Só depois de indigitado primeiro-ministro — o que pode acontecer já esta terça-feira — é que o líder socialista vai começar os contactos formais que anunciou no discurso de vitória, no domingo à noite. Segundo confirmou o Observador, António Costa não demorará mais de 24 horas a iniciar os contactos formais com os partidos depois de indigitado. Aliás, o primeiro-ministro conta ser indigitado já esta terça-feira e já pediu reunião ao Bloco de Esquerda, ao PCP/PEV, ao PAN e ao LIVRE para a próxima quarta-feira.
A delegação do PS também já está definida: será composta por António Costa, Carlos César, Ana Catarina Mendes e Duarte Cordeiro. Pedro Nuno Santos, que ao longo dos últimos quatro anos foi o pivô do Governo nas negociações com os partidos à esquerda do PS, não estará na mesa das negociações. O Ministro das Infraestruturas e da Habitação será substituído por quem lhe sucedeu no cargo de Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: Duarte Cordeiro. As reuniões vão ocorrer nas sedes dos respetivos partidos, o que significa que António Costa fará um autêntico périplo na quarta-feira em busca de condições de governabilidade.
O Presidente da República fez saber logo esta segunda-feira que espera “ainda amanhã [terça], se for possível, receber em Belém o primeiro-ministro que vier a resultar, em termos de indigitação, da audição dos partidos”. As audições dos partidos com assento parlamentar começam às 11h3o da manhã, com os três novos partidos que entram na Assembleia da República (Livre, Iniciativa Liberal e Chega) e termina com a audição do PS, às 20 horas, numa comitiva liderada por Carlos César onde não estará o secretário-geral do partido. No final destas audições Marcelo Rebelo de Sousa deverá chamar logo António Costa para o indigitar no mesmo dia.
Só depois deste formalismo é que Costa vai iniciar os contactos com os partidos para tentar chegar a uma nova versão da geringonça que, desta vez, quer alargada. A ideia é ir já como primeiro-ministro, numa posição negocial reforçada, bem diferente daquela que tinha em 2015, quando se deslocou às sedes de cada um dos partidos para procurar um acordo que permitisse apresentar uma alternativa em Belém ao Governo PSD/CDS. Só depois desse longo processo negocial é que Costa conseguiu levar ao Presidente da República de então, Cavaco Silva, três posições conjuntas assinadas com PCP, BE e Verdes, que consagravam o apoio parlamentar de uma maioria de esquerda a um Governo liderado pelo PS.
Desta vez, António Costa volta a Belém numa posição diferente e prepara-se para sublinhar isso mesmo, partindo para negociações já como primeiro-ministro. Na noite de domingo avisou que quer “um acordo de legislatura” e sublinhou mais do que uma vez que o PS foi o único dos partidos do arco da “geringonça” a ter “apoio reforçado” nas eleições. “Não são só os outros que têm cadernos de encargos. O nosso caderno de encargos foi o que apresentámos aos portugueses e os portugueses aceitaram”, sublinhou.
Bloco de Esquerda já escolheu negociadores
No Bloco de Esquerda a ordem é esperar por mais movimentações. O partido só vai assumir uma nova posição se houver novidades do outro lado da barricada — leia-se: no PS. Oficialmente, o partido responde apenas que “não faz qualquer comentário” a eventuais negociações e remete mais explicações para o discurso de Catarina Martins na noite eleitoral. A líder bloquista mostrou estar disponível para viabilizar um governo do PS por uma duas vias: através de um acordo para uma legislatura — a preferida do partido — ou mediante acordos pontuais, negociados “ano a ano”.
Mas se esta é a postura oficial que se quer passar para o exterior, internamente os cálculos já começaram a ser feitos e já há decisões que começam a ser tomadas. Na noite desta segunda-feira, a Comissão Política do BE reuniu-se para “analisar resultados e definir as prioridades para a próxima legislatura”. Mas houve um ponto que não constava da ordem de trabalhos mas que também ficou definido já esta segunda-feira: os membros que vão integrar a equipa negocial. O Observador apurou que o Bloco de Esquerda vai levar para as mesas de negociações uma comitiva diferente da que negociou as bases de entendimento da “geringonça”. O elenco será o seguinte: Catarina Martins, Pedro Filipe Soares, Mariana Mortágua e Jorge Costa. Em relação há quatro anos saem José Gusmão, agora eurodeputado, e Pedro Soares, crítico da direção que deixou de ser deputado, para a entrada de Jorge Costa.
A experiência da “geringonça” pesou na escolha dos negociadores. Com uma correlação de forças diferente daquela que havia em 2015, o partido manteve o trio decisor mas fez mexidas cirúrgicas na equipa de emissários. A decisão ficou fechada esta noite na reunião do núcleo duro do Bloco de Esquerda.
As linhas vermelhas serão as mesmas que foram traçadas no domingo por Catarina Martins: mudanças na legislação laboral; tornar Serviço Nacional de Saúde totalmente público; renacionalizar os CTT; e reforçar investimento público.
Nas hostes bloquistas, a convicção é a de que o processo vai ser mais longo do que o de há quatro anos. A expectativa é grande e foi palpável no teatro Thalia na noite eleitoral de domingo, onde se festejou o resultado ainda que com alguma desconfiança em relação ao futuro e às reais motivações do secretário-geral do PS. A experiência dos últimos quatro anos também parece ter ensinado outra coisa ao BE: festejar antes de tempo pode tornar-se um obstáculo.
No PCP, o Comité Central reúne-se logo na manhã desta terça-feira, depois de o líder do partido ter deixado implícito, no domingo à noite, que os comunistas não estão interessados na reedição da “geringonça”, já que a “conjuntura política é distinta”, Jerónimo de Sousa admitiu apenas negociar “em função das opções do PS e dos instrumentos orçamentais que entregar”, ou seja, caso a caso e não com um acordo formal como o que vigorou na última legislatura. Costa disse que vai insistir com os comunistas que vão analisar na manhã desta terça-feira, antes da audição em Belém, os resultados das eleições legislativas.
Notícia atualizada às 00h15 com informação sobre a comitiva de negociadores do Bloco de Esquerda