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Morreu a fadista Celeste Rodrigues

Este artigo tem mais de 5 anos

Celeste, irmã mais nova de Amália Rodrigues, tinha 95 anos e uma vida dedicada ao fado. Cantou em muitas casas típicas mas foi das primeiras fadistas a atuar lá fora. Funeral realiza-se na sexta.

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Wikipedia

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Morreu a fadista Celeste Rodrigues, irmã mais nova de Amália Rodrigues. Tinha 95 anos e 73 de carreira, uma vida dedicada ao fado. A morte da artista foi confirmada pelo neto, Diogo Varela Silva, ao final da manhã desta quarta-feira. “É com um enorme peso no coração, que vos dou a noticia da partida da minha Celestinha, da nossa Celeste”, anunciou o realizador, responsável por um documentário sobre a artista, “Fado Celeste”, de 2010.

“Hoje deixou uma vida plena do que quis e sonhou, amou muito e foi amada, mas acima de tudo, foi a pedra basilar da nossa família, da minha mãe, da minha tia, dos meus irmãos, sobrinhos e filhos, somos todos orgulhosamente fruto do ser humano extraordinário que ela foi”, escreveu  Diogo Varela Silva na sua página do Facebook. “Que a sua humanidade, bondade e maneira de estar bem com a vida, seja um ensinamento, que nós possamos honrar pelas nossas vidas fora.”

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Celeste, que começou a cantar profissionalmente aos 22 anos, construiu uma carreira ligada ao fado mais típico, atuando em algumas das mais famosas casas lisboetas, como o Café Latino, o Marialvas, Adega Mesquita, Tipóia e Adega Machado ou a Parreirinha de Alfama. Entre os seus fados mais conhecidos, contam-se temas como “A Lenda das Algas”, o “Fado das Queixas” e, sobretudo, “Olha a Mala”.

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“A fadista para quem cantar era uma alegria, inspirou gerações de artistas com o seu talento e dedicação”, afirmou o Ministério da Cultura em comunicado. Deixou “a sua marca e voz associadas ao fado castiço, ao fado de rua e às suas raízes”. Em maio, na celebração dos 73 anos de carreira num concerto no Tivoli BBVA, em Lisboa, Celeste Rodrigues disse estar “muito contente por os mais novos”, para quem era uma inspiração, “pegarem” nos fados que cantou durante os mais de 70 anos de carreira. Até Madonna se rendeu ao talento da fadista, a quem chamava uma “lenda viva. As duas cantoras chegaram a gravar um dueto, que a cantora norte-americana partilhou no Instagram.

Celeste Rodrigues vai estar amanhã, quinta-feira, em câmara ardente no Teatro Thalia, em Lisboa. O funeral será realizado na sexta-feira, pelas 16h. A fadista será sepultada no Talhão dos Artistas do Cemitério dos Prazeres. Esta quarta-feira, pelas 21h15, a RTP 1 irá prestar homenagem a Celeste Rodrigues, uma das primeiras fadistas a atuar na televisão pública, com a emissão do documentário de Diogo Varela Silva sobre a história da sua longa carreira.

Marcelo: Celeste “tinha de facto uma voz única, distinta da voz da sua mãe, distinta da voz da sua irmã Amália”

Numa nota publicada no site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa disse ter sido “com grande tristeza” que soube da morte da fadista, dona de “uma voz única, distinta da voz da sua mãe, distinta da voz da sua irmã Amália, distinta na sua independência, autonomia e sobretudo alegria”.

“Herdou dos pais o gosto pela música, pelo fado em particular, uma constante na sua vida e um verdadeiro dom que generosamente partilhou com todos à sua volta, amigos e desconhecidos”, afirmou o Presidente, acrescentando que, “até ao fim da sua vida”, Celeste Rodrigues “nunca perdeu a curiosidade de conhecer um mundo em permanente mudança, cantou com inúmeros artistas portugueses e internacionais, a todos conquistando com a sua amabilidade tão genuína”.

A Câmara Municipal de Lisboa também lamentou a morte da artista, lembrando que “Lisboa era a cidade da sua vida, apesar de nascida no Fundão em 1923”. “E é essa mesma Lisboa que chora a morte da fadista, lembrando-a com saudade ‘na esquina da minha rua’. Como na canção”, referiu a autarquia.

Uma vida dedicada ao fado

Maria Celeste Rebordão Rodrigues a 14 de março de 1923, três anos depois de Amália, a irmã mais velha. Foi no Fundão que deu os primeiros passos mas foi em Lisboa, cidade para onde os pais se mudaram quando tinha apenas cinco anos, que cresceu. Com uma infância igual à de tantas outras crianças, como a própria gostava de recordar, Celeste era uma “maria rapaz”, traquina mas envergonhada. Frequentou a Escola Primária da Tapada (os pais viviam em Alcântara) e, quando não quis estudar mais, arranjou emprego numa fábrica de bolos. Mais tarde — como refere a informação disponível no site do Museu do Fado –, trabalhou num ponto de venda de artigos regionais no Cais da Rocha juntamente com a irmã Amália.

