Marcelo saiu no seu carro da porta lateral do Palácio de Belém, estacionou-o uns metros à frente e caminhou mais alguns pela rua até à pastelaria Versailles de Belém. Quando acabou o anúncio da candidatura, na última segunda-feira, já saiu como candidato e, por isso, saiu dali como chegou: a conduzir o seu próprio carro. Vem aí uma campanha ainda mais solitária (com menos staff e cargos reduzidos aos “mínimos legais”), com menos ações de campanha e com muito menos rua do que há cinco anos. O que significa, claro, menos afetos. “O calor dos portugueses é sempre o mesmo, pode manifestar-se de várias formas”, avisou esta segunda-feira o Presidente. O Observador sabe que Marcelo Rebelo de Sousa terá outra inovação: não terá delegados de voto nas mesas no dia das eleições, de forma a reduzir os riscos de contágio em tempo de pandemia.

O candidato Marcelo Rebelo de Sousa, sabe o Observador, confia na integridade dos delegados dos restantes candidatos e, por isso, não se fará representar por delegados nas mesas a 24 de janeiro, dia da votação (cada candidatura tem direito a um delegado de voto). Isto permite ao Presidente demarcar-se mais do seu partido (o PSD), que tratava das questões mais logísticas e de arregimentar delegados junto das estruturas locais dos partidos.

Uma equipa mínima e o “assessor de si próprio”

Há quatro anos, Marcelo fez uma campanha mínima, que servirá de modelo para esta. Com a diferença de que esta campanha será ainda mais minimal. Em 2015, Marcelo contratou o seu taxista de sempre em Lisboa (o “senhor Vítor”) que, de outubro até 24 de janeiro, foi o motorista de campanha e o seu táxi — descaracterizado, com o taxímetro tapado — foi o carro do candidato durante toda a campanha. O staff contava ainda com dois assessores de imprensa (Duarte Vaz Pinto, que ainda está com Marcelo em Belém, e Mariana Mira Corrêa, que foi exonerada da Casa Civil durante o mandato) e tinha como diretor de campanha o antigo líder da JSD, Pedro Duarte (com quem as relações acabaram por esfriar).

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Desta vez, a equipa será ainda mais pequena. Ao que o Observador apurou, a candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa não terá diretor de campanha e apenas irá ocupar os cargos mínimos previstos na lei: mandatário nacional e mandatário financeiro. Outra diferença relativamente à campanha anterior é que o candidato presidencial não terá mandatários distritais, cumprindo os objetivos de ter uma equipa pequena e de não envolver máquinas partidárias.

Marcelo quer também separar ao máximo as águas entre a Presidência e a candidatura. Na segunda-feira fez uma reunião com a Casa Civil a dizer isso mesmo aos seus colaboradores: não quer envolvimentos de ninguém da Presidência na campanha. O chefe do gabinete de Comunicação da Presidência, Paulo Magalhães, não terá qualquer contacto com a campanha e o mesmo acontecerá com outros membros da equipa do Presidente que lidam de perto com os jornalistas, como Ricardo Jorge Branco. Para já, para a apresentação da candidatura preparada em tempo recorde, Marcelo contou com a ajuda do consultor de comunicação Vítor Cunha (da M Public Relations e da JLM&A). Foi Vítor Cunha, que está a ajudar Marcelo a título pessoal, que organizou a apresentação e tentou gerir, em tempo recorde, a presença da imprensa no local.

Nesta fase inicial da campanha, Marcelo conta ainda com a ajuda de amigos do seu inner circle, como o administrador da Fundação Champalimaud, João Silveira Botelho, que como avançou o Expresso, é “peça-essencial” na preparação da recandidatura do atual Presidente.

Do ponto de vista da organização esta será muito a campanha de um homem só. O Presidente conhece, aliás, relativamente bem o panorama da comunicação social em Portugal. É, por isso, provável, segundo lembra fonte próximo ao Observador, que em muitas ocasiões ao longo da pré-campanha e da campanha que se avizinha seja Marcelo o “assessor de si próprio”.

