Em fevereiro surgiu um primeiro aviso, mas agora é a doer: se Portugal fizer um acordo com a chinesa Huawei para as infraestruturas 5G os Estados Unidos vão mudar de atitude quanto à partilha de informação secretas e sensíveis. Isto apesar de Portugal ser um dos mais antigos aliados dos Estados Unidos e veterano parceiro na NATO.

A posição mais dura dos Estados Unidos — ou, se quisermos, o alargar à Huawei da posição mais forte que Washington já tinha tido em relação à OPA chinesa [falhada] sobre o restante capital da EDP — foi deixada esta quarta-feira pelo embaixador norte-americano em Lisboa, George Glass, num encontro com alguns jornalistas portugueses.

Se o relacionamento [entre Portugal e os EUA] muda? Sim, acho que tem mesmo de mudar. Portugal é o nosso segundo mais antigo aliado e não tem havido brechas entre nós há muito tempo. (…) parte disso traduz-se na partilha de informação que só podemos ter com um aliado, especialmente com aliados da NATO, a um nível que não existe com muitos países em todo o mundo. Se isso não for seguro, se os meios para a entrega [dessa informação sensível] não forem seguros, a relação tem de mudar. Temos de pensar numa nova maneira para comunicar esse estilo de informação”, avisou o embaixador.

É a primeira vez que diplomacia norte-americana é tão clara quanto à posição que vai adotar se Portugal optar pela Huawei no 5G, que é a próxima evolução das telecomunicações. “Quando fui questionado sobre isso com os [responsáveis] portugueses, respondi da mesma forma: ‘Sim, isto vai mudar a forma como trocamos informação secreta ou informação sensível”, insiste o embaixador. “Mas não significa que não sejamos aliados, que não sejamos amigos”, contrapõe.

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A preocupação dos norte-americanos não surge do nada. Em dezembro, na visita do presidente chinês a Portugal, Xi Jiping, a Huawei e a Altice assinaram um memorando de entendimento para a empresa ser a primeira a criar as infraestruturas de redes 5G em Portugal. Meses depois, o gigante chinês teve de esclarecer que esta parceria não passa de um memorando, que não vincula a Altice a nada.

O que é certo é que este memorando surpreendeu os EUA, que puderam em marcha um conjunto de iniciativas para bloquear a entrada da Huawei, a começar pela vinda a Portugal do máximo responsável da Comissão Federal de Comunicações, a FCC, Ajit Pai. A FCC é a homóloga norte-americana da ANACOM.

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“Houve um momento de surpresa durante a visita do Presidente Xi, quando foi assinado um memorando de entendimento sobre o 5G. Por isso viemos a terreiro sobre isso. Quer dizer, trouxemos cá o Chairman da FCC para falar sobre isto. Não sei de ninguém com mais conhecimento que eu pudesse trazer cá”, recordou George Glass. Seguiram-se reuniões privadas com o governo português e posições públicas cada mais duras. Objetivo? Fazer com que Lisboa passe a encarar esta questão não como uma oportunidade de fazer (mais) um negócio com a China, mas sim como uma questão de segurança nacional.

O embaixador George Glass considera que agora, e sublinha o “agora”, o governo de António Costa já vê o tema por esse prisma. E di-lo a propósito de declarações recentes do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa no decorrer da recente visita oficial à China, quando disse que, apesar das pressões, Portugal “está muito à vontade”, porque “o Governo português tem regras” garantir a “segurança, a isenção, a transparência”, bem como “todos os princípios próprios de um Estado de direito democrático”.

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E mais, de acordo com o Presidente da República, o Estado português continua a ser “livre de escolher quem melhor cumprir as regras e quem estiver em condições de ser escolhido. Não está vinculado por acordo entre privados, ainda não se descobriu essa figura”.

O embaixador americano diz que Marcelo foi ponderado na sua declaração. Aliás, tinha dito antes, não  seria avisado por parte dos EUA — “um país que faz triliões de dólares em negócios com a China – dizer a Portugal que deve ou não fazer negócios com o gigante asiático.

“Mas a única coisa que não foi mencionada é que agora o governo em Portugal pensa que o 5G é uma questão de segurança nacional. Isso é extremamente importante para nós”, notou George Glass. E conclui: “a segurança nacional não é barata, não é fácil. Mas temos de fazer o que é melhor”.

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A Huawei tem, reiteradamente, afirmado que as preocupações manifestadas por países como os Estados Unidos, relativamente a cibersegurança e ingerência do governo chinês na empresa, são infundadas. Aliás, a empresa insinua que esta pressão se deve ao facto de estar estar à frente de empresas norte-americanas no que toca à inovação de redes, e logo numa tecnologia que será a principal tendência para o futuro das telecomunicações.

George Glass desconfia. “No que toca ao 5G… eu fui banqueiro de investimento em tecnologia durante 30 anos. Isto é algo com que vivi, cresci, bebi e comi. Sou um grande crente na inovação americana, na inovação ocidental, na inovação europeia. A cena da China não é a inovação. Quando entras no caminho do 5G, onde aqueles algoritmos são criados por ti, não podes recuar”, aponta.

Ou seja, quem alinhar com a Huawei tem de aguentar um compromisso de, pelo menos, duas décadas. “Os países que entrarem por esse caminho vão perder duas décadas de inovação ocidental. Para mim, isso é um ‘crime’”, disse. O custo é apetecível, admite, mas “o produto não é assim tão bom”. “Isto não é tecnologia de ponta”.

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O embaixador norte-americano tem sido muito crítico em relação à entrada da China nas infraestruturas críticas em Portugal, seja na elétrica EDP, seja na gestão das redes de transmissão energética, na REN, seja noutros setores. E tudo enquadrado na estratégia global “Belt and Road”.

“Isso não os incomoda? Não os incomoda que um país esteja a formar todas estas entidades [empresas chinesas], que as subsidie?”. E estão a fazê-lo a um ritmo frenético, diz.

“Eles apressaram a coisa, foi uma corrida para serem os primeiros a chegar ao mercado. É contrário a muitas das coisas que os chineses fazem e é interessante que o tenham feito na EDP e no 5G. Vejam bem a urgência com que eles estão a empurrar isto. Dizem: ‘Não, não. Não esperem pelo Ocidente, não vejam o [produto] que [as empresas ocidentais] estão a fazer. Optem pelo nosso, porque vamos fazê-lo barato. Subsidiamo-lo para que não vos custe muito. Subam a bordo. Porquê? Porque ainda não há questões regulatórias. O que fizeram na EDP? ‘Queremos comprar a EDP, mas tem de ser já, temos de o fazer já. Porquê? Porque ainda não há regulação contra isso”.