O sacerdote austríaco Hermann Geissler demitiu-se, na passada segunda-feira, do cargo de funcionário da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), organismo da Santa Sé que zela pelo cumprimento da doutrina da Igreja Católica e que tem a competência exclusiva para apreciar casos de abusos sexuais cometidos por membros do clero. A demissão aconteceu depois de o próprio sacerdote ter sido acusado de abusos por uma antiga monja, Doris Wagner.
Geissler, que tem atualmente 53 anos, negou as acusações, mas solicitou a demissão do cargo ao seu superior hierárquico, o prefeito do organismo do Vaticano — isto é, ao principal responsável da CDF, o cardeal Luis Ladaria Ferrer. A demissão foi pedida invocando o desejo de não manchar mais a imagem da entidade da Igreja Católica que avalia as denúncias de abusos sexuais.
A 28 de janeiro de 2019, o padre Hermann Geissler solicitou permissão ao prefeito da Congregação da Doutrina da Fé para deixar o serviço. O prefeito aceitou o pedido. Geissler deu este passo para limitar os danos já feitos à Congregação e à sua comunidade”, relata uma nota de imprensa do Vaticano.
Ainda na nota de imprensa tornada pública esta terça-feira, o Vaticano refere que Hermann Geissler “afirma que a acusação feita contra ele é falsa e pede que o processo canónico já iniciado tenha continuidade. Também se reserva ao direito de interpor possíveis ações legais junto das autoridades civis”. O padre trabalhava há 25 anos no organismo da Santa Sé.
A alegada vítima é a teóloga germânica Doris Wagner, que garante que o padre e antigo funcionário da CDF tentou abraçá-la e beijá-la durante uma confissão, contra a sua vontade. A antiga monja garantiu ao órgão National Catolic Reporter que recebeu “uma informação de que o Padre Geissler tinha admitido [o caso] e pedido perdão, sendo [posteriormente] admoestado”, informa o jornal digital Crux. As declarações terão sido proferidas “num encontro em Roma”, no qual estavam “três mulheres sobreviventes de abusos sexuais por clérigos”.
Ele disse-me o quanto me amava, disse-me que sabia que eu o amava e que, mesmo que não tivéssemos possibilidade de nos casarmos, havia outras maneiras. Tentou beijar-me, mas fugi do confessionário”, afirmou a alegada vítima.
Doris Wagner é atualmente uma ativista contra os abusos sexuais no interior da igreja, tendo escrito um livro sobre o que viveu no seu período como monja. Os alegados avanços do sacerdote terão acontecido em 2009, de acordo com Doris Wagner — dois anos antes de esta abandonar a comunidade religiosa a que pertencia.
Wagner também acusou um outro padre — não nomeado, identificado pelo jornal El País apenas como “Padre B” — de violação, em 2008. Garantindo que o encontro sexual não foi consentido, descreveu essas relações sexuais com o sacerdote deste modo: “Poucos meses depois de fazer os votos, um padre da comunidade entrou na minha habitação e violou-me. Enquanto me tirava a roupa, dizia-lhe: não podes fazê-lo. Não serviu de nada. No dia seguinte, pensei que, se falasse disto, culpar-me-iam a mim, portanto fui à capela e sorri, como se não se tivesse passado nada”.
Na sequência dessas primeiras denúncias de violação, Doris Wagner interpôs ações em tribunais alemães e austríacos contra o tal “Padre B”. Os tribunais concluíram, porém, que as relações sexuais entre os dois terão sido consensuais.