O plano nacional de gestão integrada de fogos rurais exige uma alteração do paradigma, “nomeadamente na forma como estamos organizados, como as entidades colaboram e como as políticas são desempenhadas”. Em entrevista ao programa Direto ao Assunto da Rádio Observador, o presidente da AGIF (Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais) defende que é preciso “um novo equilíbrio consiga gerir um território diferente que já não se baseie mas pessoas que lá vivam , mas sim em instituições que colaboram e que entregam resultados”.

Tiago Oliveira: “É preciso um Estado regulador”

O plano para a próxima década está em consulta pública até à próxima quarta-feira e Tiago Martins Oliveira avisa ainda os partidos que não podem ficar em silêncio, só porque não há fogos, “têm de se envolver e apresentar soluções”. Será um trabalho muito complexo e a vai envolver todos, Estado e privados, e até as novas gerações. E será desta? “Se o não o fizermos, ninguém o fará por nós”. E o problema dos incêndios severos vai voltar. A dimensão da propriedade rural é um dos maiores problemas à prevenção de incêndios.

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“Uma das coisas que propomos é valorizar a propriedade e a terra, a floresta e os matos, através de vantagens fiscais para quem faz a gestão e penalização para quem não faz. Propomos também a agregação da propriedade, promovendo a gestão conjunta, através das associações de produtores florestais”. Para proteger 1,2 milhões de hectares dos incêndios severos, é também preciso “alterar as expetativas dos proprietários que são 90% dos detentores da terra. É necessário levar estímulos às pessoas.”

Tiago Oliveira reconhece que no passado foram feitas melhorias pontuais no sistema de prevenção e de combate. Mas avisa que desta vez o país tem assumir este objetivo, que passa por ter um programa com orçamento, com metas e com responsáveis que é para fazer, “ou daqui a dez anos, provavelmente vamos ter os mesmos problemas, com os incêndios cada vez mais rápidos e severos”.

O problema é complexo, “não pode ser simplificado e temos de tentar garantir que as pessoas concordam com a estratégia para que as medidas sejam executadas nos próximos cinco seis anos. E não é só o Estado a fazer”. O plano apresenta uma perspetiva liberal e justa para os privados que são os donos de 90% da propriedade. “São mais parte da solução do que o problema. É preciso política inteligente e regulação q.b. acho que é um trabalho de maturidade democrática que o pais tem de fazer.” O presidente da AGIF regista que há sempre resistências institucionais.

“O país é conservador, o país tem dificuldade em olhar para a frente, está sempre a olhar para trás, à espera de um Messias. Há uma desconfiança grande do poder do Estado fazer, mas o que é importante é mobilizar os privados a fazer bem. Agora é preciso um Estado regulador e com uma cultura diferente, Ou somos capaz de fazer isto  ou ninguém vem cá fazer por nós.”

Esse é um enorme trabalho” que passa também por reforçar as instituições, como o ICNF  (Instituto de Conservação da Natureza e Florestas) e a Proteção Civil, e por recrutamento, pelo mérito e por “mobilizar estas pessoas a apresentar resultados em vez de só cumprir tarefas”.

Rever leis e envolver partidos

A execução da estratégia para a próxima década tem uma dimensão legislativa importante — é necessário mexer no código de expropriações (para permitir ao Estado tomar posse de terrenos que sejam considerados necessários para o esforço de prevenção), mas também no sistema fiscal, nomeadamente no imposto sucessório e no IMI. E estão ainda previstos alterações legais para reduzir as queimadas e penalizar mais os comportamentos de risco, para além da revisão dos planos municipais contra incêndios e alterações orgânicas em entidades.

Tudo isto, avisa Tiago Martins Oliveira, “implica o envolvimento e compromisso dos partidos políticos, que no último verão, se calhar por não ter havido incêndios, estiveram muito silenciados”. Os partidos, sublinha, “têm de ir ao terreno e apresentar soluções aos portugueses, têm de se envolver nas soluções que alteram o paradigma e que passam por desligar a gestão florestal da gestão da propriedade.”

Alterações, assegura, que não implicam que as pessoas fiquem sem terra, mas sim que haja uma gestão conjunta, promovida por associações florestais ou pelo próprio Estado, como ICNF.  Estamos a propor que haja capacidade para gerir os matos, assegurando a qualidade de gestão, engenharia, capacidade operacional, e o reforço da rede de empreiteiros, mas também é necessário ter os instrumentos legais que permitam, mobilizar ou obrigar, depende das palavras que quisermos usar” o proprietário.

“Quando corto madeira devo ser mobilizado para colocar 10% a 15% da receita numa conta poupança florestal que reeinvista esse capital na regeneração desse mato. “São pequenos truques, toques administrativos e e simplificação burocrática, que podem ajudar a reduzir o risco e ao mesmo tempo permitir a chegada de capital privado e público, relançando o setor.”