Elisa Ferreira já foi escolhida como comissária, já tem pasta atribuída, mas ainda tem de passar pela aprovação do Parlamento Europeu. Contudo, antes da audição prevista para 2 de outubro, está já a enfrentar críticas de eurodeputados por um eventual conflito de interesses. Isto porque a portuguesa vai gerir a pasta que integra os fundos regionais e o marido, Fernando Freire de Sousa, é presidente da CCDR-Norte, uma das entidades responsáveis pela aplicação de uma boa parte dos fundos comunitários no terreno. Alguns eurodeputados levantaram o assunto e o jornal belga Le Soir apresenta Elisa Ferreira como o “sexto caso problemático da comissão Von der Leyen”.

Uma das críticas mais duras é da eurodeputada francesa do grupo dos Verdes. Marie Toussaint atacou publicamente a futura comissária portuguesa e através do Twitter escreveu: “A portuguesa Elisa Ferreira era vice-governadora do Banco de Portugal quando um banco estatal financiou o projeto de uma empresa cujo vice-presidente era seu marido. Agora é nomeada para os fundos regionais pelos quais o marido é responsável por esses fundos para Portugal. Keep cool”.

O primeiro caso referido por Marie Toussaint foi noticiado pelo jornal Eco em fevereiro e dava conta que Fernando Freire de Sousa era vice-presidente da La Seda Barcelona quando, em 2006, a Caixa Geral de Depósitos começou a sua ligação ao grupo espanhol na Artlant, em Sines, e que veio a custar mais de 250 milhões de euros ao banco público. Apesar disso, Elisa Ferreira não pediu qualquer escusa, já que — apesar de o seu marido ter feito parte do grupo espanhol — a então vice-governadora do Banco de Portugal considerava não existir qualquer incompatibilidade nas decisões que o Banco de Portugal iria tomar sobre a auditoria da EY à CGD.

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O segundo caso é, mais uma vez, um caso de família no PS a atrapalhar as funções públicas. Elisa Ferreira, com a pasta da Coesão e Reformas, tem de facto nas suas mãos os fundos comunitários. Problema: a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte é das entidades em Portugal com mais relação com os fundos comunitários, uma vez que é responsável pela sua aplicação no terreno.

O Código de Conduta diz que os membros da comissão “devem evitar qualquer situação suscetível de originar um conflito de interesses, ou que possa razoavelmente ser percebida como tal”. E explica que “há conflito de interesses sempre que um interesse pessoal possa influenciar o exercício independente das suas funções”. Especifica ainda que os “interesses pessoais incluem nomeadamente, mas não exclusivamente, qualquer potencial benefício ou vantagem para si próprios, os respetivos cônjuges, parceiros ou familiares diretos.”

Naturalmente que mesmo que a CCDR-Norte fosse beneficiada pela comissária portuguesa não seria um benefício pessoal de Fernando Sousa, mas a ligação pode ser “percebida” como conflito de interesses, uma vez que pode, no mínimo, condicionar a leitura que é feita de cada decisão da comissária sobre um projeto da responsabilidade da CCDR do Norte.

Excertos do Jornal Oficial da União Europeia que define o conflito de interesses para membros da comissão

Certo é que, na declaração de interesses entregue em Bruxelas, Elisa Ferreira vai ter de indicar a “atividade profissional do cônjuge”, o que consiste em “indicar a natureza da atividade, a denominação das funções exercidas e o nome do empregador”.

O editor de Internacional do Le Soir e correspondente em Estrasburgo (e Bruxelas), Jurek Kuczkiewicz, já registou  num primeiro tweet que Elisa Ferreira é um “caso problemático” porque “gere a Coesão (incluindo os fundos estruturais), ao mesmo tempo que o seu marido é presidente da CCDR-N, o organismo que distribui os fundos estruturais da região Norte de Portugal”.

No artigo do Le Soir (edição fechada), Jurek Kuczkiewiz escreve que Elisa Ferreira pode ser uma espécie de trunfo que o PPE utilizará caso os socialistas levantem problemas ao comissário da Hungria. O artigo destaca que “mesmo que o marido da comissária não tenha interesse pessoal, uma vez que está a presidir a um órgão público (…) ” é provável que quem “vai julgar em Bruxelas e Estrasburgo” considere que as “funções dos dois cônjuges não são muito compatíveis”.

Fernando Freire de Sousa está na CCDR-Norte desde 2017, que responde, a nível europeu, à Direção-Geral de Política Regional, que, por sua vez, é tutelada por Elisa Ferreira. O Observador tentou contactar a comissária, bem como a sua assessoria, mas não foi possível uma resposta até à publicação deste artigo.

Já esta quinta-feira, 19, o assunto foi debatido na Comissão de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu, mas o eurodeputados daquela comissão consideraram que não havia lugar para conflito de interesses, uma vez que o entendimento é que o marido de Elisa Ferreira é um dirigente público, portanto nunca retiraria “beneficío pessoal” da relação conjugal.

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Também esta quinta-feira a porta-voz da Comissão Europeia, Mina Andreeva, foi questionada sobre um eventual conflito de interesses de Elisa Ferreira por o marido ser presidente da CCDR-Norte. Mina Andreeva, citada pela Agência Lusa confirmou que a portuguesa interpelou a comissão: “Posso confirmar que a comissária indigitada Elisa Ferreira contactou os serviços da Comissão sobre uma questão relacionada com um aspeto da sua declaração de interesses[financeiros]. Estamos a analisá-la e providenciaremos aconselhamento sobre essa matéria. Entenderá que não o faremos nesta sala de imprensa”.

Artigo atualizado às 12h11 de quinta-feira, 19 de setembro, com reunião da comissão de assuntos jurídicos e com declarações da porta-voz da Comissão na conferência diária.