Vou, não vou; cinco anos, dez anos; mandato único, dois mandatos; vou, não vou outra vez. E no fim o que é que acontece? Nada. Pelo menos até ao verão de 2020. O Presidente da República tem alimentado o tabu da sua recandidatura praticamente desde o início do mandato, seja numa visita às Selvagens, numa rua de Cabo Verde, numa plantação de morangos, numa farmácia ou até em inglês — por duas vezes, a última delas na segunda-feira a pretexto da WebSummit. Às vezes, o Presidente sugere que fica só cinco anos, noutras parece disponível para continuar. Já não cabem nos dedos das mãos as vezes que Marcelo alimentou este tabu. Que ainda se intensificou mais em 2018.

29 de Outubro de 2018: Recandidato por culpa da Web Summit

Local: Museu dos Coches, Lisboa

Contexto: Durante um encontro com representantes de startups portuguesas que vão participar na edição de 2018 da Web Summit, o Presidente da República admitiu que a permanência do evento em Lisboa poderia ter como “efeito colateral” a sua recandidatura.

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Não dormi muito, como é habitual. E pensei: há alguma vantagem adicional para a minha vida de ter dez anos da Web Summit em Portugal? E eu disse: bom, há algo que pode tornar-se um efeito colateral, não necessariamente muito positivo, que é ter a responsabilidade de me candidatar novamente à Presidência.”

Marcelo admite recandidatura como “efeito colateral” de dez anos de Web Summit

Mais tarde, e face às perguntas dos jornalistas, o Presidente acabou por reforçar o tabu, ao justificar as declarações como uma ironia “com humor anglo-saxónico”. “Falei ironicamente, por não estar no pensamento”, disse Marcelo. O Presidente da República garante que a sua recandidatura só será ponderada em 2020, nomeadamente para perceber se sente ou não “um dever de consciência” de se recandidatar, tendo em conta o contexto nacional, europeu e internacional que então existir, e o seu entendimento quanto a se é ou não “a pessoa em melhores condições para desempenhar a função naquele momento histórico”. “Isso só na altura é que pode ser julgado”, argumentou Marcelo Rebelo de Sousa. Tudo em aberto, portanto.

16 de outubro de 2018: O apelo de um farmacêutico que “vai pesar”

Local: Farmácia de Lageosa do Dão, Tondela

Contexto: O Presidente visitava zonas afetadas um ano antes pelos incêndios de outubro quando recebeu o apelo de um farmacêutico para a recandidatura. Hugo Ângelo contou a Marcelo que as palavras do Presidente tinham sido importantes para que tivesse dado um novo impulso à sua vida: “Se alguma vez hesitar em avançar para um segundo mandato, acredite que as suas palavras têm impacto na vida das pessoas e das empresas e para mim foram uma segurança para tomar essa decisão“.

Na resposta, Marcelo Rebelo de Sousa prometeu não esquecer as palavras do farmacêutico quando tomar a decisão sobre recandidatura em 2020:

Agora ficou esse dever de consciência, porque na altura em que tiver de decidir, lá para meados de 2020, vou ouvir muita gente que me diz: ‘Não, é altura de se reformar, está velhinho, estamos cansados dele’; e outros dirão: ‘Mas apesar de tudo tem o dever de ficar, porque ainda deve continuar a servir’ e do lado dos que dizem tem o dever de, pelo menos, se recandidatar, depois o povo decidirá se fica ou não, pesará aqui esta opinião, eu não me vou esquecer“.

Logo depois, Marcelo acrescentou que isso não significaria que já tem a decisão de tomada: “Isto não quer dizer que decida nesse sentido.”

11 de agosto de 2018: Se Deus quiser, não há mais campanhas

Local: Aldeia de Enxerim, Silves

Contexto: Após o grande incêndio de Monchique, Marcelo foi visitar a aldeia de Enxerim, no concelho de Silves. À chegada à aldeia estava à espera do Presidente uma carrinha com pão caseiro e queijo. Foi por aí que o Presidente começou a conversa: “Este queijo vai saber muito bem, não como desde as 7h da manhã”. O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, deu uma “mãozinha” segurando o prato, enquanto o Presidente cortava o queijo e deixava mais uma graçola: “Olhe o dedo, Sr. ministro, ainda lhe corto o dedo e depois ainda dizem que ando a cortar os dedos ao Governo”, brincou o Presidente da República”.

O jornalista do Observador, no local, perguntou: “Não lhe faz lembrar as campanhas, Sr Presidente?” E foi aí que Marcelo Rebelo de Sousa respondeu, descontraidamente:

Campanhas, se Deus quiser, não há mais nenhuma.”

O jornalista insistiu:  “Então isto quer dizer que não se recandidata?”. Ao que o Presidente respondeu: “Está nas mãos de Deus essa decisão”.

