Para o Governo, o dia foi longo. Começou logo de manhã, com o primeiro-ministro na sede da Proteção Civil, em Carnaxide, a monitorizar o cumprimentos dos serviços mínimos pelos motoristas no primeiro dia de greve. Apesar disso, três ministros do Executivo socialista ainda arranjaram forças para ir às televisões comentar a decisão de decretar uma requisição civil, já de noite. E não estiveram desalinhados.

O primeiro a falar foi José Vieira da Silva, na RTP3. O ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social começou por lembrar o que mais tarde Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação, diria também na televisão (mas num canal concorrente): que “não está em causa o direito à greve, mas a greve não tem um valor absoluto. Temos que levar em consideração as condições de vida, a situação de bem-estar, a situação dos sistemas de saúde”. A primeira frase viria a ser reproduzida quase ipsis verbis por Pedro Nuno Santos, que trocou “valor absoluto” por “direito absoluto” para também ele lembrar que a greve “pode entrar em contradição com outros direitos que devem ser igualmente protegidos”.

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Afirmando que os serviços mínimos decretados pelo Governo para os motoristas de matérias perigosas, para este greve, não foram assim tão diferentes daqueles que foram decretados em abril — ainda que tenham sido considerados excessivos quer por motoristas que exibiram cartazes em que se lia “serviços máximos”, quer por um advogado ouvido pelo Observador —, Vieira da Silva abriu caminho à requisição de civis e militares para condução de pesados que transportem combustível, como enquadrável na lei:

Estão a ser mobilizadas centenas ou mesmo milhares de pessoas, algumas delas com funções muito importantes na nossa sociedade, para uma necessidade de todos nós”, apontou.

Nas suas declarações à RTP3, o ministro socialista do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social  apontou para a necessidade de se “encontrar uma solução” com urgência: “É bom que as partes se apressem. Não creio que o país possa estar muito tempo [paralisado]”. Na TVI, o seu colega de Governo Pedro Nuno Santos reforçou a ideia mas de forma ainda mais explícita: expressou mesmo o desejo — e por duas vezes — de que a greve “termine” e seja “cancelada” o “mais depressa possível”.

Ligeiramente dissonantes estiveram os dois ministros na avaliação da decisão de requisição civil. Embora ambos tenham sublinhado a gravidade do incumprimento de serviços mínimos quando há uma medida destas em vigor, Vieira da Silva admitiu que é “já uma medida muito pesada”. Já Pedro Nuno Santos preferiu destacar que a resposta, sendo necessária, é “equilibrada” face a uma greve “que tem um impacto tão brutal sobre todos nós”.

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Se o ministro das Infraestruturas optou por lembrar que as penas aplicáveis a quem não cumprir a requisição civil são matéria judicial, “já não é com o Governo”, Vieira da Silva preferiu discorrer um pouco mais sobre o que dali pode resultar: “Há quem possa pensar que não há consequências. Mas haverá. Tem que haver, senão é o próprio poder do Estado que é posto em causa. Se alguém pensa que reage à requisição civil como reagiu aos serviços mínimos está enganado, porque o quadro legal das duas figuras é diferente”.

É bom que aqueles que são envolvidos por esta decisão façam a mesma reflexão: se vale a pena continuar a desafiar aquilo que são leis da República. A greve não pode servir para, de alguma forma, paralisar um país por causa de um conflito parcial”, concluiu Vieira da Silva.

Quer o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, quer o ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, mostraram-se menos cautelosos e mais otimistas quanto aos próximos dias. O segundo disse, em declarações à SIC Notícias: “Não tenho a mais pequena dúvida de que os trabalhadores vão cumprir. Há uma requisição civil, não a cumprir é de facto crime e obviamente os trabalhadores amanhã de manhã vão cumprir”. Já Pedro Nuno Santos afirmou: “Nem nos passa pela cabeça que a requisição civil não seja cumprida, estaríamos a falar já de uma situação demasiado grave.”

Outrora considerado um dos jovens turcos do PS, com grande importância na articulação entre o atual Governo socialista e os parceiros de esquerda (BE e PCP) no Parlamento, Pedro Nuno Santos quis deixar claro que a sua posição não é uma posição de princípio contra o movimento sindical e contra a luta laboral dos trabalhadores. Foi mais longe e deixou mesmo elogios a um sindicato afeto à CGTP, a FECTRANS, que está a negociar com a ANTRAM com maior sucesso do que o registado pelo sindicato independente de Pardal Henriques. “Prova que a defesa dos direitos dos trabalhadores pode ser feita de outra forma. Há outras formas menos penosas para se conseguir concretizar objetivos que passam por melhorar condições de trabalho e a dignidade dos motoristas”, referiu mesmo.

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Um dos pontos em que Pedro Nuno Santos e Matos Fernandes mostraram também estar alinhados foi na preparação do Governo para responder à greve. Se Pedro Nuno Santos afirmou que “quando dissemos que o governo se estava a preparar era a sério”, Matos Fernandes recordou a anterior greve dos motoristas em abril para afirmar: “Estamos [agora] mais bem preparados para resistir e conviver com uma greve como estas”.