O pretexto eram os números históricos das contas do Estado, mas o contraste com a realidade do que aí vem acabou por prevalecer na conferência de imprensa dada esta quarta-feira pelo ministro das Finanças, depois de conhecido o excedente orçamental em 2019, o que não acontecia desde 1973.
Mesmo sem cenários detalhados e com a incapacidade de fazer previsões num contexto de crise súbita, acentuada e global, com uma duração temporária, que ninguém sabe por quanto tempo, Mário Centeno deixou pistas sobre o que pode estar a caminho. Em vez da economia crescer 2,2%, como no ano passado, ou 1,9%, como se esperava para este ano, está em perspetiva uma recessão anual, ainda que com alguma retoma no segundo semestre. Em vez de um excedente das contas públicas, teremos uma degradação do saldo de vários pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja défice.
A dimensão destes indicadores negativos vai depender essencialmente de quando for possível retomar a normalidade. O cenário do Governo aponta julho como mês em que poderá começar essa retoma, mas isso não significa necessariamente uma retoma económica. “Tudo isto não se vai dissipar no primeiro dia que retomarmos a nossa normalidade”. Até porque não depende só de Portugal, cuja economia “está a ser alvo de choque externo com consequências graves na vida económica e social, sérias e imprevisíveis”.
Ainda assim, Mário Centeno quis deixar uma mensagem positiva, que alguns também podem ver como um autoelogio. O “rigor” e a “responsabilidade orçamental” dos anos em que liderou as Finanças, e que culminaram com um saldo positivo um ano antes do previsto, é “o que nos permite garantir que o país consegue reagir perante adversidades da dimensão daquela que hoje enfrentamos. O excedente de 2019 também é uma garantia de defesa do país para as dificuldades que hoje enfrentamos”.
Portugal, garantiu o ministro das Finanças, nunca esteve estão bem preparado para uma crise como esta. E esse foi uma “das certezas” que quis deixar, bem como o compromisso de tudo fazer para “restaurar a confiança e regressar à normalidade”. A crise é antes de mais sanitária, e Centeno sublinhou que os “próximos dias vão ser decisivos” para a dimensão da propagação do coronavírus, para se perceber qual poderá ser o impacto na economia e também nas contas públicas.
Questionado sobre o regresso da austeridade, para fazer face ao dinheiro que agora é injetado pelo Estado, Mário Centeno chutou para canto. Esta “esta não é uma crise estrutural, não é uma crise que resulte de desequilíbrios macroeconómicos que devam ser corrigidos. A natureza desta crise é muito diversa de outras“, como a crise global de 2008-2009, ou as subsequentes, a partir de 2010 e 2011 na zona Euro, entende Centeno.
“Estamos a enfrentar uma crise temporária, num choque exógeno ao sistema económico, mas que, obviamente, neste instante, se reflete com uma intensidade nunca antes assinalada e registada na nossa capacidade produtiva”. Por isso, “esta crise deve ser enfrentada de forma temporária“, para ” termos depois tempo suficiente para repor a atividade económica e não termos o mesmo tipo de efeitos”, como o da última crise que Portugal atravessou, “de natureza estrutural e fundada em desequilíbrios orçamentais e desequilíbrios de contas externas”.
Agora o ponto de partida é outro, nota Centeno: para além do crescimento económico e das contas públicas saudáveis, também há contas externas equilibradas e a taxa de desemprego mais baixa em mais de 10 anos. Trunfos, que permitem ter “uma base económica sólida para retomar essa atividade”, de forma progressiva, quando a crise do Covid-19 passar.
Mário Centeno insiste em não mexer já no Orçamento de Estado para este ano — que só entrará em vigor a 1 de abril —, porque diz ter margem para acomodar o aumento das medidas de despesa já anunciadas na Segurança Social, de apoio às empresas e às famílias, e na saúde. Perante a inevitável pergunta sobre a necessidade do Orçamento Retificativo, o ministro das Finanças só admite rever quando for possível prever qual será o ajustamento necessário.