Tabu de Marcelo: diz que não faz mais campanhas “se Deus quiser”; e recandidatura “está nas mãos de Deus”

Nesse mesmo dia, em Almancil, Marcelo explicou que a decisão da sua recandidatura dependerá de haver ou não alguém melhor para o lugar e, claro, de inspiração divina:

É muito simples. Eu, como cristão, acho que em cada momento devo estar no sítio que corresponda à missão mais adequada para cumprir nesse momento. E mais, acho que devo estar aí se não houver alguém em melhores condições. Essa é a ponderação. Deus logo dirá se é ou não. Não é um problema de vontade, é de ponderação, naquela altura.”

17 de julho de 2018: Admitir sete anos e meio numa rua de Cabo Verde

Local: Santa Maria, Ilha do Sal (Cabo Verde)

Contexto: Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou para passear pelas ruas de Santa Maria, na Ilha do Sal, em Cabo Verde antes do início da cimeira da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) e acabou por ser abordado por uma mulher que lhe fez um pedido não compatível com a função de Presidente. E, aí, o Presidente aproveitou para alimentar mais um pouco o tabu da recandidatura:

Tem de esperar um bocadinho, ou dois anos e meio ou sete anos e meio”.

Ao dizer dois anos e meio (o que falta até ao final do mandato) ou sete anos e meio (o que falta para o final de um segundo mandato, em caso de reeleição), Marcelo admitiu essa possibilidade.

18 de junho de 2018: Empresários desafiaram, mas “tudo tem o seu tempo”

Local: Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, em Lisboa

Contexto: O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Bruno Bobone, aproveitou a intervenção final num almoço do Presidente com empresários, para fazer um apelo a Marcelo Rebelo de Sousa: “Sr. Presidente, Portugal precisa de estabilidade e de união para conseguir trabalhar para o seu desenvolvimento. Deixo-lhe um pedido em nome dos empresários portugueses: pela estabilidade e pelo progresso, recandidate-se a um novo mandato. Portugal precisa de si!”. Na resposta, o Presidente foi evasivo:

No seu tempo será ponderado e decidido. Tem de ser com uma certa distância, tem de ser no momento em que eu anuncio a data das eleições presidenciais, que são em janeiro [de 2021] – portanto, significa, o mais tardar no fim do verão [de 2020]”.

Marcelo disse ainda que nunca iria “utilizar o cargo de Presidente para fazer candidatura escondida”, já que isso seria “uma forma de desigualdade em relação aos outros candidatos.” E acrescentou uma outra opção: “Ou não sou candidato”.

30 de maio de 2018: Em inglês, sugeriu que não se recandidata

Local: Universidade Nova, Lisboa

Contexto: Durante um seminário com mulheres embaixadoras, Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu que não se ia recandidatar, pedindo que a edição de 2021 fosse antes de 9 de março para ainda apanhar o seu mandato presidencial. A intervenção foi em inglês:

Ainda tenho mais uns anos no meu mandato. Ainda tenho 2020 e o início de 2021, podemos sempre antecipar o vosso seminário para que aconteça antes de 9 de março, para não me obrigarem a candidatar-me outra vez só por vossa causa.”

8 de maio de 2018: A não recandidatura como pressão ao Governo

Local: Palácio de Belém, Lisboa

Contexto: Como forma de pressão ao Governo, Marcelo Rebelo de Sousa garantiu que não seria recandidato caso o país voltasse a arder como ardeu em 2017. Durante uma entrevista à Rádio Renascença e ao Público, Marcelo foi claro, colocando-se nas mãos de algo que não controla:

[Haver uma nova tragédia como a de 2017] é fundamental para o próprio juízo que o Presidente fará sobre o seu mandato presidencial. Como quem diz, quando eu avaliar, em meados de 2020, o mandato presidencial — portanto, olhar para o passado — e depois também avaliar ou não a existência de um dever de consciência.”

Marcelo não se recandidata se país voltar a arder como em 2017

9 de março de 2018: O dever de consciência

Local: Palácio de Belém, Lisboa

Contexto: Num encontro com jornalistas a propósito do segundo aniversário da sua presidência, Marcelo Rebelo de Sousa deu a entender que só não avançará se houver um candidato em melhores condições: “Quando me candidatei, fi-lo por sentir um dever de consciência. Olhando para o que era o país, incluindo o país político, e o resultado que tinha saído das eleições [legislativas], achei que era o mais bem colocado”. Na altura, Marcelo considerou que era o mais bem colocado e por isso avançou. Agora, o juízo não será diferente:

A minha posição é a mesma. Se no verão de 2020 entender que tenho o dever de consciência de continuar, eu continuo e recandidato-me”.

