África “está a ser estigmatizada pela forma como está a gerir as suas dívidas públicas”, no momento em que mais precisa de financiamento, sendo esse um dos problemas “exacerbados” pela Covid-19, considera o economista guineense Carlos Lopes.

“Tivemos uma série de questões sistémicas para resolver antes da Covid-19, que têm vindo a ser exacerbadas pela pandemia. Uma delas é a da forma como lidamos com a dívida pública. A dívida pública tornou-se um problema mundial, não africano, e, por alguma razão, África está a ser estigmatizada pela forma como está a gerir as dívidas”, afirmou o economista, atualmente professor na Nelson Mandela School of Public Governance e alto representante da União Africana (UA) para as Parcerias com a Europa.

Temos que corrigir essa perceção, mas, mais do que isso, temos que ver como lidamos com a avaliação de risco, com o comportamento das agências de notação de risco. Temos que lidar com a forma como acedemos ao financiamento para o desenvolvimento. Temos que colocar em cima da mesa o assunto crítico de como capitalizamos as nossas economias, afirmou Carlos Lopes, em declarações no Fórum Brasil-África 2020, organizado pelo Instituto Brasil África, que decorre “online”esta terça e quarta-feira.

A grande dificuldade de acesso ao financiamento, que para as economias africanas está a “preços proibitivos”, “isso vai ser combinado com a fuga de investimento, porque muitos investidores estão com medo do que vai acontecer em África”, acrescentou.

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A “forte liquidez” que está a ser introduzida em alguns países, do hemisfério norte, da OCDE, faz com que os investidores prefiram “ir para países onde há abrigos. Isso vai fazer com que haja muita fuga de capital, que já não estava a crescer“, disse ainda o economista.

Carlos Lopes considerou que o continente vai passar por uma recuperação muito lenta – “não vai ser em V, longe disso. Teremos sorte, se tivermos uma recuperação em L, que dure um ano” — e prolongar-se-á, pelo menos durante todo o próximo ano. “Tivemos um aumento do desemprego devido à pandemia. O impacto socioeconómico está a ser muito mais devastador do que o impacto sanitário em África. E por causa das características das nossas economias, vamos sentir um efeito de arrastamento que, na minha opinião, vai durar todo o próximo ano de 2021″, estimou.

A saída do continente às consequências da pandemia afigura-se estreita e o economista admitiu o seu “pessimismo” em relação ao futuro próximo de uma região do mundo com desequilíbrios económicos tão profundos.

“Temos 35 países — de um total de 55 países que compõem o continente – na categoria de altamente dependentes da exportação de matérias-primas, o que significa que somos altamente afetados pela volatilidade nos mercados das matérias primas”. E “vamos continuar a ter a volatilidade nos mercados de matérias-primas, particularmente nas matérias primas mais importantes no nosso setor exportador, como é caso do petróleo, que representa perto de 40% das nossas exportações”, avisou.

A descoberta de uma vacina para a Covid-19, ainda que estivesse para breve — e o economista não acredita nessa “promessa” — também não resolve a questão na forma adequada às necessidades do continente. Os africanos sabem pela experiência do HIV-SIDA e do vírus do ébola “que as vacinas são prometidas logo no inicio da eclosão de uma pandemia, mas depois demoram muito a aparecer. Ainda não temos uma vacina para a HIV-SIDA, ainda não temos uma vacina para o ébola e duvido que venhamos a ter uma vacina em breve [para a Covid-19], apesar dos melhores esforços que estão a ser feitos”, disse. “Portanto, penso que é avisado prepararmo-nos para um impacto muito mais prolongado. Um impacto muito maior significa que, mesmo que haja uma vacina, ela não será distribuída em todo o lado de forma vasta durante algum tempo, por isso, vamos ter que viver com estas consequências da pandemia durante algum tempo”, estimou.