A Casa Fernando Pessoa adquiriu na semana passada, no leilão do espólio do sobrinho de Fernando Pessoa, Luíz Miguel Rosa Dias, que decorreu em Lisboa, um conjunto de livros, alguns deles da biblioteca pessoal do poeta, e papéis antigos que “ajudam a contar a história do escritor”. Uma das obras, “Reflexões sobre a língua portuguesa, é apontado como uma das “leituras prediletas” pelo narrador de o Livro do Desassossego.

O leilão da coleção particular de Luíz Miguel Rosa, que morreu em agosto do ano passado, aos 88 anos, foi organizado pelo Palácio do Correio Velho. A sessão estava originalmente marcada para 18 de março, mas a situação gerada pela pandemia de Covid-19 e a entrada em vigor do estado de emergência obrigaram a leiloeira de Lisboa a adiar por duas vezes a venda, que acabou por acontecer a semana passada, 6 de maio, online. Segundo o jornal Público, o leilão decorreu durante cerca de quatro horas, rendendo perto de 110 mil euros. Uma escrivaninha que pertenceu a Pessoa, um dos muitos objetos pessoais do poeta à venda, foi arrematada por 41 mil euros, de acordo também com o Público.

Um dos livros adquiridos pela Casa Fernando Pessoa, Thuileur des 33 degrés de l’écossisme du rit ancien, dit accepté…, uma edição parisiense de 1821 sobre o rito escocês da maçonaria, fazia parte da biblioteca particular de Pessoa e encontrava-se já digitalizado pela Casa Fernando Pessoa e disponível para consulta online. Este foi o único lote do leilão sobre o qual a Câmara Municipal de Lisboa exerceu o direito de preferência, tendo os restantes lotes sido adquiridos pela Casa Fernando Pessoa.

Leilão com escrivaninha e outros objetos pessoais de Fernando Pessoa adiado devido ao coronavírus

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Outra das obras adquiridas, e que se reverte de especial importância por ser referida no Livro do Desassossego, é Reflexões sobre a língua portuguesa, de Francisco José Freire, o principal teorizado da academia literária Arcádia Lusitana, que funcionou no século XVIII. Num excerto que começa “Não conheço prazer como o dos livros, e pouco leio”, o narrador de o Livro do Desassossego admite que as suas “leituras prediletas são a repetição de livros banais que dormem comigo à minha cabeceira” e há dois que não o deixam nunca:

“As minhas leituras prediletas são a repetição de livros banais que dormem comigo à minha cabeceira. Há dois que me não deixam nunca — A Retórica do Padre Figueiredo e as Reflexões sobre a Língua Portuguesa, do Padre Freire. Estes livros, releio-os sempre a bem; e, se é certo que já os li todos muitas vezes, também é certo que a nenhum deles li em sequência. Devo a esses livros uma disciplina que quase creio impossível em mim — uma regra do escrever objetivado, uma lei da razão de as coisas estarem escritas”.

A Casa Fernando Pessoa comprou ainda os livros Versos, de Augusto Gil, editado em Lisboa pela editora Guimarães, provavelmente em 1919, e Voyages de Cyrus, de M. Ray, editado em Londres pela J. Nourse, em 1762.

Um dicionário de neerlandês dos tempos de Durban, um presente dos irmãos e os livros que foram do tio

Entre os objetos adquiridos pela Casa Fernando Pessoa, que encerrou no ano passado para obras e que permanece sem uma data de reabertura, conta-se um conjunto de peças relacionadas com a vida de Pessoa em Durban, na África do Sul: um dicionário de neerlandês-africânder-neerlandês, que pertenceu a um dos irmãos do poeta; um retrato pouco conhecido do irmão João; o livro How to fly or the conquest of the air, de Richard Ferris, ilustrado com fotografias e uma dedicatória, que Pessoa recebeu dos irmãos; e ainda um cartão de visita do cunhado Francisco Caetano Dias, casado com a irmã Teca, mãe de Luís Miguel Rosa e Manuela Nogueira.

O organismo comprou ainda no leilão do Palácio do Correio Velho um conjunto de sete volumes sobre assuntos como literatura portuguesa ou a revolução republicana, com dedicatória a Henrique Rosa, irmão do padrasto de Pessoa. Intelectual e poeta, Henrique Rosa foi uma influência importante para Pessoa durante os seus anos de juventude. Foi Rosa que lhe apresentou Camilo Pessanha, na Pastelaria Suíça, em Lisboa, um encontro que o poeta recordou mais tarde em carta ao autor de Clepsydra.

Livros que pertenceram a Fernando Pessoa custaram à Câmara Municipal de Lisboa 11 mil euros

A sessão organizada na semana passada pelo Palácio do Correio Velho é a mais recente de uma série de leilões realizados recentemente com espólio de Fernando Pessoa, classificado como bem de interesse nacional, que estava na posse dos seus sobrinhos. Foram eles que após a morte da irmã do poeta, Henriqueta Madalena Nogueira Dias, ficaram com os bens que tinham pertencido ao tio.