1 de setembro de 2017: Resposta só daqui a três anos

Local: Feira do Livro, no Porto

Contexto: Durante uma visita à Feira do Livro do Porto, Marcelo foi abordado por um visitante que disse que não votou nele em 2016, mas que o faria em 2021. O Presidente da República aproveitou para dizer que a decisão de se recandidatar seria tomada dali a “precisamente três anos, no início de setembro [de 2021]. Marcelo Rebelo de Sousa admitiu que o seu mandato era “intenso”, mas disse não estar cansado. Isto apesar de se queixar que cinco anos de hoje correspondem a 10 ou 15 de outros tempos:

Quando a nossa democracia nasceu e se previu a possibilidade da reeleição e, portanto, a existência de dois mandatos, que depois dependiam da vontade do povo português (…) naquela altura cinco anos representavam uma realidade e dez anos outra realidade. Mas, passados mais de quarenta anos, os cinco anos de hoje correspondem a dez ou quinze anos daquela altura.”

Marcelo reafirma que só decide sobre recandidatura a Belém daqui a três anos

9 de março de 2017: Um ano cumprido, faltam nove?

Local: Liceu Pedro Nunes, Lisboa

Contexto: Quando completou um ano de mandato, Marcelo Rebelo de Sousa foi dar uma aula à sua antiga escola, o liceu Pedro Nunes. Um aluno perguntou então a Marcelo, se havia algo na escola que fosse especial para por ali terem passado três Presidentes: Américo Tomás, Jorge Sampaio e o atual chefe de Estado. O Presidente tinha a resposta na ponta da língua: “Ser professor é toda a vida, Presidente da República são só cinco anos”. Deixou, no entanto, em aberto a possibilidade de ficar dois mandatos, mesmo que a pergunta tenha sido apenas: “Arrepende-se de se ter candidato a Presidente?” Marcelo deu voltas à resposta e lá disse o que queria, falando no tal “dever de consciência”:

No verão de 2020 vou pesar a situação que existe em Portugal e, se sentir de novo o dever de consciência, sou candidato outra vez.”

“Um já está!” O aniversário de Marcelo no Liceu, no Museu e na Cais

22 de janeiro de 2017: Decisão até setembro de 2020

Local: Palácio de Belém, Lisboa

Contexto: Durante uma entrevista à SIC, logo no ínício de 2020, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou que se iria pronunciar sobre uma eventual candidatura “até ao mês de Setembro de 2020”. O Presidente lembrou qual era a sua ideia: “O ideal para mim era um mandato de seis ou sete anos“. Mas, como não é possível, Marcelo apontava para uma decisão sobre a recandidatura em setembro:

Vou convocar bem antes as eleições presidenciais e, no momento em que convocar estará claro se sou candidato ou não, para não haver a confusão de ser Presidente e ser candidato ao mesmo tempo, ou não ser candidato e em qualquer caso estar a fazer caixinha ou guardar até muito tarde a revelação da posição.”

30 de agosto de 2016: Tudo tem de ser feito em cinco anos

Local: Ilha Selvagem Grande, na Madeira

Contexto: O Presidente da República comentava o facto de ir às Ilhas Selvagens logo no início do mandato, explicando que “tudo o que tiver que ser feito deve ser feito em cinco anos“. Marcelo Rebelo de Sousa sugeria que só ficaria um mandato. Disse mesmo que ia “fazer tudo que puder” nos primeiros cinco anos em Belém: “Não estou à espera de um segundo [mandato] para depois fazer o que não consegui no primeiro”. O Presidente disse ainda ser mais livre se não pensasse num segundo mandato:

Sou livre, tenho as mãos livres para fazer exatamente aquilo que entender que devo fazer sem pensar em recandidaturas. Do mesmo modo, também não penso isto: ‘Não faço agora e fica para daqui a seis, sete anos, oito anos’. Tudo o que tiver que ser feito é feito em cinco anos.”

Marcelo diz que tudo o que tiver de ser feito deve ser feito em cinco anos de mandato

23 de abril de 2016: Se só ficar um mandato, dedica-se aos morangos

Local: Plantação de morangos PaxBerry, em Beja

Contexto: O Presidente estava numa visita a uma plantação de morangos e aproveitou para admitir ficar 10 anos em Belém. Primeiro, enquanto cortava morangos, brincou com o proprietário da fábrica (a PaxBerry, em Beja): “Se tiverem um dia um problema, ao fim dos meus 5 anos de mandato, se me arranjar um lugarzinho nessa altura…” E aí veio a pergunta: Cinco ou dez? Ao que Marcelo respondeu:

Para já vamos contar com 5. Para eu ainda ter as mãos lestas. Porque isto exige lapidez de mãos. Aos 10 anos eu temo que já esteja um bocado gasto. Ora bem, vamos lá ver. O que não aconteceu com os demais Presidentes, que saíram jovens do cargo”.

Depois disso, Marcelo fez uma resenha pela idade com que os seus antecessores saíram do cargo, demonstrando que é idêntica àquela que Marcelo teria caso esteja dois mandatos em Belém. Ou seja: Marcelo lembrava, com o pretexto dos morangos, que ainda tinha idade para ir a um segundo mandato.

Apesar de todas as declarações que já fez, há uma coerência quanto à data em que fará o anúncio final: setembro de 2020. Até lá, o tabu vai continuar.