A proposta de Orçamento do Estado (OE) para o próximo ano prevê que o investimento público cresça 40%. Um número extraordinário que, a confirmar-se, representa uma inversão da política dos últimos anos que até foi agravada pelo Governo socialista que encolheu esta rubrica como almofada para compensar o aumento da despesa em outras áreas. Mas, antes de começar a atirar foguetes, é importante perceber o que aconteceu às promessas de mais investimento público feitas nos dois últimos orçamentos do Estado.

O Conselho das Finanças Públicas concluiu que o investimento público realizado em 2016 registou o valor mais baixo desde 1995, um recorde em números absolutos — 2.880 milhões de euros — e em percentagem do Produto Interno Bruto — 1,6% do PIB. O corte no primeiro ano de governação socialista foi de 1.170 milhões de euros, menos 32% do que o realizado no último ano de governação de Passos Coelho, e ajudou a apresentar um défice público também historicamente baixo. O Executivo atribuiu parte da culpa ao atrasos na execução de fundos comunitários e prometeu investir mais este ano.

A proposta orçamental para 2017 previa um aumento substancial na casa dos 20% para os 4.177 milhões de euros. Mas o documento divulgado esta sexta-feira para 2018 confirma aquilo que já se tinha percebido. Mais uma vez, o Estado vai ficar muito aquém da meta, com um investimento executado previsto de 3.224 milhões de euros. Ainda assim, uma subida de 17,9% face ao pior ano desde 1995. Será necessário esperar pelos primeiros meses de execução para perceber se os números apontados para 2018 se confirmam, tanto mais quanto o aumento robusto de 40% anunciado, não seria o número inicial que o Executivo inscreveu no documento.

O milagre da multiplicação do investimento público (e outros números que mudaram numa semana)

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Para além do teste dos números, há ainda os projetos. O Governo promete o reforço do investimento em “áreas críticas para o desenvolvimento do país, como é o caso da educação, saúde, transportes, infraestruturas e inovação tecnológica”. E uma aceleração da execução dos projetos que passa pela agilização dos processos de autorização de despesa e de assunção de compromissos com horizonte superior a um ano, dando mais competências às administrações de entidades públicas quando a maior parte do dinheiro vem de receitas próprias ou de fundos europeus, e ainda flexibilizando a contratação de serviços e facilitando o acesso às contrapartidas nacionais exigidas para a cobertura financeira de projetos com fundos europeus. Pretende-se um plano “criteriosamente orientado para dinamizar a economia portuguesa”.

Onde será feito o investimento?

  • Na educação, aposta-se na renovação do parque escolar.
  • Na saúde, a prioridade passa pelas unidades de saúde familiar, reabilitação das unidades de cuidados de saúde primários e construção de novos hospitais.
  • Nos transportes, promete-se o investimento nas ligações ferroviárias internacionais, na renovação dos comboios, na expansão dos metros de Lisboa e Porto e na aquisição de autocarros a gás natural e elétricos.
  • Nas infraestruturas, a prioridade vai para a melhoria dos acessos rodoviários e para o projeto de expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa — um projeto que será feito por privados.

A proposta de OE poucas vezes é concreta na descrição dos calendários e orçamentos dos projetos que irão materializar esse acréscimo do investimento. Mas salta à vista que alguns destes projetos estão muito dependentes do financiamento comunitário, a tal componente que tem servido de argumento para explicar os atrasos no arranque do investimento do Estado. Por outro lado, muitos destes projetos andam na boca de governos e ministros há anos, mas ainda não deram o passo decisivo.

Um dos exemplos mais óbvios é o das ligações internacionais de mercadorias para Espanha, um projeto que vem do tempo de Passos Coelho e que se mantém no atual, mas sem concretização relevante até agora. A proposta de OE diz que em 2018 isso vai mudar.

O plano para as Infraestruturas

O Ministério das Infraestruturas e Planeamento tem um reforço de 21% no seu orçamento para investimento que tem como principal destino a ferrovia, estradas e aeroportos. O setor ferroviário destaca-se com um plano já aprovado de dois mil milhões de euros até 2020. E quanto será para gastar no próximo ano? Não é claro.

