O Papa Francisco disse esta terça-feira que “nos tempos antigos” os abusos sexuais eram frequentemente encobertos, não apenas na Igreja Católica, mas também no interior das famílias. Em declarações aos jornalistas a bordo do avião que o levou de Tallin a Roma, no final de uma viagem de quatro dias pelos países bálticos — Lituânia, Letónia e Estónia — o Papa falou dos escândalos de abusos sexuais na Igreja e sublinhou a importância de interpretar os “factos históricos” com “a hermenêutica da época em que sucederam”.

“Vemos que, nos primeiros 70 anos, havia muitos padres que caíram nessa corrupção. Depois, em tempos mais recentes, diminuiu, porque a Igreja se deu conta de que tinha de lutar de outra maneira. Em tempos antigos, estas coisas encobriam-se. Mas também em casa, quando o tio abusava de uma sobrinha, ou quando o pai o fazia com os filhos. Encobria-se porque era uma vergonha muito grande. Era a maneira de pensar dos séculos antigos”, afirmou, em declarações citadas pelo diário espanhol El País.

O que é que a Igreja está (mesmo) a fazer para acabar com os abusos sexuais?

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As declarações do líder da Igreja Católica foram proferidas na sequência de questões dos jornalistas sobre o caso da Pensilvânia — estado norte-americano onde recentemente foi divulgado um relatório dando conta da existência de mais de 300 padres pedófilos que durante 70 anos abusaram de mais de mil jovens — e depois de o arcebispo italiano Carlo Maria Viganò, antigo núncio apostólico nos EUA, ter escrito uma carta a revelar que já tinha denunciado ao Papa Francisco, há cinco anos, os abusos sexuais praticados pelo ex-cardeal McCarrick, que este ano foi demitido devido às alegações contra ele.

O Papa afirmou que tem pedido à Igreja que seja firme na luta contra a pedofilia. “Nos últimos tempos, tenho recebido muitas condenações feitas pela Congregação para a Doutrina da Fé [para assinar] e sempre disse: adiante. Nunca assinei, depois de uma condenação, uma petição de graça. Isso não é negociável”, destacou o pontífice. Porém, Francisco insistiu na necessidade de interpretar cada situação à luz da época em que aconteceu e comparou o caso à violência cometida contra os povos indígenas na América Latina (de onde é natural). “Houve muitas injustiças e brutalidade, mas não pode ser interpretado com a hermenêutica de hoje, temos outra consciência”, disse o Papa.

Escândalos sexuais e uma guerra de poder dentro do Vaticano. O Papa Francisco enfrenta o seu “momento extraordinário”

“É verdade que há uma acusação à Igreja que todos sabemos, conhecemos as estatísticas, pelo que não as direi. Mas ainda que tenha sido um só padre que tenha abusado de uma criança, é monstruoso. Esse homem foi escolhido por Deus para levar as crianças ao céu, por isso entendo que os jovens se escandalizem com essa corrupção. Sabem que está por todos os lados, mas na Igreja é mais escandaloso, porque deve levar as crianças até Deus, não destruí-los”, afirmou ainda o Papa, depois de sublinhar que a percentagem de padres pedófilos não é superior à percentagem de pedófilos noutros setores da sociedade — apesar de ser mais grave.