A história diz que o Papa João Paulo I morreu de ataque cardíaco (embora abundem as teorias da conspiração sobre a morte do italiano Albino Luciani, que foi Papa apenas por 33 dias, em 1978). Antoni Raimondi, um dos mafiosos mais ativos do século XX em Itália, que pertencia à máfia de Colombo, vem agora, 41 anos mais tarde, contar uma nova versão da história num livro de memórias e afirmou que foi ele quem matou o Papa.

A versão oficial é a de que João Paulo I tinha estado a beber um chá durante a tarde do dia 27 de setembro de 1978. Nessa tarde, quando rezava na capela papal acompanhado pelo seu secretário, o padre irlandês John Magee, João Paulo I teve uma forte dor no peito, mas recusou chamar o médico. Jantou, deitou-se e acabaria por morrer essa noite, tendo sido encontrado morto na manhã seguinte.

A falta de detalhes médicos e científicos sobre a morte do Papa italiano, aliada a algumas variações na história tornada pública, alimentaram inúmeras teorias da conspiração à volta do desaparecimento de um Papa que havia sido eleito no mês anterior. Por exemplo, até a identidade de quem encontrou o Papa morto variou na versão oficial. Inicialmente, o Vaticano revelou que tinha sido o secretário do Papa. Mais tarde, um livro da jornalista italiana Stefania Falasca (vice-postuladora da causa de canonização de João Paulo I) considerado hoje a versão mais completa da história, revelou que na verdade o Papa tinha sido encontrado por uma jovem freira que trabalhava nos aposentos papais, depois de João Paulo I não ter saído do quarto para tomar o pequeno-almoço como fazia diariamente.

Nesta versão considerada definitiva pelo Vaticano, é explicado que a morte de João Paulo I se deveu a um enfarte e que o cardeal já sofria de problemas cardíacos antes de ser eleito Papa. Raimondi afirma agora que, na verdade, envenenou o papa com cianeto, a mando do arcebispo norte-americano Paul Marcinkus — seu primo e na altura presidente do Banco do Vaticano.

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O mafioso que diz que assassinou João Paulo I

Segundo o livro, Marcinkus terá advertido Raimondi para a intenção de João Paulo I de tornar públicos vários documentos que, alegadamente, seriam prova de que o Vaticano estava envolvido numa fraude financeira na ordem dos mil milhões de euros, relacionada com a venda de certificados de ações falsos, que mostravam posições do Vaticano em empresas como a IBM ou a Coca-Cola — o que, muito provavelmente, levaria à condenação de vários membros do Vaticano.

O plano para travar essa denúncia consistia em dar a tomar um chá com um calmante a João Paulo I, para que pudessem entrar nos aposentos enquanto o Papa estava a dormir, e administrar pessoalmente uma dose letal de cianeto. O efeito do calmante deveria durar tempo suficiente para que pudesse voltar a sair sem problemas. “Fiquei à porta dos aposentos [do Papa] enquanto serviam o chá”, escreve no livro, antes de acrescentar que quem administrou o veneno foi mesmo Paul Marcinkus, enquanto o mafioso permanecia à porta. “Fiz muitas coisas no meu tempo, mas não queria estar ali quando matassem o Papa. Sabia que isso me compraria um bilhete de ida para o inferno”, acrescenta.

Dado o alarme, Marcinkus foi um dos primeiros a socorrer o Papa que saberia estar sem vida. Quando os meios de salvamento chegaram, nada havia a fazer. Apenas 33 dias depois de ter sido proclamado Papa, Albino Luciani estava morto.

No livro, Raimondi diz que o sucessor de João Paulo I — o polaco Karol Wojtyła, que em homenagem ao italiano adotou o nome João Paulo II — também ficou ao corrente do escândalo, mas que nunca o quis revelar por temer pela própria vida.

A confissão não convenceu todos os que leram o livro, sobretudo devido às semelhanças com a história de O Padrinho III, mas Anthony Raimondi insiste que será apenas coincidência: “Nem acabei de ver o filme, para dizer a verdade. Tudo o que disse no livro mantenho até ao dia em que morrer”, disse em entrevista ao New York Post.

