O “cocktail” de anticorpos que Donald Trump tomou para tratar a Covid-19 — e que o presidente dos EUA considerou uma “bênção” — foi desenvolvido com o recurso a células obtidas a partir de tecido de um feto abortado nos anos 70, segundo o The New York Times e o MIT Technology Review. Só que o uso destas células vai contra o que o presidente dos EUA tem defendido: em junho de 2019, a administração Trump suspendeu o financiamento de trabalhos de investigação que usem tecido fetal obtido através da prática do aborto.

“Promover a dignidade da vida humana desde a conceção até à morte natural é uma das prioridades da administração do presidente Trump”, escreveu, na altura, o departamento de saúde, acrescentando que os estudos que usam “tecido fetal de abortos” não espontâneos “não serão realizados”.

Na semana passada, Trump usou um fármaco experimental — um “cocktail” de anticorpos monoclonais — que ainda não foi autorizado pela Food and Drug Administration (FDA), o regulador norte-americano do medicamento.  Esse “cocktail” visa ajudar o corpo a combater a infeção.

O MIT Technology Review, uma publicação do MIT, explica que, para desenvolver os anticorpos, a Regeneron, a empresa que detém o tratamento, usou células originalmente obtidas de um feto que foi abortado na década de 70, nos Países Baixos. Porquê o uso da palavra “originalmente”? É que essas células do feto foram “cultivadas” em laboratório — e foram-se dividindo, formando novas células. As novas células é que foram usadas pela Regeneron para “testar a capacidade dos anticorpos em neutralizar o vírus“, explicou Alexandra Bowie, porta-voz da Regeneron.

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A farmacêutica já veio pedir uma autorização para que a terapia seja disponibilizada a toda a população. Trump chegou a dizer, num vídeo publicado na quarta-feira, que esse “cocktail” REGN-COV2 foi o responsável pela sua “cura” e que queria o tratamento disponível, de forma gratuita, para toda a gente. Apelidou mesmo o tratamento de uma“bênção”.

“Uma cura”, “uma bênção disfarçada” e “melhor que a vacina”: é assim que Trump descreve o tratamento experimental

O uso por Trump do “cocktail” está fora do âmbito de um ensaio clínico. Mas os primeiros resultados dos ensaios clínicos, que ainda estão numa fase preliminar, feitos pela Regeneron mostraram que os doentes não-hospitalizados com sintomas de Covid-19 viram a carga viral ser reduzida mais rapidamente quando foram injetados com os anticorpos.

Donald Trump esteve internado no hospital militar Walter Reed entre sexta e segunda-feira.