Molhos pesados, muita manteiga, natas e tachos fumegantes cheios de estufados/guisados de nos pôr a dizer “Oh là là!”: de forma bastante redutora, é assim que se caracteriza a gastronomia francesa, para muitos, a base de quase tudo o que hoje comemos. A comida japonesa, por sua vez, prima pela simplicidade e o minimalismo (tanto visual como calórico). Olhando para as coisas desta forma, pode-se achar que ambas as gastronomias são como água e azeite, mas quem visitar a pequena loja Sushi Shop que mora na zona do Cais do Sodré, em Lisboa, pode tirar as suas próprias conclusões: vai poder provar as peças de sushi criadas pela chef francesa Anne Sophie Pic — que soma, no total, sete estrelas Michelin em quatro restaurantes.
“Nós fazemos parcerias com chefs já desde 2012”, explica ao Observador Marcos Borges, responsável da Sushi Shop. Sentados numa mesa do pequeno espaço junto ao Mercado da Ribeira, o encarregado da área de marketing elabora. Cada “coleção” desenhada por um chef de renome (este ano é a chef Pic, mas já houve participações do japonês Kei Kobayashie até do incontornável Joël Robuchon) entra em vigor sempre no início do ano e dura até “ao fim de junho”. “Eles elaboram as receitas e depois passam-nas aos nossos próprios chefs, que depois replicam”, conta.
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Pic, a primeira mulher a participar nestas parcerias, não conseguiu encontrar tempo para aceitar o pedido de entrevista do Observador, mas usando emprestada a citação que aparece no comunicado oficial da cadeia de sushi, pode-se perceber como surgiu esta colaboração:
“O coração do meu processo criativo envolve o encontro com produtos, produtores e outros mundos criativos que sejam diferentes do meu. Estes encontros dão um grande empurrão à minha imaginação e conhecimento e há muito que se tornaram em algo com o qual convivo na minha vida. A minha parceria com a Sushi Shop surgiu quando conheci o Grégory Marciano, um encontro entre duas pessoas verdadeiramente apaixonadas pela sua profissão. Quando ele sugeriu que eu criasse umas receitas para o menu de 2018, fiquei super entusiasmada com o desafio e aceitei logo”.
Num olhar mais distante, a comida japonesa não podia ser mais diferente da francesa, mas será mesmo assim? Uma das pedras basilares da gastronomia gaulesa, por exemplo, é a arte de fazer molhos e caldos. Ora e qual é a base essencial de um bom ramen? Os caldos complexos, precisamente. Há bastantes diferenças, é certo, mas existem também alguns pontos em comum. Sobre a sua ligação à culinária japonesa, Anne Sophie afirma: “O que torna a cozinha francesa em algo tão rico é a sua capacidade de incorporar influências gastronómicas e culturais, reinterpretando-as. A minha comida é inspirada pela gastronomia japonesa: adoro a forma como ela procura a essência precisa daquilo que é o sabor, utilizando produtos elegantes e refinados. Matcha [chá verde], sobacha [chá de trigo sarraceno], sake kasu [o mosto que resulta da produção de sake] e genmaicha [mistura de chá verde com arroz integral tufado] são alguns dos meus ingredientes favoritos. Foi muito interessante dar a conhecer a minha cozinha através de algo tão marcadamente nipónico como o sushi. Gosto da sensação de restrição, ela obriga-me a ser mais criativa.”
O resultado de tudo isto são quatro peças que podem ser encomendadas numa box ou avulso. Existe o nigiri de dourada com molho pesto de salva e erva cidreira, chá fumado e um ligeiro de toque de malagueta (“cuidado que é um pouco picante”, avisou a empregada que nos serviu), o california com queijo de cabra, matcha e bergamota, um maki recheado com creme de cogumelos de paris e com gerânio rosado e gengibre, assim como o outro maki, que leva maçã verde, atum, endro e a tal sobacha. Já agora, uma pequena nota de rodapé, para quando estiver a provar estas iguarias: “A chef não quer que se coma as suas peças com wasabi ou soja!”, explicou Marcos.
Mas que loja é esta que, aparentemente, consegue cozinhar uma parceria destas — que é real, os próprios representantes da chef com quem o Observador entrou em contacto confirmam-no –, com uma das mais importantes chefs do mundo? Marcos explica.
“Na verdade, a Sushi Shop é uma cadeia internacional, com lojas em mais de 14 países”, começa por dizer. Criada pelos franceses Grégory Marciano e Hervé Louis, esta multinacional nasceu 1998, mas só chegou a Portugal em 2017 — para se ter uma ideia de escala, só em França existem 80. “Os nossos chefs foram formados em França, na central, e depois regressaram”, explica. Normalmente, grandes multinacionais da alimentação costumam ser vistas com alguma suspeição — e bem –, mas esta tem algo que atenua um pouco a desconfiança: “Tudo o que servimos é fresco, do dia”, diz Marcos. É política da empresa valorizar ao máximo o ambiente onde as suas lojas estão inseridas e prova disso é o facto de esta, por exemplo, abastecer-se de “peixe (menos o atum) e vegetais ” no vizinho Mercado da Ribeira.
Para lá deste aparente cuidado há a componente mais criativa do negócio. Que existem colaborações anuais com chefs de renome já se percebeu, mas há mais: “Na segunda parte do ano fazemos outras parcerias… com designers, artistas, músicos…”. Nomes como Lenny Kravitz, Kate Moss, Kenzō Takada (o cérebro por trás da marca Kenzo) e até o tatuador Scott Campbell já se associaram a este projeto. Em conjunto com a multinacional escolhem o conteúdo das caixas especiais e definem o seu aspeto. Este ano não será diferente, mas só quando o verão chegar é que se vai saber quem será o novo convidado. Nessa altura, as caixas de Anne Sophie Pic vão desaparecer,mas não totalmente, já que a empresa costuma manter as peças mais populares criadas pelos convidados. Conversas à parte, resta só informar que esta comida pode ser provada na loja — Marcos revelou que este ano abrirá uma nova, na zona do Saldanha — ou no conforto do lar, já que o serviço de entregas ao domicilio está disponível. Bon Appétit! (ou 良い食欲, em japonês).