O primeiro-ministro vinha lançado para falar em economia e em distribuir cartas por nestes anos se ter “restaurado a confiança dos consumidores e empresas”, a “devolução de rendimentos cortados em salários e pensões” e a “estabilização do sistema financeiro”. Também vinha dizer que está tudo bem, ainda que as instituições internacionais apontem risco de abrandamento do crescimento. Mas para a oposição à direita está tudo longe de estar bem.
E foi isso que mais marcou o debate, as visões contrastantes que foram da “revolução” na redução do preço dos passes sociais, à “medida eleitoral como nunca se viu”. Mas os temas foram além desse e houve até uma crítica à RTP e a um acordo com a Federação Portuguesa de Futebol que terminou enquanto Costa ainda falava (E não foi essa a razão pela qual o plenário assistiu a um pequeno amuo do primeiro-ministro).
https://observador.pt/2019/03/19/costa-quer-falar-de-economia-mas-vai-ouvir-sobre-eleitoralismo/
Passes mais baratos. “Eleitoral como nunca se viu”, diz direita. Esquerda reclama créditos
A questão nem é da bondade da medida, já que não houve ninguém a dizer que o preço dos passes sociais não devia ser reduzido. PSD e CDS reclamavam porque a medida não se aplica a todo o país, porque existem regiões que ficam de fora, longe de Lisboa onde “o PIB per capita é de 120%, superior à media europeia” (onde os utentes terão este benefício). E sobretudo porque há quem nem tem transportes e que “vai pagar”, segundo Fernando Negrão do PSD, a redução dos passes nas áreas metropolitanas. António Costa respondeu que “é errada a acusação de que a medida só se aplica às áreas metropolitanas. Aplica-se em todo o país na medida em que os autarcas de cada região entendam fazê-lo”.
À esquerda, a medida era aplaudida e o Bloco até atirou ao PSD que falava no eleitoralismo da medida. Catarina Martins argumentou que eleitoralismo era a redução da sobretaxa prometida pelo anterior Governo que nunca chegou a acontecer. Já o PCP reclamou para si os créditos de uma luta que diz ter tido sozinho no Parlamento e que o PS, em 2016, chumbou ao lado da direita.
O amuo de Costa: sentou-se e não concluiu resposta ao PSD
Um dos momentos mais insólitos deste debate quinzenal aconteceu quando o primeiro-ministro respondia às primeiras interpelações ao Governo. O PSD, através do seu líder parlamentar, usou as suas intervenções para criticar António Costa e o seu Executivo pelo excesso de eleitoralismo. Os sociais-democratas consideraram que os sucessivos anúncios de medidas como a da redução do preço dos passes sociais e as recentes inaugurações protagonizadas por membros do Governo são disso o melhor exemplo.
O Chefe de Governo estava a responder diretamente a Fernando Negrão negando que os passes únicos se cingissem só à zona da Grande Lisboa – uma acusação feita pelo líder parlamentar do PSD. Era a segunda vez que repetia o argumento e os deputados sociais-democratas exaltaram-se acusando, de microfones desligados, o primeiro-ministro de estar a enganar os portugueses. António Costa continuou a falar apesar do crescente ruído vindo da bancada laranja.
Depois de tentar começar a rebater as críticas de desinvestimentos na ferrovia lançadas por Negrão, Costa interrompeu a resposta que estava dar para que os protestos do PSD fossem a única coisa audível no Parlamento. Numa decisão inusitada e espontânea, o primeiro-ministro disse apenas: “Os senhores deputados já estão esclarecidos”. E sentou-se, deixando a resposta a meio. O líder parlamentar do PSD voltou a insistir na pergunta, explicando que não tinha ficado esclarecido. Dizendo que não com a cabeça, Costa não se levantou e recusou-se a continuar, tornando evidente que sobre o tema não responderia mais ao PSD. O debate prosseguiu e António Costa foi respondendo a todas as outras questões.
O duelo mais tenso foi o do costume. Mas Cristas vs. Costa teve acordo num ponto
A cada quinzenal o clima crispado entre os dois adensa-se (ou pelo menos não desarma do denso que já vinha do debate anterior). António Costa e Assunção Cristas continuam a protagonizar os duelos mais tensos e esta terça-feira voltou a acontecer. O pingue-pongue começou no SNS e terminou no regadio, passando por combustíveis, fundos comunitários e IRC. E mais tempo houvesse.
Quando Cristas pediu mais recursos para o SNS, Costa respondeu que era importante “continuar o caminho” para um dia não ter de se cortar, como aconteceu no Governo anterior. Quando a líder do CDS pediu neutralidade fiscal no ISP, o primeiro-ministro respondeu com a “neutralidade carbónica”. Quando Cristas perguntou pela baixa do IRC, Costa atirou com as falhas do Governo anterior que teve de acudir ao regadio e às reorganização das florestas do “eucalipto liberalizado”. Só concordaram num ponto: na necessária ajuda à tragédia na região da Beira (terra natal do pai da líder da CDS), em Moçambique.
[Vídeo: O debate na íntegra:]
O acordo que não sobreviveu ao debate
O tema foi trazido pelo Bloco de Esquerda já na fase final da sua interpelação ao Governo. Entre vários temas, Catarina Martins deixou uma pergunta sobre o acordo de cooperação assinado entre a Federação Portuguesa de Futebol e a RTP para a criação do canal 11, da FPF. A líder bloquista perguntou ao Governo o que iria fazer perante um memorando de entendimento que previa que a RTP fornecesse “instalações, arquivo e pessoas” à FPF para “criar um canal concorrente a si própria”. Algo que Catarina Martins considerou “gravíssimo” por colocar em causa “o equilíbrio da comunicação social”.
António Costa confessou ter ficado surpreendido com os termos do acordo e anunciou que o Governo já tinha pedido esclarecimentos ao conselho de administração do canal público. Mas, precisamente enquanto respondia a Catarina Martins, foi noticiado pela revista Meios&Publicidade que o acordo tinha sido suspenso pela FPF. Nem Costa nem Catarina Martins se aperceberam a tempo de trazer a novidade para o debate, mas o acordo que tinha entrado vivo – e com grande destaque – para o debate quinzenal acabou por morrer a meio.