Começou a cantar a sério aos 22 anos, a convite do empresário José Miguel, dono de várias casas de fado e teatros lisboetas. José Miguel tinha-a ouvido cantar na Adega da Mesquita, no Bairro Alto, no dia em que, vencendo a timidez, Celeste se deixou desafiar para uma desgarrada. Convencido do talento da fadista, o empresário insistiu na sua profissionalização, começando assim uma longa carreira dedicada ao fado, sobretudo ao mais castiço. A estreia aconteceu em 1945, no Casablanca (atual Teatro ABC), no Parque Mayer. Dois meses depois, Celeste Rodrigues ingressou numa companhia de teatro e partiu para o Brasil, acompanhando a irmã na representação da opereta Rosa Cantadeira e da revista Bossa Nova. A digressão durou cerca de um ano.

Celeste Rodrigues nas fotos de arquivo do Museu do Fado

De regresso a Lisboa, deu continuidade à sua carreira de fadista, integrando o elenco de fadistas de espaços como o Café Latino, o Marialvas ou a Urca, na antiga Feira Popular. Passou também pelo Luso, pela Adega Mesquita, onde esteve durante quatro anos, pela Tipóia e pela Adega Machado. Apesar dos convites que recebeu para participar em peças de teatro, Celeste Rodrigues manteve-se sempre fiel ao fado, recusando todas as propostas. No início da década de 1950, voltou ao Brasil para atuar na rádio, na televisão e no restaurante “Fado”, de Tony de Matos, alcançando sempre um êxito “assinalável”, segundo a biografia disponível no site do Museu do Fado.

Depois de ter vivido um romance com o toureiro José Casimiro, em 1953, aos 30 anos, celeste Rodrigues casou-se com o ator Varela Silva. Em 1957, os dois tornaram-se proprietários do restaurante típico “A Viela”, palco de longas tertúlias entre poetas e cantores. Desfizeram-se dele quatro anos mais tarde por sentirem que não tinha queda para o negócio. Ainda em finais dos anos 50, tornou-se numa das primeiras fadistas a atuar na televisão portuguesa, numa emissão feita a partir do teatro da Feira Popular no período experimental da RTP. Foi também a primeira a enfrentar as câmaras quando os estúdios do Lumiar da estação de televisão passaram da fase de experimentação para as emissões regulares. Estas estreias consolidaram a fama da fadista em território português, numa altura em que o nome de Celeste já tinha atravessado fronteiras. Angola, Moçambique, o Congo Belga e a África Inglesa, foram alguns dos lugares por onde passou.

Celeste tinha uma “autenticidade única, uma forma singular de interpretação”

Celeste foi, aliás, “uma das primeiras Fadistas a realmente internacionalizar-se, cantando em variadíssimos países e nos grandes palcos mundiais, onde podemos destacar, entre outros, o Concertgebouw,em Amesterdão, o Carnegie Hall, em Nova York ou o Cité de la Music, em Paris”, de acordo com o Museu do Fado. Apesar das comparações com a irmã mais velha, Celeste Rodrigues construiu o seu próprio percurso, mantendo-se sempre mais ligada ao fado castiço, ao contrário de Amália. Tinha uma “autenticidade única, uma forma singular de interpretação”, refere o site do espaço museológico, percetível nos temas que fazem parte do seu repertório — “A Lenda das Algas”, “Saudade Vai-te Embora”, “O Meu Xaile”, mas sobretudo “Olha a Mala” (de Manuel Casimiro), o seu maior êxito de vendas, entre os quase 60 discos que gravou.

Sobre a influência da irmã, chegou a dizer, numa entrevista com Júlio Isidro, que não entendia porque é que insistiam em dizer que tinha vivido à sombra dela. “Como? ‘À sombra’ porquê? Ela era ela e eu era eu. Como as outras, todas cantamos fado.” Depois do 25 de Abril, passou seis meses no Canadá e divorciou-se de Varela Silva, depois de cerca de 20 anos de casamento.

Em 2005, o encenador Ricardo Pais, então diretor do Teatro Nacional São João, no Porto, convidou a fadista para participar no espetáculo Cabelo Branco é Saudade (ao lado dos fadistas Argentina Santos, Alcindo de Carvalho e Ricardo Ribeiro), acabando por fazer uma digressão europeia. Em 2007, editou o último disco, Fado Celeste, com fados tradicionais e inéditos, com letras de autores contemporâneos, como Helder Moutinho, José Luís Gordo e Tiago Torres da Silva. Nesse ano, foi homenageada pela Associação Portuguesa dos Amigos do Fado (APAF), no Museu do Fado, num reconhecimento da “voz bonita, capacidade interpretativa e regularidade de uma carreira”, segundo declarações de Julieta Estrela de Castro, presidente da APAF à Agência Lusa. Recebeu a Medalha de Prata da Cidade de Lisboa, no cinema S. Jorge, em 2010, no mesmo ano em que estreou o documentário “Fado Celeste”, sobre a sua vida, realizado pelo neto Diogo Varela Silva.

Em 2015, por altura dos seus 70 anos de carreira, a secção “Heart Beat” do Festival DocLisboa, abriu com uma remontagem do documentário, intitulado, apenas, “Celeste”. Em 2012, o então Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, condecorou-a com a Ordem do Infante D. Henrique, grau de comendador, e recebeu a Medalha de Ouro da Cidade de Lisboa. A fadista, uma das mais antigas no ativo, continuava a cantar regularmente em casas de fado, sobretudo na Parreirinha de Alfama, em Lisboa.

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