Na rede ferroviária, e para além da continuação da modernização da Linha do Norte, está indicado o início das obras nos principais corredores internacionais, designadamente no corredor internacional norte no troço Évora – Elvas – Fronteira, na Linha da Beira Baixa no troço Covilhã – Guarda e na Linha da Beira Alta no troço Guarda – Vilar Formoso. Projetos, que recorda o documento, têm forte componente de financiamento europeu.

Para a CP, há intenção de desencadear um plano de aquisição de novo material circulante — os últimos comboios novos chegaram no início do século — mas não são dados valores, nem é especificado que material nem qual será o seu destino. Pretende-se ainda dar “continuidade ao programa de investimento de modernização do material circulante”.

Nas estradas, e num ano em que a fatura com as Parcerias Público Privado (PPP) até recua ligeiramente, são anunciadas obras na rede de proximidade e nas ligações a parques empresariais. Mas o peso das PPP na despesa deste ministério e nas contas da Infraestruturas de Portugal continua a deixar uma folga apertada para investir. A despesa com parcerias representa mais de metade dos gastos efetivos por medidas dos programas

Nos aeroportos, e para além do reforço da capacidade em Lisboa que será feita por conta da ANA, está previsto o novo sistema de gestão de tráfego aéreo, esse sim um investimento da empresa pública NAV para responder à procura intensa.

Transportes: vários caminhos pela frente

Com o setor dividido ao meio, temos de olhar para os números do Ministério do Ambiente para perceber o que está previsto nos transportes públicos. E aqui não faltam projetos concretos, nem todos quantificados. A compra de mais de 500 autocarros limpos — 188 para os STCP no Porto — envolverá um investimento de 156 milhões de euros.

No Metro do Porto está a concurso a adjudicação da operação a privados. No Metro de Lisboa, é intenção repor a capacidade produtiva, com renovação de frota e de sistemas como o da bilhética. Já os anunciados planos de expansão dos metros — 287 milhões de euros para o Porto e 215 milhões para Lisboa — o ano deve ser de projetos de engenharia e de preparação de empreitadas. Não estão previstas obras.

O Ministério do Ambiente é o campeão da subida de orçamentos para 2018, mas o essencial do crescimento não vem do investimento, mas sim da fatura dos contratos swaps (produtos de gestão de risco financeiro) e do acordo que o Estado fez para pôr ponto final ao conflito Santander Totta. Este acordo obriga as empresas Metro do Porto, Metro de Lisboa, Carris e STCP a pagar ao banco os valores que suspenderam desde 2013, os custos já começaram a sentir-se este ano.

Acordo swaps. Santander Totta já recebeu 137 milhões do Metro do Porto

Saúde e os novos hospitais

A proposta de OE sublinha a aposta na melhoria dos cuidados de saúde hospitalares, rentabilizando a capacidade instalada do SNS, modernizando equipamentos e dando início a um novo ciclo de investimentos em infraestruturas hospitalares e o lançamento de quatro novos hospitais: Hospital de Lisboa Oriental; Hospital Central de Évora, Unidade Hospitalar do Seixal e Unidade Hospitalar de Sintra.

O capítulo dedicado ao orçamento do Ministério da Saúde aponta para um crescimento de 16% do investimento, sem referir valores, mas indica como projetos prioritários:

  • A reabilitação e reequipamento das unidades de saúde (unidades de cuidados de saúde primários e cuidados de saúde hospitalares).
  • Lançamento do concurso do Hospital de Lisboa Oriental, cuja construção será feita em regime de PPP.
  • Construção do Hospital de Sintra.
  • Início dos projetos do Hospital de Évora e do Seixal.

Educação: um livro incompleto

O orçamento deste ministério não dá muitos detalhes sobre o que pretende fazer em matéria de investimento. As despesas de capital representam 2,3% do total da despesa consolidada. Nesta fatia do bolo, que vale cerca de 143 milhões de euros, são destacados os investimentos a concretizar pela Parque Escolar, empresa responsável pela reabilitação das escolas e intervenções no âmbito dos estabelecimentos de Ensino Não Superior.