Na altura de viajar, seja em trabalho ou em lazer, as questões relacionadas com a saúde fazem parte da lista de preocupações de grande parte dos viajantes. Uma cultura distinta, um idioma diferente e também sistemas de saúde com regras que são desconhecidas para os visitantes de um determinado país podem dificultar a tarefa de receber assistência médica. Foi a pensar nesta experiência que a startup portuguesa Universal Health Booking criou a Booking a Doctor Abroad (BADA), uma aplicação que permite facilitar o contacto entre viajantes e profissionais de saúde.

A ideia foi pensada há dois anos pelos três fundadores desta startup — José Amorim, Miguel Dias e João Bon de Sousa — e está, desde o ano passado, integrada num projeto piloto em Portugal. “Viajamos quase todas as semanas e deparamos com problemas tão simples como uma pequena constipação, que não sabíamos como resolver. Quando trabalhei numa empresa alemã, por exemplo, no norte da Alemanha, ninguém falava nada sem ser alemão”, explica ao Observador João Bon de Sousa, que passou 14 anos a trabalhar na Microsoft, onde tratava do lançamento de novas tecnologias.

Aliado à barreira da língua, estava a corrida contra o tempo em que muitas vezes se transformam as viagens, nas quais uma mudança de planos faz toda a diferença. Esta foi mais uma das dificuldades que os três fundadores sentiam quando viajavam e precisavam de algum tipo de cuidado médico. “Foi esta experiência que nos levou a pensar como é que conseguíamos, independentemente do país onde estivéssemos, resolver um episódio de maneira rápida e prática”, acrescentou João Bon de Sousa.

A BADA tem quatro tipo de funcionalidades dentro da saúde e bem-estar. O utilizador pode, em primeiro lugar, consultar os avisos de segurança, de saúde, civis — uma greve, por exemplo — e alertas de terrorismo lançados para cada país, através de dados atualizados a partir de plataformas oficiais. Em segundo lugar, também pode encontrar outro tipo de serviços relacionados com a saúde, como por exemplo as farmácias mais próximas ao local onde o utilizador se encontra.

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O grande objetivo desta aplicação, no entanto, está na oportunidade de os viajantes encontrarem um médico no país onde se encontram, podendo filtrar a sua escolha por local, especialidade, idioma, preço e classificação do médico. A partir daí, o utilizador tem acesso a uma lista de opções e escolhe também o dia e hora em que quer ser atendido, dentro da disponibilidade que é apresentada pelo profissional de saúde (que pode também ser uma vertente de escolha).

A Bocking for a Doctor Abroad foi criada pela startup Universal Health Booking e está atualmente num projeto piloto em Portugal

“Uma das nossas preocupações é ter algo muito simples”, sublinha João Bon de Sousa, dando o exemplo do modelo de negócio da Uber que, explica, acaba por ter semelhanças com o da BADA. “Com a Uber eu quero um meio que me desloque de um ponto a outro e não quero saber qual é a rede de transportes nem se andam pelo lado direito ou esquerdo. Quero é deslocar-me. Aqui, na BADA, o princípio é o mesmo. Não interessa se o país tem hospitais públicos ou privados, se tem consultórios ou não. Quero é que resolvam o meu problema”.

Além da funcionalidade de encontrar um médico, a BADA permite também chamar um médico ao domicílio, com os mesmos filtros de escolha. No entanto, alertam os responsáveis, a BADA não é recomendada para utilizar em casos de emergência. Quer se opte pelo médico mais barato ou por aquele que tem mais disponibilidade ou maior classificação, a liberdade de escolha do utilizador, destaca o empresário português, é algo que a startup quis dar prioridade: “A saúde não nos dá muito poder de escolha e acho que, cada vez mais, os cidadãos querem ter escolha”.

Para colocar este projeto em funcionamento, os três fundadores, além do investimento vindo do próprio bolso, contam com o apoio do Portugal2020, que nas três fases do projeto prevê um plano de negócios de três milhões de euros: 500 mil para a primeira fase — de conceptualização da ideia — e 2,5 milhões para a segunda e terceira fase — o marketing e a internacionalização da aplicação. João Bon de Sousa explica que a ideia é que o projeto não fique apenas em Portugal.

