Tal como já tinha acontecido nas suas participações no WRC, a Volkswagen deu mais uma vez provas do seu extremo potencial tecnológico ao chegar, ver e vencer em Pikes Peak, a mítica rampa americana que depois de apaixonar os locais durante anos, começa agora a atrair os europeus que gostam de competição automóvel. Mas naquela que é conhecida como a Corrida às Nuvens, por subir 1.440 metros ao longo dos seus 20 km e 156 curvas, terminando a uma altitude de 4.300 metros, a Volkswagen não se limitou a vencer e a bater um novo recorde. Fê-lo com um carro eléctrico e foi a primeira a conseguir baixar a barreira dos oito minutos.

Com Romain Dumas ao volante, ele que já venceu as 24 Horas de Le Mans e Pikes Peak (sempre com motores de combustão), o fabricante alemão apostou inicialmente em bater o recorde reservado aos veículos eléctricos, estabelecido em 2016 por Rhys Millen num e0PP100 desenvolvido pela lituana Drive e0.

A tarefa estava longe de ser fácil, uma vez que o e0PP100 tinha 1.618 cv, para apenas 1.150 kg e tinha conseguido percorrer a rampa em 8 minutos e 57 segundos, ficando em 2º da geral, logo atrás de Dumas, que nesse ano participou numa “barqueta” a gasolina. Um tempo fabuloso para um carro eléctrico (que só não foi melhor porque Millen sentiu alguns problemas técnicos na parte final do percurso) e bem melhor do que o carro com que a Drive e0 se fez representar no ano anterior, o e0PP03, que anunciava “apenas” 1.387 cv e subiu em 9.07,222 minutos, o que lhe permitiu vencer à geral e nos eléctricos em 2015.

Ora, a Volkswagen apresentou-se à partida da edição deste ano de Pikes Peak com um carro deslumbrante, um protótipo de carroçaria fechada que parecia ter saído das 24 Horas de Le Mans, mas anunciava apenas 680 cv, extraídos de dois motores eléctricos (um para cada eixo) e menos de 1.100 kg de peso. Isto dá uma relação peso/potência de 1,61 kg/cv (ou seja, cada cv tem de puxar 1,61 kg), uma violência face aos 0,71 kg/cv do e0PP100, ou até mesmo por comparação com o e0PP03, que se ficava pelos 0,86 kg/cv. Mas, ainda assim, o construtor alemão não sentiu a mínima dificuldade em melhorar o recorde em quase 1 minuto, ao fixar a nova melhor marca em 7.57,148 e tornar-se o novo recordista entre os veículos eléctricos, em Pikes Peak.

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I.D. Buzz e o I.D. R Pikes Peak lado a lado. A competição foi uma excelente ocasião para a Volkswagen promover a sua próxima gama de veículos eléctricos

Segundo Romain Dumas, a subida correu na perfeição, apesar da zona intermédia da rampa estar ligeiramente húmida, pelo que seria possível fazer melhor. Isto enquanto o director desportivo da Volkswagen, Sven Smeets, estava delirante com o resultado e com o comportamento do carro, cuja motorização eléctrica foi desenvolvida com a colaboração da Integral eDrive, pertença daos ingleses da Integral Powertrain e especializada em motores eléctricos. Mas a extrema satisfação dos membros da equipa Volkswagen tinha a sua razão de ser, uma vez que o I.D. R Pikes Peak, na ânsia de bater o recorde dos eléctricos, bateu igualmente o melhor tempo de sempre na rampa americana desenhada nas montanhas do Colorado, ultrapassando confortavelmente os 8.13,878 que Sébastien Loeb alcançou em 2013, aos comandos do impressionante Peugeot 208 T16, que pesava apenas 975 kg e extraia 875 cv do motor 3.2V6 biturbo.

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Sem querer retirar brilho à notável exibição da Volkswagen em Pikes Peak, onde bateu toda a gente e venceu tudo o que havia para ganhar, há questões que gostaríamos de ver esclarecidas, para não concluir que o sucesso do carro alemão aconteceu como que por milagre:

Como é possível que um carro com praticamente o mesmo peso (1.100 vs 1.150 kg do e0PP100) e uma diferença brutal de potência (680 vs 1.618 cv) possa ser mais rápido?

É certo que o carro da Drive e0 sentiu algumas dificuldades no final da rampa, mas isso não explica a vantagem de quase 60 segundos. Mesmo na Fórmula 1, entre o melhor e o pior carro na grelha de partida pode existir uma diferença de 3 segundos num circuito de 5 km, uma diferença assustadora, mas que se resume a 12 segundos em 20 km. Ora, a Volkswagen “aviou” o recorde anterior cerca de cinco vezes mais.

Terá sido a edição deste ano particularmente rápida?

Apesar de Dumas se queixar de alguma humidade no asfalto na zona intermédia da rampa, Pikes Peak depende muito das condições atmosféricas. O ar torna-se mais rarefeito à medida que se sobem os 1.440 metros durante os 20 km da prova, o que rouba potência aos motores de combustão (não aos eléctricos) e retira igualmente eficiência aos apêndices aerodinâmicos, destinados a colar o carro ao solo – em média, há menos 35% de eficácia das asas quando comparadas com as condições ao nível do mar. Mas uma variação na pressão atmosférica ou no vento pode baralhar isto tudo. Contudo, num Norma similar ao que Dumas conduziu em 2016 e 2017, Simone Fagiolli fez 8.37, um valor extramente bom face ao diferente valor (e conhecimento da rampa) dos dois pilotos.

Com uma diferença tão grande de potência, como é que a Volkswagen e a Drive e0 recorriam praticamente à mesma capacidade de bateria?

A Drive e0 anunciou 50 kWh de capacidade de bateria, o necessário para cumprir os 20 km a subir, sem que faltasse energia aos seus sete motores que, todos em sintonia, forneciam os já mencionados 1.618 cv. Ora, se a Volkswagen tinha apenas dois motores com 680 cv e recorria a uma tecnologia mais moderna para lhe permitir recuperar energia durante as travagens, para assim poder recorrer a uma bateria mais pequena e leve, como é que montou um acumulador de 43 kWh?

Será que a vantagem na aerodinâmica do I.D. R Pikes Peak é assim tão grande?

O carro de competição da Volkswagen partiu como base do Porsche de Le Mans, com a marca alemã a revelar que testou depois prolongadamente, em túnel de vento, as adaptações necessárias devido à menor necessidade de entradas de ar para arrefecer a mecânica, uma vez que os carros eléctricos necessitam de muito menos refrigeração e esta é sobretudo dirigida às baterias. Mas não é impossível que o trabalho, de longe o mais complexo de que o carro para Pikes Peak alguma vez foi alvo, tenha rendido alguns dividendos. Mas a dúvida persiste: onde é que os técnicos alemães foram buscar os 60 segundos? Será que conseguiram uns pozinhos em cada uma destas áreas, a somar aos dotes de Dumas?