A morte de João Paulo I

Albino Luciani foi eleito Papa em 1978, com 76 anos e o nome de João Paulo I. Rapidamente ficou conhecido como o “Papa do Sorriso” pela postura amável que teimava em carregar e morreu apenas 33 dias depois de se ter tornado no líder da Igreja Católica e chefe de estado do Vaticano.

Várias teorias da conspiração apontam para diferentes causas de morte. Uma delas, elaborada por David Yallop no seu livro In God’s Name — publicado em 1984 —, especulava que João Paulo I tivesse morrido por querer divulgar uma série de documentos que revelariam o escândalo de fraude bancária em que o Vaticano se viu envolvido depois, anos mais tarde. Uma teoria que, salvo alguns detalhes especificados no livro, apoia a história agora revelada por Antoni Raimondi.

Uma outra teoria, elaborada pelo teólogo Abbé Georges de Nantes, indica um outro escândalo descoberto pelo Papa: vários arcebispos seriam, na verdade, maçons. Segundo Nantes, os maçons e uma série de reformas pouco populares para os mais influentes pensadas para o papado de João Paulo I, terão levado à sua morte. O assassinato de João Paulo I tem sido, historicamente, um dos crimes associados à loja maçónica ilegal de Roma P2.

Já Avro Manhattan parecia acreditar que a CIA estaria por detrás da morte. Num enredo mais complexo e apenas possível de elaborar anos mais tarde, depois de descoberto o escândalo financeiro do Vaticano na década de 80, Manhattan cita vários extratos bancários que ligavam o banco do Vaticano a transferências para o Nicarágua. Nesta altura o presidente americano Jimmy Carter preparava-se para cortar fundos ao governo da América do Sul, uma vez que o presidente do país, Anastásio Somoza, estava prestes a ser derrubado do poder. Quem tomaria o governo seriam, então, simpatizantes comunistas, um problema para os Estados Unidos em plena Guerra Fria. Esta conspiração é justificada com as transferências milionárias que ligam o Vaticano, até à altura subserviente americano, ao bloco inimigo.

Paul Marcinkus, o infiltrado

O norte-americano Paul Marcinkus teve uma carreira sólida no Vaticano. Começou a trabalhar diretamente com o Governo como secretário de Estado em Roma, foi um dos melhores tradutores da língua inglesa no Vaticano e, por ser alto e bastante forte, chegou mesmo a ser guarda-costas do Papa Paulo VI — tinha a alcunha de “O Gorila”. Enquanto guarda-costas, ficou lembrado por ter obrigado agentes dos serviços secretos americanos a abandonar uma reunião entre Paulo VI e o presidente Nixon. “Dou-vos 60 segundos para saírem, ou terão de explicar ao senhor presidente a razão pela qual o Papa Paulo VI não o pôde ver hoje”, terá dito.

Foi também nomeado, em 1971, presidente do banco do Vaticano, cargo que manteria até 1989. Ao mesmo tempo, Marcinkus terá mantido estreita ligação com a máfia por ser primo de um dos maiores gangsters americanos do final do século XX, Antoni Raimondi, e amigo de Michele Sindona, um outro mafioso.

No ano em que assumiu o cargo, Marcinkus foi interrogado por dois agentes do Departamento da Justiça norte-americano sobre o envolvimento na entrega de ações falsas avaliadas em 13.07 milhões de euros, de um total avaliado em cerca de 850 milhões de euros. Na altura não houve provas suficiente para avançar com a investigação ao arcebispo, que se recusou a revelar detalhes por não querer violar o sigilo relativamente às operações conduzidas pelo banco.

Em 1982, viu-se implicado no escândalo do colapso do Banco Ambrosiano e, mais tarde, esteve também alegadamente ligado aos assassinatos de Roberto Calvi — do Banco Ambrosiano — e do jornalista que tinha investigado a fundo o escândalo do banco do Vaticano, Mino Pecorelli.

Apesar de tudo, nunca se conseguiu provar que Marcinkus tinha tido alguma coisa a ver com a emissão das ações falsas ou com os assassinatos e raptos que daí podem ter resultado, e nunca foi formalmente acusado de crime algum. Acabou por se reformar e morreu aos 84 anos no Arizona.