O norte-americano Robert Strayer está em Portugal para alertar deputados, membros do Governo, autoridades reguladoras e as operadoras de telecomunicações que as empresas chinesas, como a Huawei, devem ficar de fora das futuras redes 5G. Segundo o vice-secretário adjunto do departamento de Estado para a comunicação cibernética e internacional e para a política de tecnologia de informação dos Estados Unidos, permitir que a Huawei faça parte de uma infraestrutura de telecomunicações levanta “uma questão de direitos humanos“.

Sabemos que a Huawei tem trabalhado de perto com autoridade na região de Xinjiang para atacar Uyghurs, através de um sistema de vigilância em massa que fez com que mais de um milhão de Uyghurs fossem presos em campos de aprisionamento [imprisionament camps] tendo em conta a sua religião e o seu passado étnico”, alega Robert Strayer.

O Observador pediu esclarecimentos à Huawei sobre estas alegações não tendo obtido resposta.

Os avisos dos EUA quanto aos perigos de se aceitar empresas chinesas em países aliados na Europa — como Portugal — já vêm a acontecer há um ano e meio. Numa conversa esta terça-feira com jornalistas  —onde esteve o Observador — e que contou com a participação de Edward Glass, embaixador dos EUA em Portugal, os responsáveis do governo norte-americano voltaram a reiterar que aceitar a Huawei nas futuras infraestruturas de rede 5G vai afetar as relações entre os dois países. Como? Ainda tem de ser analisado.

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No que toca à NATO, não podemos permitir que a Huawei esteja envolvida em dados confidenciais. Não se trata só de comunicações cruciais, também se refere aos dados do dia a dia”, alertou Strayer.

De acordo com os EUA, a Huawei, por estar sediada na China, tem de obedecer às ordens do partido comunista chinês. Isso põe em causa a segurança das infraestruturas porque, segundo os responsáveis do país, além de poderem espiar cidadãos estrangeiros, podem desligar sistemas de comunicação para afetar outros estados. “Olhamos para a China, onde não há sistema judiciário independente, não há Estado de Direito. E além disso, tem uma lei que faz com que [as empresas] tenham de cumprir [ordem]“, referiu o responsável norte-americano.

Robert Strayer e Edward Glass no encontro com jornalistas esta terça-feira

A visita de Robert Strayer a Portugal (é a primeira que faz) surge após o Governo português ter divulgado o plano estratégico para a implementação das redes 5G. Apesar de países como o Reino Unido terem afirmado claramente que a Huawei vai poder fazer parte destas plataformas, o Governo afirma que em matéria de cibersegurança está a seguir as indicações da Comissão Europeia e haverá um grupo de trabalho que acompanhará esta matéria.

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Mesmo sem cenários fechados, Strayer, mostrando a visão do executivo dos EUA, afirma: “Não estamos contentes com a solução do Reino Unido [que permitiu, com restrições, a Huawei]. O Reino Unido vai permitir que um terço da população tenha a suas comunicações comprometidas. Isso é inaceitável”. Os EUA alertam que, inevitavelmente, qualquer sistema de software ou hardware pode ser comprometido por via de atualização. Por isso, mesmo com restrições, o risco é elevado, refere.

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Glass reitera que “sob circunstância alguma isto deve ser interpretado como uma ameaça. Este é o tipo de conversa que se quer ter com aliados”. Como refere o embaixador: “Ainda temos de ver se um país escolhe a plataforma da Huawei”. E “não há resposta”, para o que mudará nas relações entre Portugal e os EUA.  Caso empresas chinesas vendam componentes, uma coisa é certa: “Vamos ter de comunicar de forma diferente do que comunicámos no passado”.

Não o dizemos como uma ameaça, dizemos como uma realidade prática que temos de nos proteger. A nossa visão conjunta, penso é de uma próxima cooperação económica e de segurança entre os EUA e Portugal. Não queremos ver nenhuma redução da relação que temos nestas áreas.Usar os equipamento da Huawei no 5G significa que vai ser reduzida a nossa habilidade para fazer esforços cooperativos”, explicou Strayer.

Quanto a não haver opções para os componentes 5G além da Huawei, o responsável dos EUA diz que é preciso “desmistificar” a questão. “Fundamentalmente, há uma antena, há um rádio, há uma unidade de processamento que conecta essas comunicações a uma central que leva à internet e a outros utilizadores”, simplifica. E quanto a concorrentes, Strayer diz que existem e que têm a mesma oferta que a Huawei.

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“Estamos [os EUA] a lançar redes 5G nos EUA com a Ericsson, a Samsung e a Nokia. Eles lideram o mundo no tipo de tecnologia que têm. Quem olhe para a tecnologia deles vê-a como igual [à da Huawei]”, afirmou Strayer.

Mesmo assim, e para mitigar os efeitos que banir uma empresa como a Huawei de infraestruturas de telecomunicações pode ter, os EUA afirmam que já estão a trabalhar com empresas norte-americanas e europeias. De acordo com Strayer, empresas como a Dell ou a Cisco vão oferecer, daqui a até dois anos, os mesmo componentes 5G que outras empresas.

É bem conhecido o que estas empresas estão a vender. Estamos nas fases muitos iniciais disto. Não tem de haver pressa para implementar esta tecnologia e, assim, aceitar vendedores que trazem risco”, disse Strayer.

O representante do executivo norte-americano disse ainda que o Governo está a trabalhar com este tipo de empresas consideradas seguras para haver mais oferta contra a Huawei. “Reconhecemos que há um número limitado de vendedores. Nos EUA queremos trabalhar com empresas privadas”, justificou. Este plano pode levar a que, num futuro próximo, existam mais vendedores de componentes 5G tornando este mercado mais competitivo.

O conflito entre os EUA e a China que impõe restrições diplomáticas e económicas, como um embargo, à Huawei

No final de maio de 2019, os EUA emitiram um decreto executivo por motivos de segurança nacional, no qual proibiram empresas norte-americanas de negociar com a Huawei, incluíndo-a numa “lista negra”. Nessa mesma lista está também a ZTE, outra tecnológica chinesa. Rapidamente, e depois do alvoroço criado pela cessação de parcerias com a maioria das empresas tecnológicas norte-americanas — como a Google, que detém o Android, ou a fabricante de chips Qualcomm —, houve uma suspensão dos efeitos do embargo até agosto e, nesse mês, foi adiado para dezembro. Nesse mês, o embargo foi novamente suspenso e, neste mês, também, não tendo havido, no entretanto, autorizações que levem as empresas norte-americanas a trabalhar com a Huawei.

A Huawei tem negado de forma veemente as acusações dos EUA. O país, por outro lado, tem deixado alertas como a de Strayer esta terça-feira a todos os aliados.

O 5G é o nome que se dá à próxima geração de redes de telecomunicações e que vai substituir o 4G — que usamos atualmente. O nome pode ser traduzido para “quinta geração de internet móvel”. Na prática, é o nome que se dá à tecnologia sem fios que usamos para comunicar e que, nos próximos 10 anos (presume-se), vai substituir o 4G, oferecendo velocidades mais rápidas e a possibilidade de mais equipamentos poderem estar ligados entre si.