O filme de guerra naval e submarina é um dos subgéneros do cinema passado na II Guerra Mundial e tem alguns excelentes representantes, caso de “Duelo no Atlântico” (1957), de Dick Powell (Robert Mitchum é o comandante de um “destroyer” americano e Curd Jurgens o de U-Boat alemão, e andam a caçar-se um ao outro) ou de “A Odisseia do Submarino 96” (1981), de Wolfgang Petersen (a história da tripulação de um U-Boat durante a Batalha do Atlântico). Há ainda filmes passados nos navios que formavam os comboios aliados que atravessavam o Atlântico transportando mantimentos, combustível e armamento para Inglaterra ou para a URSS, e eram atacados pelas alcateias de submarinos alemães, como “Tormenta a Bordo”, de John Ford, “Comboio para Leste” (1943), de Lloyd Bacon, ou “O Mar Cruel” (1953), de Charles Frend.
Escrito e interpretado por Tom Hanks com base no romance The Good Shepherd, de C.S. Forester (o criador de Horatio Hornblower), e realizado por Aaron Schneider, “Missão Greyhound” passa-se todo no “destroyer” americano que dá o título à fita e pode ser visto na Apple TV+. Não chegou também a estrear-se nos cinemas como estava previsto, por causa da pandemia. Hanks é o inexperiente mas diligente comandante Ernest Krause, que se estreia a escoltar, em 1942, um comboio de cargueiros e transportes numa travessia do Atlântico, dos EUA a Inglaterra. Quando deixam a zona de cobertura aérea e os navios ficam mais vulneráveis, surge uma alcateia de submarinos inimigos.
[Veja o “trailer” de “Missão Greyhound”:]
No livro, o militar tem de combater tanto os submarinos alemães como os estados de alma da sua vida pessoal (a mulher abandonou-o) e os temores que o afligem por pensar não poder estar à altura da missão que desempenha. No filme, Hanks mudou o estado civil de Krause (ainda não casou — Elizabeth Shue surge brevemente como sua namorada) e atenuou-lhe as tensões interiores, mantendo-o um homem muito religioso (ao contrário da sua tripulação, em vez de se regozijar com o afundamento de um submarino alemão, ele fala em “almas perdidas” à vista dos cadáveres dos inimigos) e sobretudo sempre preocupado em cumprir o seu dever sem uma falha e não fazer má figura perante a tripulação, e os comandantes dos outros dois “destroyers”, mais novos e de patente inferior à dele, mas com mais tarimba de combate. De tal forma, que desleixa refeições e sono.
[Veja uma entrevista com Tom Hanks e outros membros do elenco:]
“Missão Greyhound” combina filmagens feitas num navio de guerra canadiano no Atlântico e noutro americano no Louisiana, com efeitos digitais para as sequências em alto mar e de combate, o que faz com que a fita ora tenha um aspeto realista, sobretudo quando estamos na ponte ou no convés do navio, ora aquela textura visual sintética dos jogos de vídeo. Apesar de artesanais, os modelos de barcos filmados num tanque em estúdio usados nas velhas fitas de II Guerra Mundial, conseguiam ser mais convincentes do que estas recriações por computador, em que se percebe que aquela água cinzenta e revolta, aqueles céus sempre carregados, os submarinos alemães que rondam o comboio e os barcos que o compõem, são virtuais.
[Veja uma cena do filme:]
https://youtu.be/3OiDdqzcQr0
Falando em combate, há alturas onde Schneider e Hanks esticam demasiado a corda da plausibilidade nos confrontos entre os “destroyers” que defendem e protegem o comboio e os submersíveis que o atacam. Nos filmes de aviação recentes passados nas duas guerras mundiais, perdeu-se por completo a noção das distâncias nos combates aéreos e nos bombardeamentos, e a julgar por “Missão Greyhound”, acontece o mesmo nos filmes navais. “Destroyers” e submarinos estão por vezes tão juntos uns dos outros (e a fazer fogo uns sobre os outros) e passam tais rasantes, que parece estarmos não numa fita passada na II Guerra Mundial, mas num filme de piratas em que se prepara uma abordagem. A má influência dos jogos de vídeo no cinema também se deteta nisto. (E não falta também, entre outros clichés, o dos torpedos que passam muito, muito perto, mas nunca acertam).
[Veja uma cena do filme:]
Hanks personifica Ernest Krause com a sua reconhecida capacidade de sugerir muito com muita poupança de expressão, para retratar um homem que tem que se dominar a si mesmo para poder mandar nos outros, transmitindo-nos as responsabilidades e a urgência de tomar decisões rápidas e drásticas por parte de alguém que comanda um barco como o Greyhound. Só que a personagem não tem com quem contracenar, entrar em conflito ou em sintonia, e ficamos com um circunspecto “one man show” sobre comando de um “destroyer” em guerra. “Missão Greyhound” não consegue recuperar nem recriar as atmosferas ou a vibração dos filmes antigos que quer emular, excetuando a duração: hora e meia quase certa. Nesta época de filmes intermináveis, com duas e três horas mas que parecem ter o dobro, é uma bênção.
“Missão Greyhound” já está disponível na Apple TV+