Um casaco de carapuço a cobrir a cabeça, a máscara a tapar a cara, outro casaco vestido e uma manta polar dos pés até meio do tronco. Assim estava um dos alunos de Vítor Brasão, professor na Escola Secundária de Serpa (Alentejo), conforme a publicação que deixou no Facebook. “Não é montagem”, assegurava o professor, referindo-se ao frio que se faz sentir nas escolas do agrupamento alentejano. Mas também em tantas outras do país.
O frio nas salas de aula, sobretudo no Norte e interior do país não é um problema novo, mas o arejamento recomendado pela Direção-Geral da Saúde, para reduzir o risco de contágio com o SARS-CoV-2, veio torná-lo mais evidente. Há forma de resolver o problema? “Solução existe sempre”, diz ao Observador Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). “Regra primeira de todas as normas: bom senso.”
Mas se houver recursos disponíveis tanto melhor. A maior parte das escolas já terá “sistemas de aquecimento seguros” e os edifícios estarão a cumprir as normas da certificação energética, com janelas com capacidade de isolamento, diz o presidente da ANDE. Não é, porém, possível manter o arejamento, com portas e bandeiras das janelas abertas, e a sala aquecida. “Não conseguimos fazer as duas coisas simultaneamente”, diz o também diretor do Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto em Cinfães (distrito de Viseu).
O Agrupamento de Escolas n.º 2 de Serpa não está no grupo das escolas que já foram remodeladas. Praticamente todo o esforço de aquecimento das salas com os aquecedores portáteis ou os poucos equipamentos de ar condicionado que a escola secundária tem, acabam por ser perdidos pelas frestas das janelas sem isolamento, como conta à rádio Observador Francisco Oliveira, diretor do agrupamento.
Entro naquelas salas de aula e vejo os miúdos e só me apetece chorar”, diz Francisco Oliveira.
A Escola Secundária de Serpa está para ser remodelada desde 2011, mas até agora nada, queixa-se o diretor. “Não vale a pena estar a fazer grandes investimentos numa escola que é toda para deitar abaixo.”
Mas também não é certo que um bom sistema de aquecimento resolvesse o problema. Francisco Alves Marques, diretor do Agrupamento de Escolas Pioneiros da Aviação Portuguesa (Amadora), tem à sua responsabilidade edifícios que já foram remodelados e têm aquecimento e outros que não. Mas com janelas e portas abertas o problema para alunos e funcionários é equivalente, conforme disse à rádio Observador.
A DGS obriga a que as portas e janelas estejam sempre abertas?
As portas e janelas são para manter abertas “sempre que possível”, diz a orientação conjunta da Direção-Geral da Saúde (DGS), da Direção-Geral da Educação (DGE) e da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (Dgeste) para o ano letivo 2020/21. Mas a mesma orientação também refere que as medidas devem ser tomadas desde que “tal não comprometa a segurança das crianças e dos alunos”, conforme lembra a própria DGS ao Observador. Assim, a orientação não obriga a que as janelas estejam abertas em permanência.
Sempre que possível, e que tal não comprometa a segurança das crianças e dos alunos, devem manter-se as janelas e/ou portas abertas, de modo a permitir uma melhor circulação do ar e evitar toques desnecessários em superfícies”, lê-se na orientação conjunta.
Francisco Oliveira diz que isso seria mesmo impossível, nesta altura, na Escola Secundária de Serpa, por causa do frio e porque as portas abrem diretamente para o exterior e não para um corredor no interior do edifício. Assim, as salas só são arejadas no intervalo. O problema é voltar a aquecer a sala depois disso.
O arejamento no intervalo — e não durante o período em que os alunos se encontram na sala — é a recomendação da DGS, DGE e Dgeste, conforme nota enviada às redações esta sexta-feira: “Assim, face à presente situação meteorológica, quando não existam equipamentos de ventilação mecânica nas salas de aula ou outros espaços utilizados para lecionação, o arejamento pode ser realizado de forma natural durante os intervalos, garantindo a ventilação e renovação do ar interior”.
“Só me apetece chorar” Alunos de Serpa só com mantas conseguem combater o frio
Filinto Lima, presidente Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP), por sua vez, defende que cabe a cada agrupamento, escola ou comunidade escolar (com alunos, professores, pais e funcionários) encontrar a solução que mais se adequada ao contexto em que se encontram.
“A arte é conseguir conciliar estes dois grandes interesses”, diz ao Observador, referindo-se a manter os alunos com um nível de conforto que seja promotor de boas aprendizagens e evitar contribuir para o aumento do número de casos de infeção com o coronavírus.
O presidente da ANDAEP não vê mal no uso da manta ou de mais um agasalho, desde que seja essa a solução adequada para a escola em questão. “Estamos a viver um momento excecional”, diz.
Na orientação conjunta emitida no início do ano letivo também “não está desaconselhada a utilização de ventilação mecânica de ar (sistema AVAC – Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado), por forma a garantir o conforto térmico, apesar de o arejamento (renovação do ar) dos espaços dever ser feito preferencialmente com ventilação natural”, respondeu a DGS ao Observador. O que é preciso garantir, neste caso, é que os equipamentos têm a limpeza e manutenção adequadas.
DGS recomenda medidas para prevenir efeitos do frio e admite repercussões na mortalidade
Maior proteção contra o frio é também o que recomenda Francisco Oliveira nas escolas de Serpa. Depois vai fazendo o que pode com o parco orçamento que diz ter disponível. Por exemplo, ter as escolas vazias ou com menos alunos permitiu uma poupança significativa na conta da eletricidade, dinheiro que foi investido em ar condicionado na sala de convívio, conta. É que os alunos chegam às 7h30 para ter aulas às 8h15 e aquele é praticamente o único espaço coberto onde podem estar.
O comunicado da DGS divulgado esta quarta-feira apresentava algumas medidas de proteção contra o frio. Por exemplo: manter o corpo quente, utilizando várias camadas de roupa; proteger as extremidades do corpo, utilizando luvas, gorro, cachecol, meias quentes e calçado quente e antiderrapante; ou, manter a hidratação, ingerindo sopas e bebidas quentes.
As janelas abertas vão aumentar gripes e constipações?
Nas redes sociais, pais e professores queixam-se que para evitarmos uma infeção com SARS-CoV-2, promovendo o arejamento, teremos mais casos de gripe e pneumonia. Mas esta relação não pode ser estabelecida desta forma.
Covid-19, gripe e constipação. Quais são as principais diferenças? Uma tabela ajuda a distingui-las
As gripes e constipações são causadas por vírus e as pneumonias por vírus ou bactérias. A vantagem do arejamento para evitar o risco de contágio com o coronavírus, serve também para os restantes vírus que causam infeções respiratórias. Logo, o arejamento até poderá ser benéfico para evitar outras doenças.
Se temos mais infeções respiratórias no inverno é porque, de facto, o frio e a humidade parecem aumentar o risco de infeção, mas para isso o vírus tem de estar a circular no espaço onde estamos. O que também acontece no inverno é que as pessoas passam mais tempo em espaços fechados com pouco arejamento, logo, a probabilidade de uma pessoa doente infetar as outras é maior.
Atualizado com a nota envia às redações, esta sexta-feira, recomendando o arejamento das salas no intervalo.