Mesmo antes de o carro que transportava o primeiro-ministro atravessar o Pátio dos Bichos, no Palácio de Belém, um pequeníssimo esquilo atravessou o caminho, discreto. Não podia haver contraste maior com a entrada de leão (não do Leão) do primeiro-ministro sobre a oposição, minutos depois. Era o segredo mais mal guardado dos últimos tempos políticos, ainda assim foi inesperado ouvir António Costa vir reencaminhar de viva voz o seu ex-ministro das Finanças, acabado de cessar funções, para governador do Banco de Portugal. Sem rodeios. E não só foi claro em assumir essa intenção, como foi muito crítico em relação à iniciativa parlamentar que ameaça boicotar-lhe esses planos.

Mário Centeno é uma hipótese para o Banco de Portugal? A pergunta era esperada, a resposta é que nem por isso. “Por exemplo, é uma hipótese”. Ficou dito. Foi a primeira vez que António Costa assumiu o que já se falava, e logo ali, em Belém, acabado de sair da sala dos Embaixadores onde tinha decorrido a tomada de posse do novo ministro das Finanças, ainda mal arrefecia Mário Centeno, que exerceu essas funções durante praticamente cinco anos.

Já com Centeno livre, Costa ouve partidos sobre novo governador do Banco de Portugal no final do mês

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Tentando travar a carroça que já ia à frente dos bois, Costa lá disse que primeiro quer ouvir os partidos e o seu novo ministro das Finanças, João Leão, sobre o assunto. “Depois decido e comunico”, disse. Na verdade, a proposta é feita pelo ministro das Finanças e a nomeação feita pelo Conselho de Ministros. Também ali naquela sala, perante as perguntas dos jornalistas momentos depois, João Leão assumia, sobre Centeno e o Banco de Portugal, que “sim, é óbvio que é uma boa hipótese. É uma excelente hipótese”. E disse ainda não ver “obviamente, nenhum inconveniente”. Saiu de imediato, não querendo alongar-se sobre o assunto, coisa que Costa tinha feito antes dele.

Questionado pelos jornalistas, o primeiro-ministro declarou até que Centeno “tem todas as condições, do ponto de vista pessoal e profissional, e todas as competências para ser governador do Banco de Portugal — até o atual governador já o reconheceu”. A insistência neste ponto não é inocente, afinal nos últimos dias o Parlamento aprovou dois projetos de lei (PAN e PEV) com novas regras para a nomeação do governador do Banco de Portugal e da direção das entidades administrativas independentes. O que inclui um intervalo de cinco anos para ex-governantes. A iniciativa do PAN — a mais abrangente — foi aprovada com votos favoráveis do proponente,  do PSD, CDS, Chega, BE, Iniciativa Liberal e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira. O PS votou contra e o PEV e o PCP abstiveram-se.

Se a lei saísse antes da nomeação de Centeno — o mandato do atual governador termina a 7 de julho –, o ex-ministro ficaria impedido de transitar para o Banco de Portugal no imediato. A iniciativa deixou António Costa irritado e em Belém deixou-o claro ao dizer que “num estado de direito e em democracia, leis ad hominem, com a função de perseguir pessoas, são inadmissíveis”.

Costa diz não perceber “a vontade de perseguir Mário Centeno: cometeu algum crime? Não percebo e estou seguro que, fora da bolha parlamentar, ninguém percebe que se faça uma lei que tenha como único objetivo impedir que Mário Centeno vá para governador do Banco de Portugal”. Avisou também que esta nomeação é uma competência do Governo que, ainda que responda “publicamente perante a Assembleia da República, tem as suas competências e não estão ao sabor das vontades conjunturais”. “Não há nenhuma razão para alterar essas competências”.

Rui Rio, líder do PSD, concorda com a existência de um período de nojo, embora considere excessivo exigir um intervalo de cinco anos. Dois seriam suficientes, no seu entender, mas o PSD aprovou o projeto do PAN. Costa respondeu-lhe, ainda em Belém: “Não tenho de Rui Rio uma visão mesquinha, de que se vinga em atos legislativos daquilo que é o debate normal no terreno político”. Mas também diz “não compreender esta fúria de alguns partidos de perseguirem e castigarem Mário Centeno como se tivesse cometido algum crime”. “Há pessoas a quem o confinamento deve ter feito mal”, provocou ainda.

Também avisou que “nem precisava de ouvir os partidos, como o antecessor não ouviu ninguém antes de designar o atual governador”, mas vai ouvir todos, embora não aceite “que atem os pés e as mãos ao Governo”.

O ex-ministro e o seu futuro tomou quase todo o tempo das declarações do primeiro-ministro depois da posse do novo. João Leão aceitou funções numa sessão diferente, com máscaras e sem os tradicionais intermináveis cumprimentos, que durou cinco minutos. Entre quem sai e quem entra, António Costa destacou apenas a “continuidade”. É uma “transição tranquila”. A “melhor forma de transmitirmos um sinal de continuidade da política económica e financeira que já nos deu boas provas no passado”, afirmou.

Saltou à frente dos “fait divers” que diz ser toda a trama que envolveu esta saída de Centeno. Afinal assumiu ou não funções já com esta saída prevista? O primeiro-ministro não disse, agarrou-se ao “novo ciclo” e ao Conselho Europeu desta semana para desviar o foco para outro lado.  “Esta semana será particularmente importante já que o Conselho Europeu vai discutir pela primeira vez a proposta da Comissão [para a recuperação europeia pós-Covid-19)” e Costa espera “espírito construtivo” sobretudo da parte dos países frugrais (Holanda, Dinamarca e Áustria).