Ainda não foi desta que o Partido Popular Europeu — família política a que pertencem o PSD e o CDS na Europa –, deixou cair de forma clara o polémico primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. Na noite desta terça-feira, os eurodeputados agrupados nesta família do centro direita reuniram-se em Estrasburgo para discutir uma eventual tomada de posição comum sobre o relatório do Parlamento Europeu que denuncia o “risco manifesto de violação grave dos valores europeus” na Hungria.
O relatório em causa vai ser votado esta quarta-feira no plenário e propõe que seja accionado o artigo 7º do Tratado da União Europeia, um procedimento que, no limite, podia levar à suspensão dos direitos de voto da Hungria. Mas para isso, é preciso primeiro que seja aprovado por uma maioria de dois terços dos eurodeputados. Uma vez que o PPE — que tem 218 deputados — decidiu dar liberdade de voto, e uma vez que há posições divergentes entre os membros do grupo, não é garantido que o relatório passe.
Manfred Weber, presidente do grupo e candidato a substituir Jean-Claude Juncker à frente da Comissão Europeia, admitiu aos jornalistas no final da reunião que não foi possível um acordo entre todos os membros do PPE quanto ao sentido de voto. “Foi uma discussão intensa, mas franca e honesta”, disse Weber, que quis deixar uma garantia, apesar da falta de uma posição comum: “Os valores da União Europeia não são negociáveis para nós. Não há tratamento especial, nem dentro, nem fora da família do PPE”.
Fontes presentes na reunião dizem ao Observador que a maioria dos membros que compõem o grupo vai votar a favor do relatório, num sinal de distanciamento do regime do primeiro-ministro húngaro. Numa reunião altamente participada, com sala cheia, as delegações de vários países, incluindo a do PSD, assumiram uma posição crítica face ao governo de Orbán, há muito considerado uma pedra no sapato do partido. Ao que o Observador apurou, eurodeputados de França, da Alemanha, Polónia, Roménia, países nórdicos, Bélgica, Holanda e Luxemburgo recusaram os argumentos apresentados nessa reunião pelo chefe de governo da Hungria e anunciaram voto a favor do relatório. Do lado contrário, para além dos húngaros, também espanhóis, italianos e alguns alemães se manifestaram pelo voto contra.
O PPE é o maior grupo político no Parlamento Europeu, mas nos últimos dias tem-se intensificado a dúvida sobre se faz sentido manter alguns membros na família, em particular o partido Fidesz, de Viktor Orbán, conservador, nacionalista, ativamente anti-imigração e tido como cada vez mais próximo da extrema-direita.
Apesar da pressão, a questão não é consensual, porque sem o Fidesz, é mais difícil que o grupo de centro direita se mantenha como o mais numeroso no parlamento depois das europeias de 2019. Para além disso, se há deputados que defendem a expulsão de Orbán por considerarem ser contrário aos princípios do partido, há outros que defendem uma posição mais moderada, com o argumento de que mantendo Orban é mais fácil controlar e moderar a sua ação.
É exatamente isso que tem defendido Manfred Weber, que enfrentou aqui um importante teste para a sua candidatura a presidente da Comissão Europeia. Estando na “ala moderada” quanto a Orbán, corria o risco de ser colado ao ativo mais tóxico do PPE. Para se demaracar, no final da reunião do grupo assumiu que é um dos deputados que vai votar a favor do relatório: “Sempre defendi que quando há vontade de compromisso, pode continuar-se o diálogo. Mas no debate de hoje, não vi essa vontade de compromisso por parte do primeiro-ministro da Hungria”.
Debate tenso entre apupos e aplausos
Em Estrasburgo, a tarde começou com um dos debates mais quentes, precisamente sobre a situação na Hungria. Em cima da mesa estava a discussão do relatório da comissão que denuncia violações graves do Estado de Direito no país. Viktor Orbán fez questão de participar na sessão onde ficou praticamente isolado a ouvir críticas de quase todos os lados, incluindo da sua família política europeia.
Aos ataques, o primeiro-ministro da Hungria respondeu com uma garantia: “Vocês decidiram que o nosso país não pode recusar-se a ser um país de imigração. Não cederemos à chantagem e a Hungria defenderá as suas leis, contra todos, se for preciso.”
Foi neste clima, onde se ouviam frequentes aplausos e apupos, que se desenrolou todo o debate, na véspera da votação inédita em que a Hungria corre o risco de ver suspensos os direitos de voto no Conselho da União Europeia.
A tensão na sala tornou-se evidente quando Orbán entrou, atrasado, no hemiciclo do Parlamento Europeu. Por essa altura já falava Judith Sargentini, a quem coube o relatório da Comissão da Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos que interrompe o discurso e diz com ironia: “Adorava ter apertado a mão do primeiro-ministro húngaro, mas ele chegou atrasado e não foi mesmo possível”.
A seguir, a eurodeputada holandesa deu início ao rol de acusações que pendem sobre o chefe de governo, incluindo a substituição de juízes independentes por magistrados “ligados ao regime”, ataques à independência das universidades, controlo dos meios de comunicação social, perseguição de imigrantes, refugiados e ciganos.
Foi apenas o começo. Quase todos os grupos parlamentares reiteraram as acusações a Viktor Orbán e acrescentaram mais: corrupção, oligarquia, apropriação indevida dos fundos comunitários, ataque à liberdade de culto religioso, proibição de organizações não governamentais, liberdade de expressão, direitos das mulheres.
Orbán ouviu e respondeu depois, num discurso onde dramatizou: “Sei que já decidiram como vão votar, saibam que não vão condenar um governo, vão condenar um país”. Numa intervenção de 6 minutos, criticou os eurodeputados porque “pensam que sabem melhor que os húngaros o que é melhor para eles”, e depois continuou: “O vosso relatório insulta a Hungria e insulta a honra da nação húngara”.
O político nacionalista ganhou as últimas legislativas com quase 50% dos votos, depois de uma campanha focada quase exclusivamente na luta contra a imigração. O Governo da Hungria opõe-se frontalmente ao sistema de repartição de refugiados na União Europeia, tendo recusado receber qualquer pessoa. Orbán tem defendido que os migrantes ameaçam a cultura cristã e europeia da Hungria e chegou a relacionar os refugiados com o terrorismo e a criminalidade
No debate no Parlamento Europeu ouviu ainda algumas votos de apoio, sobretudo dos eurocéticos. Do Reino Unido, Nigel Farage sugeriu aliás que se juntasse ao movimento do Brexit, depois do tratamento que recebeu dos eurodeputados: “Graças a Deus que há pelo menos um líder europeu que se bate pelos seus princípios, pela sua nação, pela sua cultura e pelo seu povo”.
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