro e Cappy caiu morto. O atirador japonês tinha escolhido bem o seu alvo — matar um cão treinado para a guerra era muito mais importante do que matar um general. O sentido de olfato e de audição dos Dobermann conseguia detetar inimigos a 2,5 quilómetros de distância.
Dos 60 cães, 14 morreram em combate e outros 11 na sequência de ferimento. Hoje têm um memorial em sua homenagem, na ilha, onde foi instalado o Cemitério Nacional de Cães de Combate. Na sepultura dos 25 animais, lê-se gravado no granito: “25 cães de guerra da Marinha deram a sua vida a libertar Guam em 1944. Serviram como vigias, mensageiros, farejadores, exploraram grutas, detetaram minas e armadilhas. Semper fidelis [sempre fiéis]”.
Tal como os seus treinadores, recebiam promoções com base nos seus feitos e anos de serviço. Aos três meses, o cão passava a soldado. Com um ano, tornava-se cabo e com dois anos já era sargento. Aos cinco anos de serviço atingia o mais alto cargo possível para um cão: sargento maior.
Os cães-diabo atraíram a atenção de pessoas que ouviram falar das proezas de que estes animais eram capazes. Em Guam, os que viveram dois anos e meio de ocupação japonesa, recordam os Dobermann com carinho e conservam na memória a certeza de que foram valiosos para a libertação da ilha.
Em 1994, quando se celebrava o 50.º aniversário do início da batalha, foi inaugurado o monumento em memória destes cães, com uma estátua em bronze de Kurt, o primeiro herói canino morto em combate.