Carlos Gomes da Silva renunciou ao cargo de presidente executivo da Galp Energia, informou a empresa em comunicado à Comissão de Mercado Valores Mobiliários. A renúncia dos cargos de presidente da comissão executiva e de vice-presidente do conselho de administração foi apresentada esta terça-feira e objeto de “consensualização” entre o gestor e Paula Amorim, a chairman da Galp e representante da Amorim Energia, a principal acionista da empresa petrolífera, não tendo sido indicadas razões para a renúncia antes do final do mandato que terminava em dezembro do próximo ano.

A sua saída não será alheia ao novo rumo que a petrolífera tem anunciado de afastamento do petróleo, como aliás é visível no anúncio do fecho da refinaria de Matosinhos, e acelaração da transição energética. Terá sido a vontade de Paula Amorim de acelerar esse percurso, face a uma visão mais conservadora de homem da indústria petrolífera, que esteve por trás da substituição do CEO.

A principal acionista da Galp foi buscar o novo presidente executivo à Shell. Com 35 anos de casa na multinacional anglo-holandesa, onde fez toda a sua carreira, chegando à comissão executiva em 2012. Andy Brown abandonou as funções de principal responsável pela área de exploração de petróleo e gás natural (upstream) da Shell em janeiro de 2019, tendo mantido uma ligação profissional à empresa até há pouco tempo.

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O britânico Andy Brown será o primeiro presidente executivo estrangeiro de uma das grandes empresas da bolsa portuguesaO último projeto a que esteve associado como consultor foi a empresa Zeroavia uma startup que explora o uso de células de hidrogénio no transporte aéreo para garantir emissões zero neste setor que é um dos mais poluentes e para o qual não existem ainda alternativas viáveis.

A ligação de Brown ao hidrogénio pode aliás ter sido uma das razões para Paula Amorim o ter escolhido, dado a aposta da Galp no projeto de hidrogénio verde, um combustível sem emissões que poderá a prazo substituir o gás natural e até o gasóleo no transporte de mercadorias. De qualquer forma, ainda que na fase mais recente da sua carreira, Brown parece estar mais conectado com os temas da energia verde. Nesta

Andy Brown será o primeiro estrangeiro a liderar uma das empresas mais valiosas da bolsa portuguesa e a única das empresas de energia que tem como maior acionista um grupo português. O gestor de nacionalidade britânica vai ser cooptado como presidente executivo a partir de 19 de fevereiro, sendo a sua nomeação confirmada em assembleia geral a realizar este ano e na qual se antecipam mais mexidas na comissão executiva da Galp. Até à entrada do novo gestor, Gomes da Silva manter-se-á em funções.

Ainda ano final do ano passado, a EDP anunciou alterações significativas na sua equipa de gestão, com a saída em definitivo de António Mexia e João Manso Neto, cujos mandatos estavam suspensos desde julho passado, e a consolidação de Miguel Stilwell de Andrade como presidente executivo.

Carlos Gomes da Silva estava na presidência executiva da Galp desde 2015, quando substituiu Manuel Ferreira de Oliveira. Antes tinha estado oito anos na comissão executiva da petrolífera, quase desde que Américo Amorim se tornou o maior acionista da Galp, de quem aliás era considerado próximo.

A decisão “mais difícil” foi sair da Galp na viragem do século… regressou em  2007 para sair agora

Licenciado em engenharia eletrotécnica pela Universidade do Porto, Gomes da Silva é um homem da indústria petrolífera, como era aliás Manuel Ferreira de Oliveira (que faleceu em 2019). Entrou para a Galp no início da década de 1990 do século XX, tendo ocupado várias funções de gestão que passaram pelas áreas de refinação, logística, trading, planeamento e controlo estratégico.

Em 2001, vai trabalhar com Manuel Ferreira de Oliveira (outro homem do Porto), que foi presidente da Petrogal, na Unicer, grupo cervejeiro da Super Bock, onde chegou à administração.

Em 2019, confessou que sair da Galp na viragem do século foi a “decisão mais difícil” da carreira de gestor porque estava convencido de que não voltaria. “Foi sair numa perspetiva que era de adeus a um percurso que foi extraordinário, mas para recomeçar. “Em termos pessoais, a decisão que mais me tocou foi precisamente a de sair desta casa na minha primeira vida”, afirmou em declarações a uma rubrica sobre gestores promovida pelo jornal Expresso e pela consultura EY.

Mas com o regresso de Ferreira de Oliveira à Galp, a convite de Américo Amorim, Gomes da Silva segue-lhe os passos e chega à comissão executiva da petrolífera em 2007. Neste órgão teve as mais diversas responsabilidades setoriais, passando pela distribuição e retalho de combustíveis, o gás natural e a eletricidade, o trading de petróleo e gás, ainda matérias corporativas como marketing, serviços jurídicos e compras. Em comunicado, a empresa agradece-lhe os “importantes serviços prestados à Galp ao longo de 14 anos no exercício de funções executivas” e faz “votos de continuados sucessos profissionais”. Carlos Gomes da Silva tem 53 anos,

Com a saída de cena de Ferreira de Oliveira, também ele em rota de distanciamento face ao estilo de gestão do principal acionista, Carlos Gomes da Silva é o sucessor natural e assume a presidência executiva da Galp em 2015. Natural do Porto onde estudou, era notada a boa relação que tinha com Américo Amorim, tendo sido aliás sido seu representante legal em temas que envolviam a Amorim Energia.

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Sob a sua condução, a Galp Energia manteve a estratégia de desenvolvimento da exploração e produção de petróleo e gás, sobretudo no Brasil e Moçambique, deixando a valorização das ações seguir na rota do sobe e desce do petróleo. E manteve o braço-de-ferro com o Estado e o fisco por causa da contribuição sobre o setor energético que a Galp nunca pagou, por ordem inicial de Américo Amorim. Este conflito já ultrapassa os 500 milhões de euros.

Carlos Gomes da Silva é reconduzido por um segundo mandato em 2019, mantendo um low-profile em termos públicos. Em seis anos de presidência, não de uma grande entrevista e mesmo as conferências de imprensa sobre resultados foram descontinuadas, com o crescente desconforto dos gestores (ou dos acionistas) perante algumas das perguntas feitas, sobretudo centradas no preço dos combustíveis.

Casos como a exploração de petróleo ao largo da costa alentejana, que a empresa deixou cair perante os protestos, e sobretudo, o Galp Gate, que envolveu a petrolífera e alguns dirigentes nos convites para a responsáveis políticos para o Euro 2016, também resultou um maior fechamento da empresa face aos media.

Apesar de declarações e referências no plano estratégico à transição energética e a uma maior aposta na eletricidade, as iniciativas concretas da Galp nessa direção só ganharam dimensão quando a empresa anuncia a aquisição em Espanha da atividade renovável da Acciona há cerca de um ano.

Dois meses depois, a petrolífera é das principais empresas da bolsa aquela que sofre os efeitos mais negativos da pandemia e por causa da forte exposição às energias fósseis. É duplamente penalizada — enquanto produtora, as ações derrapam com a desvalorização do petróleo, enquanto refinadora e vendedora, enfrenta perdas nunca vistas na procura (nacional e externa) e uma queda do volume de vendas que obriga mesmo a parar as duas refinarias por falta de espaço de armazenamento.

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A retoma do verão durou pouco e em outubro, a Galp volta a parar a refinaria de Matosinhos, cujo encerramento definitivo é anunciado no final do ano.