A União Europeia (UE) está apostada em melhorar a qualidade do ar que se respira e em reduzir a percentagem de dióxido de carbono na atmosfera que, apesar de não ser um poluente, provoca o efeito estufa responsável pelas alterações climáticas. Esta é uma tarefa ciclópica, com várias áreas de intervenção, e começa logo pelo ataque à produção de energia eléctrica através da queima de carvão – prioritária por ser de longe a mais poluente –, derivados de petróleo e até mesmo gás natural, concentrando-o progressivamente em fontes renováveis.

Depois de definida a estratégia para a produção de electricidade, a UE concentrou-se nos transportes, tendo começado pelos veículos ligeiros. Não por serem os mais problemáticos, mas por serem os mais fáceis de alterar, uma vez que o investimento é deslocado para o lado dos fabricantes. Daí a electrificação dos veículos com motor convencional e a evolução dos modelos eléctricos, alimentados por baterias ou a célula de combustível, em reflexo de limites cada vez mais apertados das emissões de CO2.

Para quem é prioritário o gás natural?

Com o problema dos veículos ligeiros ‘resolvido’, a UE concentra-se agora nos transportes pesados (camiões de longo curso e autocarros de transporte público) e navegação marítima, cuja operação é mais poluente do que se possa pensar, porque se tratam de veículos que devem estar sempre em movimento. Logo, a poluir para serem rentáveis.

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Obrigar os pesados (e os navios) a aderir à motorização eléctrica alimentada por baterias não faz muito sentido de momento – apesar da Tesla e da Nicola continuarem a trabalhar nesse sentido –, e a solução defendida pela Toyota, eléctrica mas com recurso às células de combustível a hidrogénio, ainda não está madura o suficiente, ainda que esteja a ser prometida para este ano.

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A única solução em cima da mesa para cortar as emissões de forma considerável, e passível de ser implementada de imediato, é o gás natural. Os cientistas concordam – digamos que foi uma decisão muito menos polémica do que o investimento em carros eléctricos – e Bruxelas apressou-se a anunciar que o gás de petróleo liquefeito (GPL) era para descontinuar e que o gás natural era a sua nova aposta.

O que tem de “mágico” o gás natural?

Face à gasolina e ao gasóleo, o gás natural só tem vantagens. É queimado em motores que já conhecemos bem, essencialmente unidades a gasolina adaptadas, enquanto a sua combustão é praticamente isenta de partículas –  produz menos 75% a 85% de óxidos de azoto (NOx) e gera 25% menos de CO2. Mais importante do que isso, é mais barato e os veículos preparados de fábrica para circular com este gás custam sensivelmente o preço de um concorrente a gasolina e substancialmente menos do que um veículo similar com motor a gasóleo.

Se está a interrogar-se como é que a UE tem a certeza de conseguir implementar este novo combustível, sempre lhe podemos dizer que tem um trunfo que lhe garante o sucesso: o custo. Um veículo que consuma gás natural veicular garante uma economia de 50% face a um modelo semelhante a gasolina e 40% face a um diesel. E este é um argumento a que a maioria dos condutores (e respectivas empresas) será muito sensível. E se ainda tem dúvidas sobre o sucesso, basta ver o que aconteceu em Itália, onde 30% a 40% do parque circulante é a gás natural, com a Alemanha e a Espanha a crescerem rapidamente.

Tanto esforço para poupar apenas 25% de CO2?

O objectivo da UE é atingir muito mais do que esta economia de 25% de CO2. Isso estaria garantido caso se continuasse indefinidamente a consumir gás natural extraído do subsolo. O que Bruxelas quer é usar este gás, mas não o importado do norte de África, da Rússia ou de qualquer outra proveniência. A ideia para minimizar o impacto ambiental é produzi-lo em Portugal e a partir de fontes renováveis, como aquele que é gerado em Mirandela, numa das instalações da Dourogás. A partir da degradação, na ausência de oxigénio, de matéria orgânica, a empresa produz biogás. Este depois é enriquecido, até poder ser utilizado para produzir gás natural, onde cerca de 90% é metano.

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Segundo a Dourogás, chegam diariamente às instalações de Mirandela três camiões de lixo, carregados com resíduos urbanos, que aproveitam para encher o depósito com o gás ali produzido para continuar os seus percursos. É a chamada “economia circular”, com a Dourogás a informar que vai criar cinco novos projectos de biogás similares ao de Mirandela. Ainda segundo a empresa, utilizar os resíduos urbanos para produzir biogás permite um aproveitamento energético de 90% dos resíduos, um valor bem superior aos 30% que se conseguiriam caso fossem queimados nas centrais para produzir electricidade.

