Nos debates, um quinto dos deputados, 46. Nas votações, o mínimo de 50%+1 do quórum, 116. É esta a regra neste período de exceção. Mas no debate do estado de emergência nunca estiveram no hemiciclo menos de 80 deputados, cumprindo a custo a regra não escrita de uma cadeira de distância entre si. No momento da votação estavam inscritos 149, mais 33 do que o exigido. E no debate que se seguiu, sobre as medidas para as rendas, também nunca estiveram menos de 46, sempre uns (poucos) mais. No bar junto ao plenário, a meio do debate, chegaram a estar vários deputados juntos e também algumas conversas de sofá no corredor do bar. Lá dentro, discutia-se a renovação do estado de emergência e eram repetidos pedidos aos portugueses para contenção nos contactos.

Na verificação de quórum, mesmo antes de ser aprovada a renovação do estado de emergência, o presidente da Assembleia da República fez saber que estavam “149 deputados registados”. “Todos os que votarem esta autorização, depois, podem e devem sair. Para já é fundamental que estejam”, disse Ferro, apelando a que depois esses deputados “deixassem apenas o quórum necessário para o funcionamento da Assembleia da República”. Mas não foi isso que aconteceu. Ficaram mais de 46 (embora o plenário tenha acabado por escoar até fechar trabalhos, já depois das duas da tarde). E o mesmo tinha acontecido durante o debate do estado de emergência, mesmo depois de Ferro já ter dito que os deputados podiam ficar para a mesa fazer a contagem, mas que deviam sair entretanto e voltar só para o momento da votação.

No início do debate era o PS o partido com mais deputados presentes no plenário, muito mais do que o mínimo de 22 deputados necessário para cumprir o que ficou definido: um quinto de cada bancada. Desta vez, o PSD conteve-se mais do que no debate de há duas semanas onde Rui Rio chegou mesmo a repreender quem estava e não devia estar. Mas na altura da verificação de quórum foi possível ver que era a bancada do PSD a que tinha mais deputados registados, dos 79 deputados eleitos, só não estavam 16 na Assembleia da República. E mesmo que no debate estivessem mais socialistas presentes, a bancada do PS tinha menos dez deputados registados do que a do PSD: estavam 53 socialistas, de acordo com o registo do quórum.

Deputados a um metro, cheiro a desinfetante e oposição só mesmo dentro do PSD

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Tal como aconteceu no último debate quinzenal, o líder do PSD fez, mais uma vez, passar a mensagem entre deputados sobre a lista dos deputados que deviam permanecer no plenário do debate. Através de um email, voltou dar indicação, em maiúsculas, que no plenário deveria estar, “A TODO O MOMENTO, APENAS UM GRUPO DE 16 DEPUTADA/OS (QUÓRUM MINIMO)”. Quem quisesse registar a presença, deveria fazê-lo, mas sair de imediato. Tendo em conta que esta quinta-feira estavam previstas votações, Rio acrescentava que os deputados do PSD seriam “informados, através de SMS, para regressarem ao Plenário e procederem ao registo de quórum de votação, SAINDO, DE NOVO, DE SEGUIDA, de forma a permanecerem apenas” os 16 deputados que indicava no email. “ESTE REGISTO DE QUÓRUM DE VOTAÇÃO É ÚNICO E SERVE PARA TODA A SESSÃO”, avisava no mesmo email. No PSD esta indicação foi-se cumprindo enquanto decorriam os debates.

Imagem do plenário após a intervenção de Ana Catarina Mendes. Deviam estar 46 e na imagem (que mesmo assim não cobre todo o plenário) estão mais de 70.

Nas outras bancadas parlamentares, estavam seis deputados comunistas (dos 10 eleitos) registados, 10 do BE (dos 19 eleitos), três do CDS (que tem cinco deputados), três do PAN (o grupo tem quatro), dois dos Verdes (todos os eleitos). Além dos três deputados únicos.

