Assunção Cristas, na apresentação do seu livro Confiança, teve um momento Gabriela: eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim, vou ser sempre assim: Assunção. Não o disse desta forma, mas a líder sintetizou a ideia numa frase curta,  enquanto chorava e de voz embargada: “Isto é o que eu sou“. Mas o dia não era de choro, era de otimismo e, embora que tímido e meio disfarçado, lá veio durante a intervenção o sonho de ser primeira-ministra: “Este livro não é um programa eleitoral, nem programa de governo. Quem sabe, um dia“.

Por falar em governo, a experiência governativa também foi lembrada na sessão de lançamento do livro. Com uma presença e uma ausência de peso: Passos Coelho esteve presente, Paulo Portas não. A pontualidade da sessão — que não durou mais de uma hora — poderá ser uma das razões para a ausência do mentor político de Assunção Cristas. Maria Luís Albuquerque também fez questão de estar presente, numa sala do El Corte Inglés que estava cheia, além de existirem ainda várias pessoas do lado de fora, que não tiveram espaço para entrar.

Cristas regressa como mulher-mãe-política. Crítica da “política sem espaço” e das mulheres pouco interventivas

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O CDS quer recuperar a marca Assunção para as legislativas e o livro é uma ajuda. Ou melhor, uma auto-ajuda. A ideia é evidenciar o lado humano (e também político, embora mais suave) da líder, que já deu frutos nas autárquicas, com um resultado muito acima daquilo que se pensava serem as possibilidades dos centristas. As europeias correram mal ao CDS, mas é tempo de secar as lágrimas e contrariar a imagem do Titanic em que, ao lado de Nuno Melo, a líder não conseguiu evitar o icebergue.

Talvez não tenha sido ao acaso que o seu amigo de longa data, Pedro Mexia, utilizou essa figura: “A Assunção é das pessoas mais otimistas que conheço. Tenho a certeza de que no Titanic ela manteria a calma. Tem uma grande capacidade de superação.”

Voltando à auto-ajuda, Cristas disse, sobre ela própria, que era uma pessoa otimista, confessou que foi muito influenciada pelo livro “Educar para o otimismo”, considera o “otimismo performativo” e que o “otimismo transforma as coisas”. Daí que não tenha problemas em autodenominar-se “ativista do otimismo”. Minutos mais tarde, questionada sobre se este não era um ponto em comum com António Costa, Cristas respondeu que “felizmente há muitas pessoas otimistas no nosso país” e que “muitas vezes” é “crítica do primeiro-ministro”, mas não certamente pelo “otimismo”, que considera uma “coisa positiva”.

No brevíssimo resumo da sua vida que fez — a sessão foi mesmo curta comparada com outros livros de políticos, por norma muito longos — Cristas lembrou que ao longo da vida se cruzou “com gente maravilhosa” e que mesmo “aqueles que não são, podem um dia ser”. Questionada pelos jornalistas sobre se Costa podia ser uma dessas pessoas maravilhosas um dia, Cristas não fugiu do guião: “Hoje estou aqui para falar do meu livro”.

Cristas continua a definir-se como uma “professora universitária” e destaca que é essa a sua profissão: “Dizem que dei uma aulas. Não é verdade. Eu sou professora universitária. É essa a minha profissão”. A política, conta, é algo que lhe surge como um sentido de “missão”, como a resposta a um “desassossego” que sentia.

A líder do CDS contestou também a ideia de que este é um “livro para elas”, destacando que “é para elas e para eles”. Quanto a eles, a líder do CDS voltou a lembrar a importância do marido — que escreveu o prefácio do livro — como apoio fundamental na sua carreira (“Tudo isto seria impossível sem o Tiago”). O próprio conta no livro como foi ele a tomar conta dos filhos quando Cristas estava em ações de campanha. Chega, por exemplo, a fazer as feiras ao contrário, para evitar a confusão. Ou, noutro caso, como viu o boato de que era representante da uber em Portugal durante a guerra que opôs taxistas e uber.

A intervenção de Cristas foi mesmo muito curta, mas teve tempo de ler um poema da brasileira Adélia Prado, chamado “Com licença poética”, que aborda de forma crítica a ideia retrógada de que há certas funções que não são para mulheres, e termina da seguinte forma:

Vai ser coxo na vida é maldição pra homem

Mulher é desdobrável. Eu sou”

Assunção Cristas transmitiu calma e serenidade. Pouco antes, Pedro Mexia confessava que estranhava ver uma versão da amiga “agressiva”, como às vezes via nos debates quinzenais com o primeiro-ministro. Embora logo o justificasse com uma pequena farpa a Rui Rio: “Essa agressividade não corresponde à pessoa. Talvez seja pela necessidade de se chegar à frente como oposição ativa, por oposição à passiva, que também existe“. Lembrou também que nunca a imaginou política e que no liceu nunca lhe vislumbrou interesse pela política partidária.

Mexia abordou também a questão do livro ter uma “dimensão feminista”, embora não necessite de “ismos”. A esse propósito, lembrou o celeuma em torno do famoso vestido de kiwis que utilizou durante uma entrevista, depois de já ter utilizado um vestido de pêras (da mesma coleção da estilista Katy Xiomara) durante a festa do Pontal. O caso dos kiwis, lembra o crítico literário, é um exemplo de que os homens, ao contrário das mulheres, são “poupados a comentários físicos ou sobre vestimentas”. No caso das mulheres, lembra, “antes de se chegar à política, há toda a maneira de as qualificar: ‘Como era o vestido?’

Cristas lembrou que parte do livro era o seu discurso intimista no congresso de 2016. Já no congresso de 2018, em Lamego, ficou na memória a forma como entrou no palco para último discurso. Mais do que vestia, foi o que passava nas colunas. “There’s Nothing Holdin’ Me Back”, de Shawn Mendes. Era essa a mensagem, que agora volta a ser: não há nada que a possa travar. A ela, Assunção Cristas. Aquele que já foi o partido dos eurocéticos, dos pensionistas, dos agricultores, até o outubro será o partido da Assunção. É essa a estratégia, da qual o livro faz parte.