O preço do barril de petróleo (Brent) chegou a cair esta segunda-feira 30%, para 31,02 dólares, atingindo um mínimo de 2016, naquela que é a maior queda diária desde a primeira Guerra do Golfo. Tudo porque a Arábia Saudita, líder informal da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), avançou para uma “guerrilha” de preços, depois de ter sido contrariada pela Rússia. Esta é uma quebra de preços que derrubou, também, os mercados acionistas que esta segunda-feira registaram as maiores quedas diárias desde a crise financeira de 2008.

Bolsa de Lisboa com maior queda diária desde 2008. Nova Iorque parou 15 minutos, mas não impediu perda recorde

No fecho, as perdas aliviaram para 25% em Londres, mas ainda assim o petróleo estava a negociar na casa dos 30 dólares por barril — 31 dólares em Nova Iorque e 34 dólares no mercado britânico . E é certo que virá aí uma baixa expressiva do preço dos combustíveis. A sua dimensão dependerá do tempo em que se mantiver esta pressão no sentido da baixa. Para já, o braço de ferro entre os dois maiores exportadores mundiais parece estar para durar.

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Mas aquilo que pode ser uma boa notícia no curto prazo para os condutores, é sobretudo um sintoma de recessão que já e visível nos transportes, em particular na aviação, e no turismo, mas que vai alastrar a outro setores. Será também um golpe para as economias mais dependentes do petróleo.

Os sauditas queriam que a Rússia acompanhasse o cartel do petróleo, que junta 14 países, no corte de produção em mais 1,5 milhões de barris por dia até ao fim do ano. Uma estratégia vista como necessária por Riade para fazer face à queda dos preços provocada pela crise do novo coronavírus, que está a afetar a procura de combustível para transportes, em particular na China.

Como Vladimir Putin não concordou, a Arábia Saudita decidiu retaliar, esmagando os preços e, dessa forma, empurrando contra a parede os exportadores de petróleo com menos quota de mercado. Riade tira partido da sua posição como maior exportador mundial de crude (16% do total em 2018) e detentor das maiores reservas mundiais. A Arábia Saudita pretende aumentar a sua produção para mais de 10 milhões de barris diários, de acordo com fontes citadas pela Reuters, contra os atuais 9,7 milhões de barris.

Mas a Rússia não cede e ameaça responder na mesma moeda, fazendo saber que consegue aguentar os preços baixos durante seis a dez anos.

O Financial Times cita esta segunda-feira analistas que questionam se esta foi a melhor decisão, tendo em conta que a economia saudita não é imune a choques de preços, mas também lembra que o príncipe Mohammed bin Salman, líder da Arábia Saudita, tem habituado o mundo a jogadas de risco sempre que sentiu necessidade de se afirmar no palco mundial.

Do lado da Rússia, Putin quer ver o impacto da crise em toda a sua extensão antes de tomar decisões, mas o jornal britânico entende que entra também na equação a rivalidade com os EUA. Moscovo acreditará que cortar ainda mais a produção significaria ajudar os EUA, que já se tornou no maior produtor de petróleo do mundo. Esta seria uma oportunidade para a Rússia criar danos na indústria petrolífera norte-americana, que tem tido dificuldades em obter lucros, apesar do crescimento verificado na última década.

[O analista de mercados Ricardo Evangelista comentou na Rádio Observador a incerteza e o pânico que estão a levar os investidores a alienar posições. Pode ouvir aqui]

Covid-19. “Economia global pode entrar em recessão”

Barril de petróleo pode chegar aos 20 dólares e procura deverá cair

Esta guerra entre a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e a Rússia poderá provocar perdas ainda mais acentuadas, de acordo com a Goldman Sachs. O banco de investimento americano estima que o Brent possa cair até aos 20 dólares por barril. Ou seja, o mínimo de sobrevivência para vários países produtores de petróleo.

O Goldman Sachs não tem dúvidas de que “a guerra de preços entre a OPEP e a Rússia começou este fim de semana”, sublinhando que as perspetivas para o mercado petrolífero são agora piores do que em novembro de 2014, quando também existiu uma guerra de preços. Agora, no entanto, a queda nos preços é acompanhada de “um colapso significativo do lado da oferta, devido ao coronavírus”.

Já esta segunda-feira, a Agência Internacional de Energia confirmou uma revisão em baixa das estimativas de procura por petróleo, a nível mundial. A procura deverá cair de um ano para o outro, o que, a confirmar-se, acontecerá pela primeira vez desde 2009, o ano da ressaca da crise financeira cujo símbolo foi a falência do banco Lehman Brothers.

