“Disseram-me que se quisesse ver o meu filho novamente tinha de ligar para este número”. Chantal lembra-se de quando um homem, com um chapéu a tapar-lhe a cara, lhe entregou uma carta que explicava o desaparecimento de Charles. A semana seguinte foi angustiante. “Não parava de pensar como é que ele estava, nem nas condições em que vivia”.

Chantal tem 48 anos e vive em Goma, na província do Norte de Kivu, República Democrática do Congo. Durante o pôr do sol, as luzes das casas são muitas vezes ofuscadas por um fumo da cor do salmão proveniente do monte Nyiragongo, onde se situa um vulcão com 3,470 metros.

A mãe de 46 anos limpa as lágrimas enquanto recorda como pediu ajuda a familiares, amigos e vizinhos para conseguir juntar os 850 euros que lhe iriam permitir abraçar Charles novamente. Durante toda a semana foi-lhe exigido que transferisse pequenos valores para a conta bancária dos raptores.

Goma tem cerca de um milhão de pessoas e, situando-se no meio de um vulcão e das águas translúcidas do lago Kivu, acolhe vários turistas. No entanto, o genocídio no Rwanda, a erupção do vulcão Nyiragongo em 2002 e a destruição causada pelo grupo rebelde M23, gravaram uma mancha de sangue na fachada da cidade.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mais de 730 pessoas foram sequestradas na região de Kivu no início de 2018

No último ano, cerca de 20 famílias tiveram de passar pelo mesmo que Chantal, segundo afirma Jean-Paul Lumbulumbu, um conhecido advogado local, ao jornal The Guardian. No passado, os sequestros na região do Norte de Kivu afetavam apenas adultos e eram orquestrados por grupos armados na região, porém esses grupo viram nas crianças um alvo mais fácil e proveitoso.

Uma fonte policial da região afirmou à Agência France Press que “o modus operandi é sempre o mesmo. Torturam as crianças para que os pais lhes deem alguma coisa”. Lumbulumbu reitera que o ano de 2014 viu “a expansão deste fenómeno [o rapto de crianças] que influenciou toda a sociedade por ser um meio de dinheiro rápido e fácil”.

Valerie olha para o uniforme de Nathanael, o filho de oito anos. Uns calções azuis e uma pequena t-shirt branca cujo tecido pálido tem uma nódoa de sangue. “Era definitivamente uma segunda-feira”, recapitula a mãe de 30 anos. Nathanael estava a caminho da escola quando foi arrastado à força para um local desconhecido. Durante o resto do dia, Valerie não encontrou respostas sobre o desaparecimento do filho.

O silêncio foi quebrado no dia seguinte: Pelo telefone, uma voz bradou, “ dá-nos 4 mil euros ou vais encontrar o corpo do teu filho à porta de casa”. O valor era simplesmente demasiado alto para a mãe solteira pagar, embora vivesse numa casa relativamente grande que havia herdado dos pais.

Entre Janeiro e Junho deste ano, 97 crianças foram sequestradas e 21 morreram

Valerie conseguiu juntar 17 euros e enviou o montante através da aplicação Airtel Money, um sistema de transferência de dinheiro via telefone muito usado por todo o continente africano. Momentos depois, o telefone tocou. Com uma voz cansada e aguda, o filho gritava em desespero, “ Mãe, vão matar-me!”

Segundo o mapa Kivu Security Tracker,  mais de 730 pessoas foram sequestradas na região de Kivu no início de 2018. Um grupo de proteção infantil indicou ao jornal britânico The Guardian que, em 2017, 215 crianças foram raptadas e 34 assassinadas. Entre Janeiro e Junho deste ano, 97 crianças foram sequestradas e 21 morreram.

É difícil atribuir responsabilidades, porém as autoridades locais afirmam que os constantes conflitos armados, a ampla taxa de desemprego e a grave situação política da região, estão a levar as pessoas a cometerem ações desesperadas. Entretanto, grupos humanitários internacionais estão a abandonar a República Democrática do Congo, eliminando vários postos de trabalho.

Jean Claude Buuma Mishiki, um investigador no Círculo Jovem de Reflexão, culpa o sistema judicial. “Este é um problema que está a propagar-se rapidamente pois a impunidade reina por todo o lado”. “Perdi a cabeça naquele dia”, segreda Chantel encolhida na varanda. Sete dias depois do filho de oito anos ter sido raptado, o seu corpo foi encontrado decapitado nas ruas de um bairro próximo. Nathanael acorda todos os dias a meio da noite a gritar: “Achab”, o nome do rapaz com quem esteve em cativeiro e que foi morto mesmo à sua frente.

Ao anoitecer, Valerie deixa a sala cair na escuridão. Num canto, os irmãos de Nathanael têm a cara iluminada pela luz incandescente de um jogo de telemóvel. Nathanael já regressou à escola, embora os professores insistam que ele tem de descansar.