A discrepância entre o que viu o médico do INEM que verificou a morte de Ihor, o cidadão ucraniano morto no centro de retenção temporária do aeroporto de Lisboa, e o que atestou o médico legista que assinou a autópsia vai levar a Ordem dos Médicos a avaliar se deverá avançar com um processo disciplinar contra este profissional.

Esta informação, no entanto, só foi comunicada pela Inspeção Geral da Administração Interna aquele órgão regulador dos médicos esta terça-feira, depois de o ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita tocar no assunto durante uma audição parlamentar.

SEF. Cabrita admite “erros” mas fica (e anuncia reforma para janeiro)

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Cabrita falou sempre numa certidão de óbito, mostrando aos deputados um verbete do INEM onde se lia:“em paragem cardiorrespiratória presenciada, após crise convulsiva …. foram utilizadas manobra de reanimação cardiopulmonar, sem sucesso”. A Ordem dos Médicos acabaria por esclarecer em comunicado, pouco depois, que em causa não estava um certificado de óbito, mas sim uma verificação.

“Verificar o óbito é confirmar que aquele indivíduo está morto. Certificar o óbito é estabelecer uma causa de morte com todas as implicações legais que isso tem”, explicou Duarte Nuno Vieira, médico legista que foi presidente do Instituto de Medicina Legal (IML), ao jornal Público.

Para o ministro da Administração Interna, este certificado — que afinal é uma verificação — causou surpresa. Até porque em momento algum fala nas marcas de agressão no corpo, que despertaram logo a atenção do médico que lhe viria a fazer a autópsia e que percebeu logo as agressões. O relatório da autópsia é de 23 de de abril, mais de um  mês após o homicídio. O Público recorda que, em declarações à PJ, o médico de 30 anos disse que apenas reparou num hematoma na face de Ihor Homenyuk e que não notou outros sinais. Segundo a investigação, antes da sua chegada às 18h17, Ihor Homenyuk estava a ser assistido, desde as 17h31, por uma enfermeira e dois socorristas da Cruz Vermelha. A socorrista disse à PJ que tinha visto hematomas no corpo e que aqueles dificilmente se compatibilizavam com queda.

Caso Ihor. Ordem dos Médicos diz que foi esta terça-feira contactada pela primeira vez sobre o caso

Já em resposta ao Público, o INEM diz que foi analisada a atuação do médico e concluiu-se “que as equipas cumpriram com o protocolo instituído”. O INEM não tem registo a qualquer referência a lesões feita pelo médico nesse dia.

A autópsia confirmou que “a morte resultou de asfixia lenta, decorrente da sinergia de dois fatores: as agressões de que foi vítima e de ficar algemado, por várias horas, com as mãos atrás das costas”. Além das fraturas dos arcos costais, tinha marcas contundentes, “suscetíveis de terem sido efetuadas com um bastão ou um cassetete e a presença da equimose modelada com a forma de uma bota, que denuncia um provável pontapé”.

“Isto aqui é para ninguém ver”. As 56 horas que levaram à morte de um ucraniano no aeroporto de Lisboa