A Delegação do Partido Socialista (PS) no Parlamento Europeu decidiu não divulgar à comunicação social as conclusões da auditoria que analisou o alegado desvio de fundos públicos europeus de mais de 20 mil euros em dinheiro vivo alegadamente protagonizado por um funcionário da delegação. Uma decisão que contraria as garantias que tinham sido dadas em novembro de 2018 pelo eurodeputado Carlos Zorrinho, líder da delegação, aquando do anúncio da realização da auditoria pela empresa internacional RSM a este caso revelado através de uma investigação do Observador.
“A auditoria [da RSM] já foi concluída. A Delegação do PS no Parlamento Europeu deliberou enviar uma cópia da auditoria para a Presidência do Parlamento Europeu e para o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa“. Ou seja, segundo os socialistas, o conteúdo da auditoria já foi divulgado “às entidades competentes”, aguardando a delegação “os desenvolvimentos que o caso possa vir a ter”. “Cabe a essas entidades [Presidência do Parlamento Europeu e DIAP de Lisboa] avaliar a necessidade de divulgação”, afirmou esta quarta-feira fonte oficial da delegação socialista.
A mesma fonte confirmou que Carlos Zorrinho já foi ouvido “na qualidade de testemunha” pelo DIAP de Lisboa no âmbito da investigação aberta em fevereiro de 2018 após a apresentação de uma denúncia anónima na Procuradoria-Geral da República. Já em relação a José Alberto Alves Pereira, o funcionário da delegação do PS suspeito do alegado desvio de fundos, fonte oficial diz que “a delegação desconhece” se já foi ouvido pelas autoridades.
Delegação do PS informada em 2015 e 2016 do alegado desvio de fundos no Parlamento Europeu
Questionada sobre se o envio da auditoria para o DIAP de Lisboa se prende com a descoberta de indícios de ilícitos criminais, a mesma fonte não respondeu de forma direta à pergunta.”A delegação do PS teve conhecimento de que existe um processo de investigação em curso no DIAP [de Lisboa] e decidiu enviar a auditoria no espírito de total cooperação com as autoridades judiciárias”, lê-se nas respostas escritas enviadas ao Observador.
O caso Alves Pereira e as falsificações primárias
Recorde-se que José Alberto Alves Pereira, assessor da Delegação Portuguesa do Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas & Democratas (S&D) — o nome formal do grupo parlamentar de que faz parte o PS português — é suspeito de alegadamente ter desviado, pelo menos, cerca de 20 mil euros em dinheiro vivo em processos relacionados com 12 visitas realizadas ao Parlamento Europeu por 378 eleitores portugueses do continente, da Madeira e dos Açores. Alves Pereira é o principal suspeito num inquérito criminal aberto no DIAP de Lisboa onde se investiga o desvio de fundos que alegadamente terão sido praticados na delegação socialista.
De acordo com a documentação a que o Observador teve acesso, Alves Pereira terá falsificado documentos originais do Parlamento Europeu, do Grupo S&D e da própria agência de viagens que trabalha com o PS em Bruxelas, recorrendo a um sistema básico de recortar e colar diferentes números relativamente aos custos das viagens de avião e dos hotéis. A forma primária como tal falsificação foi realizada evidencia, por outro lado, a ausência de controlo e de fiscalização que existia não só no próprio Parlamento Europeu, como também na delegação portuguesa. José Alberto Pereira fazia questão em ser pago sempre em numerário e, no total, as 12 visitas em causa custaram aos cofres europeus mais de 205 mil euros. Ou seja, Alves Pereira conseguiu reunir esse valor em dinheiro vivo sem ser devidamente fiscalizado.
Desvio de fundos em dinheiro vivo na delegação do PS no Parlamento Europeu investigado pelo DIAP
A documentação alegadamente falsificada é de 2014 e de 2015 mas, de acordo com as informações recolhidas pelo Observador, a origem do problema remontará ao final da década de 2000. Ou seja, existe a suspeita de que o montante desviado será significativamente superior ao detetado pelo Observador. Mais: Alves Pereira é suspeito de ter falsificado igualmente as assinaturas dos eurodeputados Ana Gomes, Liliana Rodrigues e Ricardo Serrão Santos. Ana Gomes, por exemplo, confirmou ao Observador que a sua assinatura foi alegadamente falsificada.
Delegação do PS foi informada das irregularidades entre 2015 e 2016 mas auditoria só surgiu em 2018
Carlos Zorrinho e dois assessores da delegação do PS no Parlamento Europeu foram indicados na denúncia anónima enviada para a Procuradoria-Geral da República como sendo testemunhas privilegiadas destes factos. Em declarações ao Observador, Ricardo Pires, ex-assessor do PS em Bruxelas, diz que reportou a situação “internamente por duas vezes, entre 2015 e 2016, a um responsável da delegação do PS no Parlamento Europeu” (PE). A denúncia entregue na PGR em fevereiro de 2018 refere igualmente que as irregularidades atribuídas a Alves Pereira eram do “conhecimento de várias pessoas na delegação dos eurodeputados socialistas”.
Desvio de fundos no PS. Ana Gomes confirma que a sua assinatura foi falsificada
Só após o Observador ter confrontado Carlos Zorrinho, chefe da delegação do PS, no dia 21 de novembro de 2018, com as alegadas irregularidades imputadas a Alves Pereira é que foram desencadeados os procedimentos para a realização de uma auditoria interna a todos os processos das viagens dos eleitores geridos por Alves Pereira.
A delegação do PS no PE decidiu igualmente suspender o assessor “de todas as atividades que se relacionem com o processo financeiro da delegação, designadamente da gestão operacional e financeira das subvenções para a deslocação dos grupos de visitantes”, tal como noticiado pelo Observador. Alves Pereira, contudo, continua a frequentar as instalações da delegação do PS no Parlamento Europeu, em Bruxelas. Além de ser um dos assessores mais antigos dos eurodeputados socialistas (terá entrado em 1999 quando Mário Soares foi o cabeça-de-lista do PS), Alves Pereira participa também nas reuniões do Conselho de Administração da Delegação por ser o responsável pelos assuntos administrativos e financeiros da estrutura do PS no PE.
Fonte oficial da delegação do PS confirma que “o funcionário [José Alberto Alves Pereira] mantém o atual vínculo contratual, que termina dia 30 de junho, permanecendo suspenso de funções na área financeira.”