Menos rua, menos ações, mas muitos debates

Em matéria de deslocações, também serão muito menos do que há quatro anos. Mas terão, necessariamente, de ocorrer. Marcelo saiu do anúncio a conduzir o seu próprio carro, onde escolheu uma música para seguir caminho: “Can’t take my eyes off of you“, de Frankie Valli. E lá foi estrada fora, sozinho, enquanto ouvia: “You’re just too good to be true/Can’t take my eyes off of you/You’d be like Heaeven to touch/I wanna hold you so much.” É incomportável, por mais curta que seja a campanha, que seja sempre Marcelo a conduzir o próprio carro, mas para já o “senhor Vítor” ainda não foi mobilizado.

Há cinco anos, Marcelo realizava sempre a última ação de campanha no máximo às 17h00 e essas eram normalmente sessões de esclarecimento público em salas de espetáculos, mas sem jantares-comício (teve grandes enchentes em cidades como Viseu ou Braga, mas não foi uma campanha de massas). Esse tipo de eventos de campanha à antiga, como são os jantares-comício, também é certo que não existirá desta vez. A rua também será muito mais limitada e o Presidente vai escolher fazer uma campanha mais direcionada para a televisão, privilegiando os debates e as entrevistas.

Em julho, quando PS e PSD se entenderam para acabar com os debates quinzenais, Marcelo Rebelo de Sousa utilizou, aliás, uma forma peculiar de criticar o fim desses debates, garantindo que ele — caso fosse candidato — “obviamente” iria “debater com todos os candidatos”. Marcelo, sabe o Observador, pretende cumprir esta promessa. Para já, o que está previsto é que entre 2 e 9 de janeiro as três televisões generalistas (RTP, SIC e TVI) transmitam 15 debates televisivos: cada uma das televisões transmite cinco debates.

Marcelo Rebelo de Sousa domina a arte de comunicar através da televisão — onde esteve como comentador político durante mais de 20 anos — não estando tão confortável noutras plataformas, como as redes sociais. É por isso que o candidato está a pensar a campanha de forma a chegar às pessoas pelas televisões. A primeira entrevista será já esta sexta-feira e, sem surpresas, a uma televisão — à SIC.

PSD de Rio fora da recolha de assinaturas

Outra inovação em matéria de afirmar a independência relativamente ao PSD passa pela recolha de assinaturas, que ainda é mais cuidadosa do que foi há cinco anos. O processo é complexo, já que são necessárias 7.500 assinaturas para que uma candidatura seja validada pelo Tribunal Constitucional. O apoio da máquina dos partidos ganha, neste ponto, uma especial importância.

Em 2015, Marcelo Rebelo contou com o apoio do então secretário-geral do partido, José Matos Rosa, que montou uma equipa para tratar das assinaturas. Figuras como Tiago Sá Carneiro, então adjunto na sede nacional, ou Ângelo Pereira, atualmente presidente da distrital de Lisboa, envolveram-se na altura na recolha de assinaturas. Quando Marcelo, a 23 de dezembro, entregou as 15 mil assinaturas no Tribunal Constitucional, foi até pedido aos membros do PSD (sem êxito) que tentassem não aparecer nas fotografias para que não houvesse uma leitura partidária do momento.

Desta vez, Marcelo Rebelo de Sousa volta a contar com a ajuda de José Matos Rosa, mas este já não é dirigente do PSD. Marcelo não pediu, aliás, ajuda ao partido para esta recolha. Se Matos Rosa foi envolvido em 2015, ao atual secretário-geral do PSD, José Silvano, ainda não terá sido pedida ajuda. Para já estão envolvidos elementos que apoiaram Miguel Pinto Luz, o que não terá caído bem no partido liderado por Rui Rio.

As ações de recolha de assinaturas não estão a decorrer apenas no sul, mas também no centro e no norte, onde há pessoas ligadas não só ao PSD, mas também a outros partidos, como o PS, a mobilizarem-se para essa recolha. Com uma condição: é feita à margem dos partidos e sem envolver diretamente os aparelhos partidários. Em 2016, a presença da máquina partidária nunca foi assumida, mas mais tarde essa estrutura foi revelada na íntegra pelo Observador e foi possível verificar que eram todos dirigentes locais do PSD, embora segundas e terceiras linhas para não chamar a atenção.

Marcelo convida para jantar estrutura partidária que não existia