Posto de abastecimento custa 1 milhão de euros

A pergunta “onde é que posso abastecer de gás natural” tinha como resposta, até há bem pouco tempo, “só há um posto de abastecimento em Lisboa e outro no Porto”. Hoje, porém, já há 14 postos de abastecimento, segundo Jorge Figueiredo da Associação Portuguesa do Veículo a Gás Natural, sendo que 10 pertencem à Dourogás e os restantes quatro à Galp. A rede, ainda embrionária – a uma distância enorme dos 1.252 postos de Itália, 854 da Alemanha, 177 da Holanda, 87 da França e até dos 67 locais onde abastecer existentes aqui ao lado, em Espanha –, promete crescer rapidamente, pois à actual pressão dos veículos pesados juntam-se os autocarros e, em breve, os táxis.

A rede de distribuição portuguesa destina-se a alimentar os camiões que circulam no nosso país, para já através das principais vias, mas sobretudo os que rumam à Europa. Mas todos os postos estarão acessíveis para os veículos ligeiros que recorram a gás natural. Enquanto os camiões enchem os seus tanques com gás natural liquefeito (GNL), a uma temperatura de 162ºC negativos, para se manter em estado líquido e assim ocupar 600 vezes menos volume do que no estado gasoso, os veículos ligeiros atestam com gás natural comprimido a 200 bar (GNC, também conhecido como gás natural veicular) para rentabilizar o investimento.  Fundamental, tanto mais que cada posto de abastecimento tem um custo de 1 milhão de euros, de acordo com a Dourogás. Daí que, par rentabilizar o investimento, cada posto forneça ambos os combustíveis, GNL e GNC, o que significa que a rede concebida prioritariamente para os pesados,vai servir igualmente os ligeiros.

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Os automóveis ligeiros têm vantagens no GNC?

De acordo com António Calvo, o responsável pelo programa de mobilidade da Seat, em Barcelona, sim. Afirma o técnico, que tem acompanhado o rápido crescimento da rede espanhola de abastecimento de GNC e GNL, que o GNC permite o menor custo por quilómetro face aos combustíveis tradicionais. Garantindo que um veículo como o Seat Ibiza percorre 100 km com apenas 3,24€, o mesmo Ibiza com motor TDI percorreria com a mesma verba 61 km e somente 49 km caso estivesse equipado com um motor TSI a gasolina.

Um motor a GNC, basicamente um motor a gasolina adaptado para queimar este gás (além de estar equipado com depósitos para alojar o GNC), fornece ao condutor a mesma potência e força de um motor a gasolina convencional. Mas se o depósito de gasolina estiver limitado a 15 litros, o proprietário (caso seja uma empresa) tem ainda a vantagem de recuperar 50% do IVA do veículo e a mesma percentagem dos custos relacionados com combustível. Beneficia ainda de 40% de redução do ISV, o mesmo acontecendo com a contribuição autónoma (consoante os escalões, paga 7,5% em vez de 10%, 15% em vez de 27,5% e 27,5% em vez de 35%).

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Para a Seat, o futuro da mobilidade passa pelos veículos eléctricos. Mas se estes podem satisfazer muitos, não vão conseguir servir a todos, segundo o próprio Rodolfo Florit, o director-geral da Seat Portugal. O responsável pela marca prevê maiores dificuldades para os que habitem fora dos grandes centros urbanos ou não tenham acesso fácil a postos de carga, além dos que percorram diariamente grandes distâncias. É para todos estes que a marca espanhola oferece hoje uma gama de quatro veículos (Ibiza, Arona, Leon de 5 portas e Leon ST), todos eles com versões a GNC (denominadas TGI) praticamente pelo mesmo preço das que montam motores a gasolina (TSI) e com potências entre 90 e 130 cv.

Indiscutível é o facto de os modelos a GNC permitirem um custo muito baixo por quilómetro, conseguindo percorrer com apenas 20€ um total de 642 km, melhor pois do que os 371 km dos modelos que usam GPL, 302 km diesel e 276 km dos motores a gasolina. Se, por outro lado, considerarmos as emissões de CO2 “well to wheel”, ou seja, de todo o processo, da extracção do gás à roda do carro, o GNC (103 g) consegue bater as unidades a gasolina (132 g) e diesel (109 g), com esse valor a baixar para apenas 24 g se o GNC tiver sido gerado com base no biometano. Este valor só será possível de ultrapassar pelos veículos eléctricos quando estes recarregarem com energia que não tenha origem na queima do carvão ou de derivados de petróleo e seja assegurada por fontes renováveis.