Não acreditamos num projeto destes para Portugal, porque estes projetos não são feitos para serem localizados. São projetos globais, são soluções que não têm nem espaço nem números. Se pensarem que no mundo se deslocam 1,3 mil milhões de pessoas e se pensarem que têm uma solução que pode atingir 1,3 mil milhões de pessoas, têm de pensar de uma forma diferente. Quando pensamos na ideia foi sempre a imaginar que isto seria uma coisa global”, sublinha ao Observador um dos fundadores da BADA.

Para já, e até ao último trimestre deste ano, a BADA está a fazer um projeto piloto em Portugal para monitorizar todo o comportamento e adequar a oferta tendo em conta a informação recolhida.

Da interação com o médico à recusa de informações clínicas na plataforma

Além do poder de escolha dos utilizadores, também os médicos podem fazer sozinhos o registo na plataforma, depois de preencherem um conjunto de informações obrigatórias. Logo de seguida, a equipa da BADA, constituída pelos três fundadores e por uma equipa parceira de software, faz toda a verificação dos dados que foram introduzidos para garantir que o serviço é de qualidade e que toda a informação é verdadeira. “Existe uma interação entre nós e o próprio médico até que o processo esteja completo”, esclarece João Bon de Sousa.

O registo de profissionais de saúde na BADA tem de ser sempre feito com a identificação de um médico individual. Atualmente, a BADA tem cerca de 300 médicos registados — 80 já autorizados a prestar serviços — e mais de seis mil downloads da app. O preço de cada serviço é definido pelo próprio médico, sendo que o valor é pago pelo utilizador na própria plataforma através de um portal internacional de pagamentos. De seguida, a BADA cobra uma comissão pelo serviço e paga ao médico da plataforma que realizou esse mesmo serviço.

Os fundadores da BADA: José Maria Amorim, Miguel Dias e João Bon de Sousa

Outra das preocupações da equipa, durante a elaboração desta plataforma, foi a de não ficar com o registo de qualquer informação clínica dos utilizadores. “Normalmente, há a tendência de questionar se numa aplicação como esta os exames não poderiam ser colocados lá. Mas não interessa, porque a questão da proteção de dados é muito complexa. Em Portugal, se calhar consigo ter os exames aqui e mostrá-los ao médico depois, mas para um projeto global é difícil. Nos EUA nem deixam sair do hospital com os dados de saúde de alguém”, salienta o empresário da Universal Health Booking.

 “Juntamo-nos durante horas para analisar tudo”

Os três fundadores da startup responsável pelo desenvolvimento deste projeto têm decidiram juntar a experiência na indústria tecnológica com os anos no setor da saúde. Cada um trouxe uma bagagem diferente para a BADA. José Maria Amorim é “uma pessoa com muita experiência na área da saúde enquanto prestador de serviços” e trabalhou durante 18 anos na Johnson & Johnson. “Conhece bem os prestadores de serviço e quais são os problemas”, acrescentou João Bon de Sousa.

Já Miguel Dias trabalhou com João na Microsoft e vem “das consultoras tecnológicas puras“, sendo especialista na área tecnológica da saúde. “Já eu estive 14 anos na Microsoft a lançar novas tecnologias. Tudo o que fossem coisas novas a lançar, pegava nelas e transformava aquilo em negócios. É essa a parte que eu gosto na minha vida: pegar em tecnologia e transformar aquilo em valor para as pessoas, pegar nas ideias e operacionalizá-las”, referiu João Bon de Sousa.

O grande desafio de todo o projeto, conta o responsável, é ter a capacidade de “crescer em paralelo entre utilizadores e médicos e conseguir controlar bem os dois interesses”. “Se não conseguir ter oferta para a procura vou morrer na praia. Se não conseguir ter procura para a oferta também vou morrer na praia. Esta é a nossa grande preocupação. Juntamo-nos durante horas para analisar tudo e falamos com os médicos para conseguir perceber se há algum problema, para não deixar de afinar isto, para que não se desequilibre”, acrescentou.

O próximo passo da BADA passa agora pela internacionalização. A plataforma vai chegar a mais países europeus, mas também entrar em mercados fora da Europa. Até 2025, o projeto prevê chegar a mais de 330 milhões de viajantes.

*Tive uma ideia! é uma rubrica do Observador destinada a novos negócios com ADN português.