Três anos, sete meses e 22 dias. António Costa voltou à sala onde, a 4 de outubro de 2015, lançou timidamente a ideia de um PS apoiado pela esquerda. Nessa noite, a esmagadora maioria do PS saiu dali baralhado com o que queria afinal o líder que perdera eleições e a quem, ainda assim, pedira para não abandonar o barco. Ninguém percebia muito bem se devia erguer ou baixar a cabeça. Agora, no regresso à mesma sala (“Londres”, nome sensível para uma noite europeia), o líder-pós-geringonça aparece nos antípodas daquela incerteza: reclama uma vitória clara, diz sem rodeios com quem não quer governar e faz saber que está aberto “a outras áreas e outras temáticas” na “geringonça”. E a noite eleitoral nem era, teoricamente, a sua.

A verdade é que já estava tudo claro desde o início da noite das europeias, com os dois púlpitos que estavam prontos no palco socialista a mostrarem que o resultado que dali saísse teria uma leitura bem além da Europa. Ao lado do cabeça de lista às Europeias Pedro Marques, estaria António Costa a reclamar o que houvesse a reclamar para o PS. Mas o primeiro a descer à sala de todas as declarações para reivindicar uma leitura nacional dos resultados europeus foi Carlos César.

O presidente do partido considerou que os resultados (na altura ainda não fechados) “também dão ao PS razão no sentido do entusiasmo da energia” para “disputar com uma vitória as próximas legislativas para a Assembleia da República”. Estava feita a primeira nacionalização de resultados — depois das críticas da direita ao PS durante a campanha de nacionalização das Europeias — e até já com deixas para a etapa seguinte. Para outubro deste ano, o PS promete já “diálogo com os outros partidos para voltar a ter um Governo com um período de estabilidade correspondente ao da legislatura”.

O “interprete autorizado” de António Costa — foi o próprio líder socialista que o disse — acrescentava que existe uma “experiência de trabalho, uma proximidade adquirida que privilegia diálogo ” com os “parceiros atuais”, mas logo depois atirou: “São necessárias também outras áreas, outras temáticas outro impulso reformista que deve ser desencadeado na sequência das próximas eleições”. E deitou a responsabilidade para o lado dos outros partidos que possam estar interessados numa relação futura: “Veremos qual a resposta dos partidos políticos portugueses, e em especial dos partidos à nossa esquerda, que têm sido nosso aliados, para o imperativo dessa mudança e para uma governação eficaz e com sentido social”. Ou o PCP, BE e Verdes alinham no que é preciso de novo, ou o PS pode fazer-se a outras estradas.

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R.I.P, Bloco Central. E calma, PCP

Há uma que fica, no entanto, claramente bloqueada. Depois de sublinhar a “derrota da direita”, António Costa sepultou o Bloco Central. “A atual solução assegurou boa estabilidade política e bons resultados económicos e sociais. Não há nenhuma razão para alterar o que produziu bons resultados”, disse repetindo do alto dos 33% que o PS somava, para os menos 11 pontos percentuais que detinha o PSD.

Depois ainda acrescentou mais, para não deixar margem para dúvidas. Disse que “no nosso sistema partidário há dois partidos que podem criar alternativas de Governo”, referindo-se a PSD e PS. Assumiu que “em condições extraordinárias de unidade nacional” trabalhará “com certeza” com o PSD, mas não seria saudável uma grande coligação do PS e PSD. “Isso enfraqueceria a democracia”.

Tanto Costa como César — tal como Ana Catarina Mendes também já o tinha feito logo ao início da noite — vieram sublinhar o “reforço dos partidos que sustentam o Governo”, ao mesmo tempo que apontavam a “clara derrota da direita”. “Os partidos que apoiam o Governo não tiveram essa derrota, pelo contrário tiveram uma vitória”, disse o próprio António Costa tentando controlar os danos da noite comunista para a sua própria solução política.

Até porque àquela hora ainda se faziam contas ao décimo mandato no Parlamento Europeu para o PS (ainda em aberto à hora da publicação deste artigo), que estava em disputa precisamente com o PCP. Perante o risco de os comunistas poderem perder mais um eurodeputado (passando de três para um por causa deste lugar em disputa com os socialistas), um dirigente do PS dizia ao Observador que “com um resultado tão bom do PS, mais valia eles conseguirem eleger o segundo”. Seria uma pressão a menos sobre o PCP e, claro, sobre eventuais futuros entendimentos que possam aceitar ter com os socialistas.

O copo meio cheio da redução da extrema-direita e o fim do “poucochinho”

Ao seu lado estava o candidato vitorioso, embora Costa lhe deixasse pouco palco — ainda que tivesse deixado aberto o caminho para ser “tudo o que desejar ser “na União Europeia, quando questionado sobre a hipótese de Pedro Marques poder vir a ser comissário. Até sobre acordos na frente europeia foi Costa que falou, tal como o fez também durante toda a campanha, apoiando a tal frente progressistas europeia contra o crescimento dos extremismos.

Nesse período deu mesmo como exemplos da necessidade de abrir o leque contra o populismo, incluindo forças que fossem de Alexis Tsipras a Emmanuel Macron. Ora, ambos saíram derrotados nesta noite eleitoral. Questionado sobre essas baixas, o líder socialista preferiu destacar que a extrema-direita “elegeu 57 deputados de 751” e que “valorizar uma ultra minoria à escala europeia é um péssimo serviço à democracia”. A sua convicção é que “há hoje uma frente democrática e progressista no Parlamento Europeu”. Se ela vai servir para negociar os cargos que António Costa ambiciona para os socialistas, essa é uma teima que tirará nas próximos dias.

Mas se na Europa ainda vive a incerteza de conseguir o que quer (um socialista à frente da Comissão, para suceder a Juncker), já não se pode dizer o mesmo quanto ao plano nacional. E nesta noite — ao contrário daquela de há três anos, sete meses e 22 dias — houve outro fantasma que acabou por enterrar, o do “poucochinho” (a classificação do resultado nas Europeias de 2014 do PS liderado por António José Seguro — que apeou da liderança).