O organismo apontava para um aumento da procura petrolífera na ordem dos 800 mil barris de petróleo por dia, em 2020, uma previsão que foi, esta segunda-feira, modificada para uma descida média de 90 mil barris por dia, ao longo deste ano.

Nas últimas semanas, o coronavírus evoluiu de uma crise de saúde pública na China para uma emergência à escala global”, afirma a Agência Internacional de Energia, acrescentando que “as medidas de contenção resultaram em reduções drásticas no transporte internacional e até ao interno”, dentro dos países.

Neste enquadramento, as bolsas mundiais abriram a semana em forte queda, com o índice pan-europeu Stoxx 600 a cair mais de 5,5%, aproximando-se rapidamente dos valores mais baixos fixados em 2019 – ou seja, dissipando quase toda a recuperação que se registou à medida que se atenuaram os receios de uma “guerra comercial” entre os principais blocos económicos.

Bolsa de Lisboa com maior queda diária desde 2008. Nova Iorque parou 15 minutos, mas não impediu perda recorde

Uma das primeiras consequências desta crise, para a zona euro, será o lançamento de novas medidas de estímulo monetário por parte do Banco Central Europeu, na reunião da próxima quinta-feira. Isso é o que o mercado está a antecipar, já, com os contratos swap de taxas de juro na zona euro em terreno negativo em todos os prazos até 30 anos.

Que impactos para Portugal da decisão saudita?

Além dos benefícios positivos para os consumidores nas bombas de gasolina nas próximas semanas, a redução do preço do crude, se prolongada no tempo, terá um efeito de estímulo nas economias importadoras de petróleo, mitigando as consequências económicas desencadeadas pelo novo coronavírus.

No caso português, sem qualquer outro efeito, a queda do preço do petróleo pode trazer um alívio relevante à economia. O economista João Duque, em declarações ao Observador, lembra que o Governo fez um análise de sensibilidade no relatório do Orçamento do Estado para este ano — ponderando a eventual oscilação de vários fatores que influenciam o andamento do PIB —, concluindo que uma quebra ao longo do ano de 20% no barril de petróleo (ou seja, 12 dólares face aos 58 dólares do cenário base) faria o PIB crescer 0,3 pontos percentuais, para 2,2%, em vez de 1,9%.

Esse cenário alternativo, de 46 dólares o barril, estava muito próximo dos valores registados na sexta-feira, mas passado apenas um fim-de-semana o preço já ronda os 30 dólares e pode até cair mais, pelo que o efeito até poderia ser maior do que o previsto pelo Governo.

Há, no entanto, que ter em conta os impactos inesperados da crise do coronavírus, que já prometem fazer tremer a economia mundial; e a verdade é que ninguém sabe quanto tempo vão durar estes valores do petróleo, que tocam nos mínimos de 2016, porque — apesar da quebra dos preços à boleia da crise do Covid-19 e da “guerrilha” iniciada pela Arábia Saudita — a verdadeira vontade de Riade, que controla a OPEP, passa por cortar a produção para aumentar os preços. Foi essa a proposta rejeitada pela Rússia, mas ninguém sabe quais serão os próximos capítulos.

Tendo em conta a turbulência nos mercados, João Duque sublinha ainda que os potenciais benefícios não serão sentidos no imediato. O economista lembra o efeito de contágio noutros mercados e os problemas de excessiva liquidez, ressalvando, por isso, que é preciso “deixar estabilizar e dar tempo para a recuperação”.

Mas nem tudo são efeitos positivos. Como também lembra o economista do ISEG, a quebra do preço dos combustíveis influencia a receita fiscal do Estado: “A redução do preço do petróleo é, em si mesmo, uma boa notícia”, porque é “benéfico para estimular a atividade económica”, mas “claro que a receita específica que advém de petróleo mais embaratecido pode em termos de orçamento não ser tão boa, uma vez que a cobrança de imposto é feita em função do preço do petróleo — se o preço baixar, a cobrança é menor”.

O efeito será ainda negativo por via das relações com Angola: “Tem impacto na atividade das empresas portuguesas que ainda exportam para Angola e no que se esperava ser a recuperação do mercado angolano como destino das transações das empresas portuguesas e da recuperação dos pagamentos”.

Para Angola, aliás, “é terrível, porque é uma economia que está fortemente dependente das exportações do petróleo e a vida dos angolanos vai ser pior, muito pior,” se os preços do petróleo se mantiverem tão baixos.

Artigo atualizado às 20.30 com o preço de fecho das cotações do petróleo.