Quem entra e sai do plenário vem sempre a esfregar as mãos, depois de passar pelos dispensadores de gel desinfetante, e o deputado do CDS João Almeida, quando entra no plenário, retira a máscara com que circula lá fora (interveio no debate que se seguiu ao do estado de emergência). É o único que anda de máscara por ali. Na bancada do Governo estavam, além do primeiro-ministro, os secretários de Estado Duarte Cordeiro e Tiago Antunes e os ministros Pedro Nuno Santos, Mariana Vieira da Silva e João Gomes Cravinho. Todos com espaçamento entre si.

Quanto à mensagem, muitos louvores ao comportamento dos portugueses nesta fase, que foram transversais a todas as bancadas. Aos portugueses “que acataram regras”, como disse o primeiro-ministro ao referir que no período de emergência existiram 22 por violação do confinamento e 11 violações da ordem de encerramento de estabelecimentos.

Renovação aprovada, mas com menos consenso

O estado de emergência foi aprovado, ainda que com menos votos a favor do que da primeira vez. Há 15 dias, só houve as abstenções do PCP, Verdes, Iniciativa Liberal e da deputada não inscrita, Joacine Katar Moreira. Desta vez houve um voto contra, o do deputado João Cotrim Figueredo, do Iniciativa Liberal, e mais uma abstenção, a de André Ventura, do Chega.

Durante a sua intervenção, Ventura explicou as razões das suas reservas desta vez. Aliás, é sobretudo uma: a previsão de indultos a alguns presos que já foi admitida pelo Governo e que tem abertura no novo decreto presidencial. No texto assinado por Marcelo Rebelo de Sousa estão previstas “medidas excecionais” para os presos e para quem trabalha nos estabelecimentos prisionais.

Já Cotrim Figueiredo, desconfia do primeiro-ministro e questiona: “Merece confiança um primeiro-ministro que disse que as medidas eram suficientes e agora quer endurecer as medidas? Que assegurou que nada faltava ao SNS para ser desmentido pelo setor? Que há mais de uma semana prometeu abrir os dados epidemiológicos e não o fez?”. O voto contra foi anunciado ainda durante a intervenção.

Já as reservas do PCP, mantêm-se em relação à última vez, com o líder parlamentar João Oliveira a defender que “todos os abusos e arbitrariedades são hoje impostos aos trabalhadores com o pretexto do estado de emergência”. O comunista considera que “o surto epidémico coloca um grande conjunto de problemas sanitários, económicos e também sociais”, mas que “para nada disso é obrigatório o estado de emergência”. E declarou do púlpito, com Costa sentado mesmo por baixo: “O PCP não aceita que o estado de emergência seja pretexto para se impor lei da selva”.

Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, centrou-se nas medidas que quer ver aplicadas num estado de emergência com o qual concorda. “A resposta à pandemia não é apenas sanitária”, avisou apontando para os problemas económicos e sociais. “O Governo deve usar os poderes que lhe são conferidos pelo estado de emergência para a requisição dos equipamentos, instalações e profissionais necessários para responder à crise”, defendeu referindo-se a todos, incluindo privados.

A preocupação mais visível no discurso da líder bloquista foi com os trabalhadores, manifestando-se mesmo contra as “referências ao direito à greve e ao direito à resistência” que “não deviam constar do decreto”, por não acrescentarem nada, defende. “Para responder a esta pandemia, o Governo não precisa de se proteger dos direitos dos trabalhadores. Precisa sim de proteger quem trabalha reforçando direitos, precisa de proteger o emprego, a saúde, os rendimentos e as condições de segurança no exercício de todas as atividades que continuam”, avisou a deputada.

