O mundo inteiro já conhece a história de Gabriel Cruz, o menino espanhol de oito anos que, alegadamente, foi morto por Ana Julia Quezada, a namorada do pai da criança. Hoje, um mês depois da sua morte, Patrícia Ramírez, a sua mãe, escreveu uma carta que o jornal El Español divulgou.

Na pequena homenagem que pode ler na íntegra em baixo, a mãe de Gabriel faz uma homenagem ao filho e agradece a todos o esforço que lhe dedicaram.

Olá Gabriel,

Hoje faz um mês que desapareceste, levando contigo tanto amor! Meu filho, havias de ter visto… tornaste-te o herói da história, eras o “Carlitos” e todos viam a tua beleza infinita. Lembras-te desse filme e da forma como acabava? Lembraste quando deixaste escapar umas lágrimas e disseste: “Esse sou eu, põe outra vez, mamã”? 

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Meu filho, gostava tanto, tanto tanto que tivesses sentido todo este amor que vinha de todo o lado, de gente boa que não se protegia com escudos e armaduras… Todos reunidos à tua frente com o único objectivo de te ver sorrir outra vez.

Meu amor, escrevo estas linhas e não sei como continuar… Hoje faz um mês que te arrancaram da terra, um mês desde que a minha vida não para de cambalear com a tua ausência. Um mês da mais escura maldade que nunca quiz que tivesses… Por sorte, o consolo mais animador é saber que foste feliz e não sentiste o peso da mais injusta atrocidade que caiu sobre ti.

Meu amor, sabes? Vi o filme do Nemo enquanto procurávamos por ti! Sim, o Nemo! Sonhava ue quando aparecesses o ias ver, que te fosse ajudar a trazer nova luz a esse olhos de vida. Falavam de ti, Gabriel! E todos os peixinhos do filme procuravam por ti, em terra, mar e ar, como o Nemo.

E foi assim, Gabriel: procuramos por ti em terra, mar e ar. Nunca conseguirias adivinhar a confusão que montámos para te encontrar. Vieram muitos polícias, bombeiros, grupos de proteção civil, alpinistas e milhares de voluntários que vasculharam as montanhas das tuas adoradas e bem vividas Hortichuelas e Las Negras. Também helicópteros, Gabriel, os melhores meios aa teus pés, aos do papá e aos meus, tudo para que voltasses para nós. Se visses a vontade e esforço de quem te procurava, até ‘caias de cu’!

E sabes que mais? Não te encontraram porque tu já não estavas. Amaram-te tanto que se esqueceram das suas próprias vidas por uns dias para se entregarem a ti e ao teu eterno sorriso. 

Hoje faz um mês, meu amor, e ainda se mantém esta maré de enorme amor que conseguiste gerar. Surgem milhares de propostas de gente boa, como na canção, que procuraram um mundo melhor contigo como estandarte.

Gostava que soubesses que toda a gente te chama ‘peixinho’ e sabem que querias ser biólogo marinho. Até me disseram que te contrataram, aí no céu. Já viste, nem acabaste a escola e já estás a fazer aquilo que mais te apaixonava!

Sonho que te estão a tratar bem e que estás maravilhado a nada pelo mar. Conhecendo-te, de certeza que já mergulhaste a profundidades abissais e encontraste o Megalodon; de certeza que já nadaste e brincaste com os golfinhos e que lhes contaste que desde pequenino sabias que eles respiravam pelo espiráculo.

Quero imaginar a tua cara de espanto ao ver Caravelas Portuguesas, Vespas do Mar e milhares de medusas iguais às que vimos nos livros e nos documentários. E como sei que eras preguiçoso, de certeza que já tens um amigo Yokai que canta para ti aquela canção do “sou afável, abraçável e super amável” que tanto gostavas.

Espero que quando tenhas frio, estejas molhado ou vás dormir não tenhas vergonha em pedir aos anjos que te abracem como um bebé, como tu tanto gostavas. Se o fizeres vais ver que me sentes, até vais poder cheirar o carinho e ternura que sempre tivemos entre nós. De certeza que sentes como, desde que nasceste, não deixei de me apaixonar por ti todos os dias e de me orgulhar da forma como foste crescendo.  Não há mãe no mundo que sinta mais orgulho que eu de te ter tido e de ter contribuído para a tua grandeza.

Filho! Foi um orgulho caminhar contigo estes oito anos. Ensinaste-me tanto que não tenho palavras nem lágrimas com que possa descrever a forma como me fizeste a cada dia querer ser melhor pessoa. Para te criar bem e dar-te sempre um sorriso constante na vida. 

Sabias que quando enfrentava algo que me assustava, tu eras o norte que me fazia içar as velas e não deixar nunca de te fazer de ti um grande homem? Essa era a minha responsabilidade, Gabriel, mas contigo foi tão fácil e tão intensamente mágico que todos os muros se derrubaram. Passei a ouvir nos meus pensamentos a Serrat com os seus versos de “aos poucos as crianças vão ficando parecidas connosco”, a “disciplina sem lágrimas” que a tua amiga Carmen me mostrou. E tu crescias todos os dias; adorava ver como querias superar-te e como as tuas aspirações e inquietudes, que eram bem diferentes da de outros meninos da tua idade, se transformavam em girassóis.

Ah! Sabes, não te contei uma coisa que vais gostar de saber. Lembras-te daquela tarde em que passeávamos no passeio marítimo a caminho de casa? Quando nos cruzámos com a Nadia enquanto falávamos, alheios a tudo? Se te lembrares, vais gostar de saber que milhares de meninos e adultos cantam e põem girassóis nos seus olhares todas as manhãs. É essa gente boa que não olha para o outro lado e cuidam do papá e da mamã. 

A todo este mar de gente quero dar-lhes o meu obrigado em teu nome por todo o respeito, ajuda, desinteresse e por fazer a nossa vida um pouco mais fácil. Por guardar a raiva e manter os “peixinhos” nos seus corações, fazendo com que a tua partida tenha algum sentido. 

A Almería, Espanha e a todos os recantos que se encheram de amor só ao ver o teu sorriso (imagina se te tivessem conhecido!), a todos e todas ….

Muitíssimo obrigado!

Patricia Ramirez Domínguez