“É moralmente aceitável receber vacinas contra a Covid-19 que usaram linhagens celulares de fetos abortados na sua pesquisa e processo de produção”, lê-se num documento do Vaticano aprovado pessoalmente pelo Papa. A Congregação para a Doutrina da Fé ressalva, no entanto, que isso só pode acontecer “quando as vacinas contra a Covid-19 eticamente irrepreensíveis não estiverem disponíveis”.

O documento segue a mesma orientação de uma declaração, de 2005, da Pontifícia Academia para a Vida, sobre as reflexões morais do uso deste tipo de células. O mesmo organismo confirmou, em 2017, que os católicos podiam em boa consciência recorrer a estas vacinas quando não houvesse alternativas.

Os católicos têm o dever moral de não aceitar as iniciativas que incentivem ou validem o aborto, mas o “dever moral de evitar tal cooperação material passiva não é obrigatório se houver um perigo grave, como a disseminação de outro modo incontrolável de um agente patológico grave — neste caso, a disseminação pandémica do vírus SARS-CoV-2 que causa Covid-19”, refere a nota da Congregação para a Doutrina da Fé.

Deve ser enfatizado, porém, que o uso moralmente lícito destas vacinas, em condições particulares, não constitui por si só uma legitimação, mesmo indireta, da prática do aborto, e necessariamente pressupõe a oposição a esta prática por quem faz uso dessas vacinas”, lê-se na nota.

A nota destaca que o uso destas vacinas de consciência tranquila nas condições particulares que o mundo enfrenta neste momento não significa, porém, que a Igreja Católica aprove a prática do aborto ou o uso de células fetais humanas resultantes de abortos na investigação científica. Mais, o órgão da Cúria Romana recomenda que as farmacêuticas e autoridades de saúde arranjem formas mais éticas para fazer investigação e produzir medicamentos, que não levantem problemas de consciência a quem precisa de os tomar.

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O documento destaca que a vacinação é voluntária e não uma obrigação moral, mas que “do ponto de vista ético, a moralidade da vacinação depende não só do dever de zelar pela própria saúde, mas também do dever de zelar pelo bem comum”. Quem não quiser ser vacinado deve garantir que cumpre as restantes medidas de prevenção de transmissão do SAR-CoV-2.

Recusar o uso de linhas celulares com origem em fetos

Os católicos mais conservadores, membros de outras religiões e movimentos anti-vacinação têm contestado as vacinas contra a Covid-19 por usarem linhagens celulares que tiveram origem num feto abortado. Alguns grupos que promovem informação falsa têm divulgado que as vacinas têm mesmo células de fetos abortados entre os componentes da vacina.

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A alegação de que as vacinas contém células de fetos abortados é totalmente falsa. O conteúdo das vacinas é purificado de forma a só ter mesmo os componentes que se espera que estejam no seu interior — e células humanas, ou de qualquer outro ser vivo, não estão incluídas.

E mesmo a alegação de que as vacinas usam células de fetos abortados é enganadora. É inegável que a origem das duas linhagens que podem ser usadas neste tipo de investigação tiveram origem em fetos abortados. Estes abortos aconteceram nos anos 1960 e 1970, de forma legal, e não tiveram como objetivo a utilização das células para investigação médica.

A presente utilização de linhagens celulares com origem em células de fetos não resulta de novos abortos, antes das células desses dois fetos que foram preservadas e multiplicadas em laboratório. Assim, depois de tantas vezes replicadas e modificadas, as linhagens celulares que agora existem em laboratórios de todo o mundo só muito remotamente podem ser ligadas às células originais.

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A vacina da Pfizer/BioNTech e da Moderna, baseadas em ARN mensageiro, não precisam de usar células de fetos porque a molécula é sintética, mas as vacina da Oxford/AstraZeneca e da Janssen, sim. Estas duas vacinas precisam de usar as células humanas das linhagens de laboratório, como pequenas fábricas de adenovírus mascarados de coronavírus, de forma a que este componente seja produzido em quantidade suficiente. Este tipo de técnica também foi usada no desenvolvimento de vacinas contra a rubéola, varicela, raiva ou hepatite A.