Rio apertou a banca

Mas o aviso mais grave — pelo tom das palavras e pelo lado da barricada de onde veio — foi o de Rui Rio à banca. O líder do PSD apontou para aqui a sua intervenção esta quinta-feira, dizendo que “a banca deve muito, mesmo muito, a todos os portugueses. Impõe-se que agora ajude as famílias e as empresas. Não pode querer ganhar dinheiro com a crise”, avisou. E deixou mesmo claro que se no fim de tudo isto, a “banca apresentar, em 2020 e 2021, lucros avultados, esses lucros serão uma vergonha e ingratidão para com os portugueses”. “A banca não pode ganhar com a crise, isto para mim é claro”. Catarina Martins acabaria por secundar a ideia ao defender que é preciso “chamar a banca e as grandes empresas, desde logo as energéticas, à sua responsabilidade. E proibir a distribuição de dividendos.”

O líder do PSD reforçou ainda o apelo à contenção, num período que pode ser de “saturação” com o confinamento domiciliário. E, mais à frente, o primeiro-ministro teve a mesma linha da raciocínio. Aliás, António Costa disse mesmo que “se há 15 dias era importante declarar o estado de emergência, hoje é absolutamente imprescindível renovar”. E isto “não porque ao longo destes 15 dias os portugueses não tenham acatado limitações”, explicou, mas porque se avizinham três riscos concretos.

Os casos novos estão a “desacelerar”, disse Costa ainda antes de se conhecer o boletim do dia da Direção-geral de Saúde, mas o primeiro-ministro mostra-se preocupado com três perigos: o da “fadiga da auto-contenção”, o da “dor dos sacrifícios impostos às famílias e empresas” que começa a apertar, e a Páscoa. “Não podemos ir à terra”, foi a máxima que deixou mais uma vez o primeiro-ministro. Os próximos 15 dias estão a preocupar governantes, pelos contactos que podem promover. Esta renovação do estado de emergência, por mais 15 dias, vai levar a novas medidas do Governo (aprovadas esta quinta-feira em Conselho de Ministros) que se adivinham mais restritivas para as deslocações, precisamente para conter intenções de reuniões familiares neste período festivo.

Esta renovação do estado de emergência mantém-se válida até 17 de abril. Resta saber se nessa altura ainda haverá necessidade de prolongar por mais 15 dias este período de exceção. A Constituição prevê que seja possível a renovação a cada 15 dias.

Europa em xeque. Os coveiros, a conversa fiada e o orgulho do PS em Costa

Até os partidos mais europeístas fizeram avisos a Bruxelas. O presidente do PSD, Rui Rio, advertiu a União Europeia: “Sem solidariedade irão crescer o eurocepticismo e os extremismos, e iremos ter no futuro muito menos Europa”.

O mesmo aviso fez a líder parlamentar do PS que diz que esta é “uma Europa que está também à prova destes tempos” e que se “os líderes de governo se não estiverem a salvo das mesquinhas visões nacionais de curto prazo, serão mesmo os coveiros do ideal europeu”. As farpas socialistas visavam governo holandês — com quem Costa se pegou durante a última semana — e outros que são contra a mutualização da dívida, os chamados coronabonds. E, em causa própria, elogiou o líder do partido: “Nesta frente, temos orgulho na postura que o governo português tem assumido junto dos seus parceiros.”

Apesar dos perigos de excesso de autoridade, Ana Catarina Mendes lembrou que o “primeiro-ministro disse que a democracia não estava suspensa. E não está.” O PS percebe que as medidas “sejam alvo de elevado escrutínio” e que um “estado de emergência acarreta riscos”, mas há “razões para não temer a sua instrumentalização”. E aí aproveitou para visar a democracia musculada do primeiro-ministro húngaro Viktor Órban, ainda mais musculada com o pretexto da crise sanitária:”Infelizmente o mesmo não podemos dizer com outros países da Europa”. O PEV não acredita na sequência de palavras “solidariedade da União Europeia”. Para o deputado José Luís Ferreira isso significa “conversa fiada” e um mero “slogan publicitário”.